Enquanto o mercado está fechado para operações no mercado de equity, fazendo com que 2024 seja mais um ano sem IPOs e poucos follow ons (oito no total, até o fim de setembro), a renda fixa tem experimentado um forte boom. E o Bradesco BBI está aproveitando.

Com o valor recorde de R$ 484,2 bilhões até agosto de empresas acessando o mercado de dívida, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o banco de investimentos do Bradesco vê o volume e a quantidade de transações subir fortemente, gerando a expectativa de que 2024 seja o melhor ano da história em termos de faturamento.

“No ano passado, teve aquela emissão de debêntures da Aegea, que foi o maior fee [de uma operação de renda fixa]”, diz Felipe Thut, diretor do Bradesco BBI, ao NeoFeed. “Não tivemos neste ano uma transação que nem aquela, mas, ainda assim, vamos ter um ano melhor de receita do que no ano passado”

O banco não divulga o faturamento, mas dados da consultoria Dealogic, levantados para o NeoFeed apontam que, em 2021, quando foi estabelecido o último recorde, a receita foi de US$ 81 milhões. No ano passado, o Bradesco BBI teve uma receita de US$ 40 milhões, de acordo com o levantamento.

O momento positivo para as empresas emitirem títulos de dívida tem feito o Bradesco BBI trabalhar. No acumulado do ano, incluindo debêntures, bonds, notas comerciais, CRIs, CRAs, CCBs e fianças, o número de operações estruturadas que o banco participou, no acumulado do ano, cresceu 65%, em base anual, para 304. E o volume financeiro das operações aumentou 116%, para R$ 360 bilhões.

Thut ressalta, porém, que a renda fixa não é a única frente que está puxando a receita em 2024. Ele diz que M&A vem surpreendendo neste ano, com o banco participando de 21 operações no acumulado do ano, cujo volume financeiro alcançou R$ 40 bilhões, muito acima dos R$ 5 bilhões apurados no mesmo período de 2023. E a perspectiva é de que 2025 siga bem positivo.

“Hoje, em setembro de 2024, tenho 35% mais mandatos do que em setembro de 2023, o que me dá uma confiança maior para 2025”, afirma.

Já para IPOs e follow ons, o diretor do Bradesco BBI diz que o ambiente macroeconômico local e global deve ajudar a destravar as operações, depois de um ano frustrante – no começo do ano, a expectativa da casa era de cinco aberturas de capital em 2024.

“Na retomada do mercado, vamos ser mais dependentes do fluxo de investidores estrangeiros”, afirma, destacando que, por enquanto, não tem projeções para IPOs e follow ons em 2025.

Acompanhe, a seguir, os principais pontos da conversa:

A VEZ DA RENDA FIXA
Os bancos de investimentos estão surfando esse mercado de renda fixa local. Para se ter ideia, este ano, que todo mundo diz que está horrível, vai ser o ano recorde de receita da história do Bradesco BBI, com a renda fixa sendo o carro-chefe. No ano passado, teve aquela emissão de debêntures da Aegea, que foi o maior fee [de uma operação de renda fixa]. Não tivemos neste ano uma transação que nem aquela. Ainda assim, vamos ter um ano melhor de receita do que no ano passado.

E VAI LONGE
Vai continuar entrando dinheiro no fundo de crédito, porque os juros estão altos. E quando você olha para os incentivados, a taxa de longo prazo ainda é muito alta. Os incentivados estão muito fortes, seja CRI, CRA, debêntures de infraestrutura. Acho que ainda vamos longe nessa captação de fundos de renda fixa. Tenho menos dúvida do volume de renda fixa, mas um pouco sobre preço, se não chegou no limite.

FRUSTRAÇÃO EM EQUITIES
Desde a eleição, estamos sempre jogando o ano do equity para frente. 'Depois da eleição, a janela vai abrir aí'. E aí vieram todas aquelas questões, a desavença entre governo e BC, a PEC da Transição. Nos Estados Unidos, era para os juros terem caído em março, como se falava em novembro do ano passado, mas aí veio a questão da inflação, postergando tudo. Pelo menos agora finalmente caiu. O que aconteceu este ano foi uma reversão de cenário, com a Selic voltando a subir, algo que ninguém esperava. Em janeiro, não tinha como saber que o Fed não iria cortar os juros em março e da reversão da Selic, por isso estávamos animado.

