Em novembro de 2022, após a vitória nas urnas e a 50 dias da posse ao 3º mandato, o presidente Lula embarcou para o Egito para participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 27) garantindo que recolocaria o Brasil no centro da geopolítica.
O bordão “O Brasil voltou!”, cunhado pelo próprio presidente, passou a representar o seu esforço pessoal para neutralizar o desgaste sofrido pelo País ao longo do governo Bolsonaro, sobretudo, na área ambiental.
Dois anos e várias declarações polêmicas depois – especialmente sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o conflito no Oriente Médio – Lula presidirá a cúpula de chefes de Estado e de Governo do G20, no Rio de Janeiro.
O encontro do grupo que reúne 19 países, além da União Europeia e União Africana, chegará ao ápice na segunda e terça-feira, 18 e 19 de novembro. Em construção, a declaração conjunta das nações encerrará a presidência temporária do Brasil no G20 que passará o posto à África do Sul.
As explosões na Praça dos Três Poderes em Brasília, na noite de quarta-feira, 13 de novembro, justificaram o reforço na segurança na capital federal e na capital fluminense, mas não alteraram a agenda do presidente Lula e do G20.
O evento, que coloca efetivamente o Brasil na pauta internacional a ser ampliada pela COP 30 em Belém no próximo ano, pode, contudo, ter repercussão enfraquecida pela recente vitória de Donald Trump à presidência dos EUA – e sua notória resistência a mobilizações globais e defesa de causas ambientais – alertam observadores internacionais.
Independente, porém, de um eventual “efeito Trump”, o G20 dominará a agenda internacional que será esticada pela visita do presidente da China, Xi Jinping, a Brasília, na quarta-feira 20, feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra. Lula e o mandatário chinês deverão firmar acordos comerciais.
No início da semana, Xi Jinping estará na Cúpula do Rio, onde os temas propostos para discussões travadas em 130 reuniões realizadas ao longo do ano giraram em torno do combate à fome, pobreza, desigualdade, desenvolvimento econômico, meio ambiente, reforma da governança global e conflitos geopolíticos, entre outros.
E o Brasil já contabiliza saldo positivo do megaevento ao obter consenso e adesões à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e boa receptividade à vinculação entre o comércio e desenvolvimento sustentável e à proposta de taxação de super-ricos com alíquota de 2% da riqueza de bilionários no mundo.
Internamente, iniciativa semelhante do governo não prosperou. Há três semanas, a Câmara rejeitou a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas com foco em bens a partir de R$ 10 milhões. O objetivo era reduzir desigualdades e bancar o aumento da faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5.000 – promessa eleitoral de Lula.
O Congresso não chancelou a ideia num momento em que cortar despesas tornou-se imperativo. O aguardado conjunto de medidas de corte de gastos deve ser anunciado após o G20.
Entretanto, ao apresentar a proposta ao presidente da Câmara na quarta-feira, 13, o ministro Fernando Haddad deu uma palinha: o corte será de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e todas as rubricas do Orçamento estarão subordinadas, “à medida do possível”, a crescimento real de 2,5%.
Mesmo sendo detalhadas pós-G20, é provável que na sexta, 22, secretários da Fazenda e do Planejamento sejam instados a avançar em explicações quando apresentarem o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 5º Bimestre – um mapeamento técnico da real situação das contas públicas.
Dois “elefantes” na sala
Ao avaliar para o NeoFeed a relevância da liderança do Brasil no G20 em meio à tensão que envolve medidas orçamentárias, o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino, lembra que política externa e política interna têm tempo e olhares diferentes e que a liderança no G20 já estava acordada. Entretanto, diz, “há um elefante na sala que não pode ser ignorado”.
Consentino observa que pautas relevantes do G20 como desenvolvimento, mitigação de desigualdades sociais e mudanças climáticas têm tudo a ver com “casa bem arrumada”. “Não dá para pensar nessas políticas se o país não tiver a casa ordem. E o Brasil, como anfitrião, está nessa posição. O pacote de corte de gastos é condição sine qua non para o desenvolvimento sustentável.”
O cientista político avalia que o Brasil tem registrado “voos de galinha” no avanço do PIB às custas de gastança. “Isso é fácil, mas tem prazo de validade. Assistimos a esse filme nos governos Dilma e Bolsonaro no pós-pandemia. É necessário compatibilizar os princípios que defendemos no G20 com uma agenda que coloque o Brasil no patamar dos países responsáveis na condução fiscal”, pondera Consentino para quem o G20 pode funcionar como catalisador para a adoção de medidas. E não só emergenciais.
“Cabe ao Brasil, porém, utilizar os instrumentos de maneira correta. Embora os eventos não tenham o mesmo caráter do G20 por serem festivos, no passado recente tivemos a Copa do Mundo e as Olimpíadas que foram consideradas e propaladas como oportunidades importantes para avanços econômicos. E isso não aconteceu”, observa Consentino.
Ele acrescenta a necessidade de o Brasil – para ter relevância no G20 – também ter bem resolvida sua política externa. “Por ora, nossa política exterior parece, no mínimo, ambígua, quando o governo brasileiro não reconhece a eleição na Venezuela, mas não vê o país como uma ditadura. Quando pretende atuar como mediador no conflito Rússia-Ucrânia, mas pisca para a Rússia.”
Consentino reforça que sinalizações dúbias deixam um passivo importante para um país que quer assumir uma posição internacional destacada e que não se resume ao G20. “Iniciamos um ciclo virtuoso que terá, como próximo passo, a recepção da COP 30. E não podemos ignorar que, lá e mesmo em casa, teremos outro elefante na sala com nome e sobrenome: Donald Trump.”