A vitória de Claudia Sheinbaum nas eleições presidenciais do México, confirmada nesta segunda-feira, 3 de junho, não surpreendeu os mexicanos – ela era favorita, em parte pelo apoio do popularíssimo atual presidente, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, durante a campanha. Tanto que ela obteve 68% dos votos, vantagem de 28 pontos percentuais para a segunda colocada, a empresária Xóchitl Gálvez, de uma coalizão de centro-direita.

Mesmo assim, o mercado financeiro reagiu ao resultado de forma negativa, com o índice IPC da bolsa mexicana apresentando queda de até 4,8% durante o dia e a cotação do peso caindo 3,3% em relação ao dólar, o nível mais baixo em sete meses.

Essa contradição que marcou o feito inédito de Sheibaum, a primeira mulher eleita para o cargo em 200 anos da história republicana do México, se deve a um motivo: sua vitória na eleição presidencial foi acompanhada de uma avalanche de votos para o Movimento Regeneração Nacional (Morena), o partido de centro-esquerda do governo, no Congresso mexicano.

Os primeiros resultados também mostraram que o Morena venceu as eleições para prefeito da Cidade do México – cargo que Sheinbaum ocupou antes de se candidatar à presidência - e a maioria dos oito governos estaduais.

Foi justamente a possibilidade de o Morena obter dois terços das 628 cadeiras no Congresso - e com isso alterar a Constituição sem precisar fazer alianças - que fez soar o alerta no mercado financeiro.

Pouco adiantou o discurso moderado de Sheinbaum após a vitória, prometendo manter uma orientação pró-mercado que sinalizou durante a campanha: o temor é o que acontecerá nos próximos quatro meses antes de assumir o cargo, em 1º de outubro.

Obrador, um líder populista de esquerda, pretende aproveitar o curto período até a posse do novo Congresso para acelerar as articulações com os parlamentares eleitos, deixando tudo pronto para aprovar o pacote de 20 mudanças constitucionais que só não aprovou ainda por não dispor de maioria.

O projeto mais polêmico é o que prevê eleição direta para a Suprema Corte. Formado por 11 juízes, o órgão vem resistindo a investidas de Obrador, como a tentativa de alterar o tribunal eleitoral e de aprovar uma reforma no setor elétrico que privilegiaria empresas estatais.

Além disso, Obrador propõe aumentos obrigatórios do salário-mínimo, proteção a setores estratégicos da economia, como de energia e petróleo, e a eliminação de órgãos reguladores independentes, como a comissão antitruste, entre outras medidas.

Doutorado nos EUA

A dúvida é se a presidente eleita vai seguir à risca a agenda de Obrador. Embora tenha feito carreira política como aliada incondicional do atual presidente, Sheinbaum tem perfil mais moderado, condizente com sua origem, de uma família de classe média alta da Cidade do México.

Descendente de imigrantes judeus lituanos e búlgaros que fugiram da perseguição na Europa no início do século 20, Sheinbaum é formada em física, com mestrado em engenharia eletrotécnica. Ela fez doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, especializando-se em questões climáticas.

Durante a campanha, prometeu manter a autonomia do Banco Central mexicano, respeitar a legalidade e preservar uma postura fiscal disciplinada. Ela também mencionou que iria impulsionar o investimento privado, tanto nacional como estrangeiro.

“O maior desafio econômico do novo governo será o de não interferir na atividade do setor privado e nos mercados livres, e evitar uma maior erosão da qualidade institucional”, afirma Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs.

Em termos políticos e sociais, outros desafios aguardam Sheinbaum. Um deles é como lidar com a onda de violência, com quase 220 mil pessoas mortas ou desaparecidas durante a presidência de Obrador. Só durante a campanha, mais de 200 candidatos aos diversos postos, de vereadores a deputados, foram mortos.

As seis cidades com as maiores taxas de homicídios do mundo estão no México, país onde as gangues administram rotas de tráfico de drogas com destino aos EUA e extorquem empresas, um grande obstáculo ao crescimento e ao investimento.

Obrador colocou as Forças Armadas para combater o crime organizado, medida que teve apoio popular e poucos resultados concretos, além do aumento de massacres.

Desafio político

Outro desafio, este político, será justamente o de suceder a Obrador, um populista carismático que surpreendeu os analistas ao longo de seu mandato de cinco anos.

Consciente do peso que o México representa para os Estados Unidos - o país ultrapassou no ano passado a China como o maior exportador de bens para os EUA – , Obrador passou mais da metade do seu governo mantendo o comércio livre e respeitando a autonomia do banco central.

O peso mexicano subiu para o seu nível mais elevado em quase uma década, impulsionado por remessas recordes e disciplina fiscal. Embora o crescimento médio da economia tenha sido inferior a 1% ao ano, afetado pelas consequências da pandemia, o desemprego seguiu perto do mínimo histórico, com o país mantendo sua classificação de grau de investimento.

No último ano, porém, Obrador deu uma guinada em sua política fiscal, abrindo os cofres para concluir projetos de infraestrutura, como de uma nova refinaria de petróleo, e aumentando as despesas sociais, duplicando o valor do salário-mínimo.

O gasto elevado dos últimos meses elevou a dívida mexicana em relação ao PIB ao seu maior nível em décadas. Contribuiu muito a obsessão de Obrador em beneficiar a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), a petrolífera mais endividada do mundo.

Com mais de US$ 101 bilhões em dívidas, a Pemex tem dependido de incentivos fiscais e injeções de dinheiro do governo para cumprir com as suas obrigações.

Sua política de privilegiar empresas estatais da área de energia e saneamento também causam preocupações aos investidores, pois não está claro se Sheinbaum vai reverter esse protecionismo estratégico do seu antecessor.

Durante a campanha, a presidente eleita disse que pretende aproveitar a janela aberta com as disputas comerciais entre os EUA e a China para consolidar o nearshoring – a estratégia de abastecer o vizinho mercado consumidor americano.

Sheinbaum afirmou ainda que deseja desenvolver 100 parques industriais e atrair fábricas que saem da China. Isso, no entanto, exigirá uma expansão do fornecimento de eletricidade, afetado por políticas energéticas que restringiram o investimento estrangeiro e privado.

“O México precisará garantir um fornecimento confiável de energia e fornecer a certeza de que as regras para os investidores não serão alteradas se o governo de Sheinbaum quiser aproveitar a transferência da produção para a América do Norte”, diz Ramos, do Goldman Sachs.