As debêntures se tornaram o principal ativo da indústria de fundos neste ano, com as alocações superando, pela primeira vez, as realizadas no mercado acionário.

No fim de outubro, data dos dados mais recentes da Anbima, os investimentos de fundos nesse ativo somavam R$ 594,6 bilhões, frente a R$ 560,1 bilhões em ações. Hoje, as participações em debêntures só perdem para aquelas atreladas a títulos públicos.

No acumulado do ano, as posições de fundos em debêntures aumentaram 38,4%, R$ 164 bilhões em termos nominais. Mas o crescimento desse mercado não é de hoje. Desde 2020, esse volume triplicou, enquanto a fatia alocada em ações caiu 30%.

O mercado de debêntures no Brasil começou a ganhar tração na década passada, com a redução na concessão de empréstimos do BNDES a grandes empresas. Nos últimos anos, porém, o movimento ganhou nova proporção, impulsionado pela maior demanda por renda fixa, efeito colateral dos juros elevados e da maior aversão ao risco.

Os fundos de renda fixa tiveram duas grandes janelas de captação nos últimos anos. A primeira foi em 2021, quando o BC iniciou o ciclo de alta de juros que levaria a Selic de 2% para 14,25%. Naquele ano, ingressaram R$ 240 bilhões nesses fundos. A segunda, ainda mais expressiva, ocorreu neste ano, com a entrada recorde de R$ 343 bilhões.

Além dos juros altos e da aversão ao risco, mudanças tributárias e regulatórias impulsionaram a captação na última janela. Uma das mais relevantes foi o fim da isenção de come-cotas em fundos exclusivos fechados, o que motivou investidores a buscar ativos com benefícios fiscais, como os fundos de debêntures incentivadas.

Por outro lado, o aumento nos prazos de LCI e LCA, usados como reserva por muitos investidores, levou à sua substituição por fundos de renda fixa com prazos mais curtos e posições em debêntures de alta qualidade (high grade).

As gestoras de grandes bancos foram as mais beneficiadas com esse movimento. No primeiro semestre, os fundos de renda fixa do Banco do Brasil captaram R$ 48 bilhões, enquanto os do Itaú atraíram R$ 29 bilhões, de acordo com dados da Quantum.

Ainda que em menor proporção, gestoras independentes também se beneficiaram, com algumas delas, mesmo especializadas em outros mercados, criando fundos de crédito privado para aproveitar a oportunidade.

Com o aumento da demanda, as debêntures registraram forte valorização, refletida no fechamento dos spreads de crédito. A diferença entre a remuneração dos títulos privados e públicos diminuiu, impulsionando o desempenho dos fundos e incentivando empresas a emitir novas debêntures. Muitas, inclusive, aproveitaram para reperfilar suas dívidas, reduzindo taxas e alongando prazos, mesmo sem necessidade imediata de recursos.

Entre janeiro e setembro deste ano, foram realizadas 458 ofertas de debêntures, somando R$ 326 bilhões em emissões. O número de operações e o volume já superam os registrados em 2023 e estão bem acima dos anos anteriores.

Para Ulisses Nehmi, fundador e gestor da Sparta Investimentos, a relevância das debêntures deve crescer ainda mais no mercado brasileiro. “Nossa expectativa é que o mercado de crédito supere o bancário na concessão de crédito a grandes empresas no próximo ano”, afirma.

Até o terceiro trimestre, o estoque de debêntures era de R$ 1,14 trilhão, cerca de R$ 170 bilhões abaixo do saldo de empréstimos bancários a grandes empresas. Em 2021, essa diferença era de R$ 290 bilhões.

O crescimento do mercado também atraiu fundos fora da renda fixa, como os multimercados, cada vez mais inclinados ao crédito privado. Um exemplo é o principal fundo da Verde, um dos mais tradicionais do mercado, que carrega mais de R$ 100 milhões em debêntures.

“Antes, crédito em fundos multimercados era um palavrão. Hoje, é padrão para as gestoras multimercados ter produtos de crédito dentro dos fundos ou como uma nova linha de negócios”, comenta Marco Bismarchi, sócio e gestor da TAG Investimentos.

O maior número de emissões e de participantes abriu espaço para novas estratégias. Assim como no mercado de ações, algumas gestoras têm buscado gerar retornos adicionais por meio de operações de compra e venda de curto prazo.

No Itaú Asset, por exemplo, há uma equipe dedicada exclusivamente a trades em crédito privado. Contudo, Nehmi considera que a maior mudança foi a possibilidade de montar carteiras mais diversificadas.

“Nossa carteira, há dez anos, era composta por debêntures de 100 emissores. Hoje, temos 200 no portfólio. Diversificação em crédito é um requisito inegociável”, afirma o gestor da Sparta.

Daniel Borini, gestor de crédito da Az Quest, sugere que a possibilidade de ficar vendido em debêntures poderia aumentar ainda mais a liquidez do mercado. Isso permitiria aos fundos se posicionar também para lucrar com a abertura dos spreads. Atualmente, a única forma de proteção é reduzir as alocações ou fechar para captação, como tem ocorrido nos últimos meses.

Dados mais recentes mostram que a captação em fundos de renda fixa desacelerou desde agosto, chegando a ficar levemente negativa em novembro. Para Borini, é difícil prever novos ingressos significativos após o forte volume do ano, mas ele acredita que o espaço para resgates é limitado.

“A busca por ativos de risco, como ações e fundos multimercados, poderia motivar saídas do crédito privado. Mas, com o CDI elevado, não vejo isso acontecer nos próximos 18 meses. Faz todo sentido manter o dinheiro nesses fundos.”