O CAMINHO PARA A RETOMADA DAS AÇÕES
Me parece que, quando os IPOs voltarem no Brasil, e a gente espera que voltem no ano que vem, vamos ter que passar pela situação vista em 2007, quando os estrangeiros compravam a maior parte das ações emitidas, antes de chegar em 2021 e 2022, quando a situação se inverteu, com os brasileiros comprando a maior parte. A indústria de assets que investe em ações está muito machucada, sofreu com resgates e diminuiu de tamanho. E mesmo que os juros caíam no Brasil, vai ser um processo lento. Na retomada do mercado, vamos ser mais dependentes do fluxo de investidores estrangeiros do que foi em 2020 e 2021.

BRASIL “MENOS FEIO”
A questão agora é o que vai fazer com que o País atraia esse dinheiro. O nosso economista-chefe, o Fernando Honorato, brinca que, às vezes, é um campeonato de quem é menos feio. Tem países que estão fazendo coisas que vão prejudicar essa atração de investimento. Talvez o México, por conta da atual situação, não vá atrair o quanto atraiu com a história do nearshoring. No Brasil, a discussão fiscal está no radar dos investidores, mas é muito mais uma preocupação dos locais do que dos internacionais. Porque os estrangeiros olham todos os emergentes e tentam ver quanto a dívida vai crescer nos países. E quando olham entre hoje e 2026, a dívida brasileira vai crescer menos do que nos Estados Unidos e outras economias. O fiscal é um problema, mas é um jogo relativo. E a economia brasileira está muito forte. Tem o lado de preocupação do fiscal, mas a economia está indo bem. O que o Brasil precisa é da volta da percepção de responsabilidade.

IPOs EM 2025
Se não tiver nenhuma reversão de cenário, com certeza vamos ter condições melhores no ano que vem, com Selic caindo de novo e Fed continuando a cortar juros. Neste ano, tivemos saída de dinheiro de estrangeiros da Bolsa de janeiro a junho, mas em julho, com a perspectiva do Fed começando a cortar juros, entrou dinheiro de estrangeiro, e em agosto também. Nesse período, o Ibovespa subiu quase 20%. Somente a expectativa de corte de juros já trouxe o fluxo para o Brasil e foi responsável pela alta da Bolsa. Acho que, no ano que vem, devemos ter condições financeiras mais apropriadas para equities.

DÍVIDA X FOLLOW ONs
Se você tem uma história bacana para contar ao mercado, os investidores topam essa história e acompanham no follow on. O mercado está sempre aberto para follow ons com boas histórias. Mas hoje as companhias estão preferindo captar com dívida primeiro, porque está barato. Estamos fazendo dívidas com sete, dez anos. Em todas as companhias, se couber na estrutura de capital, é melhor captar dívida. Se precisar equilibrar a estrutura de capital, aí faz um follow on, porque tem ainda a questão do preço da ação, que caíram bastante.

PROJECT FINANCE FORTE
Project finance está muito forte. Vamos ter muitos leilões até o final do ano, rodovias federais e estaduais, de saneamento básico, leilões de energia. O project finance mudou muito com saneamento, porque passaram a ter muitas oportunidades. Energia, geração distribuída, está muito forte também. E com as debêntures de infraestrutura, as companhias estão fazendo uma ponte com os bancos e depois fazem take out com as debêntures. Com o mercado de renda fixa forte, as companhias estão conseguindo fazer emissões com taxas super baixas.

M&A SURPREENDENDO
O ano está surpreendendo positivamente, porque eu esperava que esse cenário de juros caros encarecendo o financiamento. Mas os juros começaram a cair com esse mercado de renda fixa. Estamos vendo interesse de estrangeiros no Brasil e de companhias brasileiras se fundindo. Vemos um movimento grande de fusão de companhias listadas, como foi o caso da Auren com a AES, nós estávamos com a AES nesse deal. Foi o caso de Enauta com a 3R. Vemos as companhias não querendo se vender nos preços atuais. Quando faz troca de ações, se ambas caíram 50%, elas se juntam e bola para frente. Vender em dinheiro quando caiu 50% dói demais. Vimos isso acontecer bastante. Algumas companhias juntas têm muita sinergia. Se obtiverem sinergia, talvez seja o gatilho para as ações subirem.

M&A EM ALTA EM 2025
Acho que vamos entrar mais forte em M&A em 2025, porque o deal de M&A é super longo. Entre o dia em que somos engajados e a venda são nove meses, seis meses, dependendo do processo. E tem o Cade ainda. Hoje, em setembro de 2024, tenho mais mandatos do que em setembro de 2023, o que me dá uma segurança maior para a receita em 2025. Vimos uma volta da atividade de novos mandatos. E são mandatos melhores, com maior probabilidade de sair do que não.