Na contramão de mercados como os Estados Unidos e a Europa, onde os aportes da indústria de venture capital em biotechs já somam bilhões, no Brasil, o capital ainda é bem escasso para o setor. Mas há quem parece estar encontrando a fórmula para superar essa falta de apetite.
É o caso da Nintx. Fundada em 2020, a startup levantou US$ 3 milhões em um investimento seed, há dois anos. E, nesta segunda-feira, 9 de dezembro, está anunciando mais uma captação, agora, de US$ 10 milhões, sendo aproximadamente US$ 2 milhões via subvenção econômica da Finep.
A cifra restante, de cerca de US$ 8 milhões, foi aportada por nomes que já compunham a sua base de acionistas, como a Pitanga, empresa de capital de risco centrada em deep techs do cientista Fernando Reinach; Guilherme Leal, fundador da Natura; e Peter Andersen, CEO do Centroflora, grupo brasileiro de extratos para medicamentos.
O cheque envolveu ainda novos investidores: a gestora Ecoa Capital; o fundo de impacto MOV Investimentos; a Tiaraju, fabricante de medicamentos e suplementos; e a Adeste, empresa com atuação nos segmentos de alimentação, saúde, nutrição animal e pet care.
“Estamos saindo das provas de conceito para a fase de transformar as pesquisas em produto”, diz Stephani Saverio, cofundador da Nintx, ao NeoFeed. “É a etapa mais cara. E esses são os recursos que precisamos para chegar ao ponto de licenciar os projetos para as big pharmas globais.”
Essa mudança se estende ao organograma da biotech. O único dos três fundadores que ainda não estava no dia a dia da operação, Saverio deixa o posto de vice-presidente global de desenvolvimento de negócios da Knight Therapeutics para assumir como CEO da startup.
Até então, ele ocupava um assento no conselho da Nintx, que tem ainda como fundadores Cristiano Guimarães Miller Freitas. Com bagagens de mais de 20 anos na indústria farmacêutica, os três se conheceram quando trabalhavam na brasileira Aché.
“Eles pularam antes do paraquedas e começaram a montar a empresa”, diz Saverio. “Mas esse era o nosso plano desde o início. Eu fico com a parte de negócios, o Cristiano com pesquisa e o Miller com o desenvolvimento.”
Miller Freitas, por sua vez, destaca que esse é o momento ideal para que cada um se concentre em suas especialidades. “Nós conseguimos reunir um capital relevante e investidores experientes. E com os projetos entrando na fase de desenvolvimento, eu preciso me dedicar mais a essa frente.”
Uma parcela considerável dos US$ 10 milhões será reservada à infraestrutura da operação. Inaugurado em maio de 2023 e instalado no Techno Park, em Campinas (SP), o laboratório da startup deve triplicar de tamanho.
Esses aportes envolverão, por exemplo, a montagem de um laboratório celular e a incorporação de tecnologias analíticas de alta resolução e fermentação, além da ampliação da equipe, de sete para 12 pesquisadores.
Multi-target
Apoiada por um arsenal de tecnologias próprias e tendo como fonte a biodiversidade brasileira, a biotech busca desenvolver medicamentos a partir da investigação de compostos naturais produzidos por microrganismos e plantas.
Essa fórmula se baseia em um conceito que a startup chama de multi-target. Ele parte da ideia de que as doenças são causadas por fatores genéticos, ambientais, sociais e psicológicos. E pela interação entre todas essas variáveis.
A Nintx atua em cinco áreas terapêuticas: doenças infecciosas, cardiometabólicas, doenças imunológicas, doenças neurodegenerativas e gastrointestinais. E construiu um pipeline de oito projetos prestes a entrar na fase de estudos pré-clínicos, realizados em animais.
Em um formato comum no setor, a próxima etapa será negociar licenciamentos com grandes farmacêuticas globais. Com mais “poder de fogo”, essas empresas assumem as etapas restantes de desenvolvimento para transformar os projetos em produtos e levá-los às prateleiras.
O plano é buscar uma porcentagem de 20% sobre o faturamento potencial desses produtos. Essa fatia corresponde às etapas que a startup desenvolveu em cada projeto e já inclui uma perspectiva de dígitos na casa do bilhão para a companhia.
“Você faz um cálculo de quanto vale o projeto como um todo, incluindo os anos de comercialização, e traz isso a valor presente”, diz Saverio. “Pelo nosso pipeline atual, estamos falando de pelo menos dois a três projetos com o potencial de gerar, cada um deles, entre US$ 400 e US$ 500 milhões para a Nintx.”
De olho nessas cifras, a expectativa é fechar os primeiros contratos a partir de 2026. Mas o CEO da startup diz que esse caminho pode incluir atalhos que permitiriam à empresa antecipar esse prazo.
“Algumas pesquisas começam como medicamentos, mas podem caminhar para o registro de um ingrediente, um nutracêutico, por exemplo, no qual você tem um caminho regulatório mais rápido”, afirma. “E já temos projetos caminhando para essa direção.”
Freitas complementa: “Essa é vantagem de termos uma plataforma com oito projetos, quando a maioria das deep techs ou biotechs focam em um produto”, diz. “Queremos manter essa plataforma sempre abastecida. Mas os projetos não serão necessariamente os mesmos daqui dois ou três anos.”
A dupla recorre a um dado da Emerge Brasil para ressaltar como essa fórmula, aliada ao foco na biodiversidade brasileira, começa a se traduzir em números. Segundo a consultoria, pouco mais de 10% das deep techs locais captaram mais de R$ 5 milhões.
“Normalmente, esses aportes giram entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões. E nós, apenas nessa rodada, estamos superando em mais de dez vezes esses valores”, diz Saverio.
Em contrapartida, a Ninxt e seus pares locais ainda têm bastante chão para alcançar as biotechs americanas e europeias. Segundo um levantamento do Silicon Valley Bank, de janeiro a agosto deste ano, as startups do setor nesses mercados captaram US$ 15,3 bilhões, em 351 rodadas.