O descolamento das políticas monetárias executadas no Brasil e nos EUA deverá ter início na quarta-feira, 18 de setembro. Prevalece a expectativa de que o juro aqui subirá 0,25 ponto percentual e, no mercado americano, cairá em idêntica proporção.

Embora relevante, o ajuste monetário a ser confirmado pelo Banco Central e pelo Federal Reserve (Fed) concorrerá como ponto alto da agenda com a política fiscal, graças ao interesse massivo de analistas pelas contas públicas brasileiras – o “calcanhar de Aquiles” da política econômica do governo Lula.

Na sexta-feira, 20 de setembro, os ministérios do Planejamento e da Fazenda vão divulgar o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 4º Bimestre. Ocasião propícia para reafirmar compromisso com o equilíbrio fiscal, mas de sucesso comprometido se o governo não avançar no controle de gastos.

Mais uma vez, o documento virá a público em meio ao ceticismo de agentes econômicos quanto às condições em que a meta de déficit zero será cumprida. Em julho, o relatório referente ao 3º bimestre foi apresentado com o dólar escalando R$ 5,70 por estresse no mercado global.

Naquele momento, para evitar a piora das expectativas, a equipe econômica anunciou a contenção de R$ 15 bilhões, composta pelo bloqueio de despesas de R$ 11,2 bilhões e contingenciamento de R$ 3,8 bilhões.

E usou a prerrogativa autorizada pelo arcabouço fiscal de margem de 0,25% do PIB, que permite déficit primário de R$ 28,8 bilhões neste ano sem descumprir a meta de equilíbrio. Nada indica que essa condição – cumprir meta no limite do possível – mudará no documento que sai em uma semana.

“Esses parâmetros devem ser mantidos porque, ao usar a margem de tolerância de 0,25% do PIB para cumprir a meta, o governo faz um congelamento menor de despesas do que efetivamente deveria. Mas corre riscos. Na eventualidade de algum choque, a meta estoura e dispara os gatilhos impostos pelo arcabouço fiscal que impõem restrições ao Orçamento do ano seguinte”, afirma Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Em entrevista ao NeoFeed, Barros avalia que o Relatório é muito relevante para que o mercado monitore a evolução das contas, uma vez que não acredita na possibilidade de o governo levantar todo o volume de receitas extraordinárias prevista no Orçamento de 2024 e tampouco no de 2025.

“No relatório do 3º bimestre a contenção foi de R$ 15 bilhões. E a expectativa era de que ocorresse uma contenção de pelo menos R$ 10 bilhões na próxima edição do documento. Mas o secretário do Tesouro já antecipou em entrevista que a contenção deve ser de R$ 5 bilhões, o que é muito pouco. E indica que a expectativa com receita advinda de ações de contribuintes movidas contra a União no âmbito do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e transações tributárias, de R$ 73 bilhões no relatório anterior, seguirá inchada.”

Para Barros, motivos não faltam para justificar o pé atrás do mercado com a política fiscal: há muita receita inflada, nenhuma visibilidade de como os recursos chegarão ao caixa da União e falta transparência nos dados.

Orçamento para “inglês ver”

“O fato de o governo entregar a meta no limite inferior permitido pelo arcabouço colabora para o ceticismo, além de o governo contar com o chamado ‘empoçamento’ – recursos que ministérios receberam e não gastaram – algo entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões. Do ponto de vista da gestão orçamentária é imprudente contar com esses recursos para fechar a meta”, avalia.

Especialista em finanças públicas, Barros diz que se o governo chegar próximo do equilíbrio nas contas é porque conseguiu compensar cerca de R$ 61 bilhões de receitas extraordinárias com outras medidas. Caso de dividendos antecipados pelo BNDES e, talvez, dividendos extraordinários pela Petrobras.

Mas a saga continua. O governo não contará com receitas extraordinárias em 2025, não está ocorrendo um ajuste fiscal estrutural e há falta de transparência na gestão. “Isso vale para os recursos envolvidos na compensação das desonerações da folha de pagamento dos 17 setores da economia, receitas referentes ao Carf e à regularização tributária, por exemplo. Não há registro em relatórios da Receita Federal ou do Tesouro que diga quanto de dinheiro entrou em cada uma das medidas de receita extraordinária anunciadas pela Fazenda.”

Sobre 2025, Barros observa que o Projeto de Lei Orçamentária não trouxe novidades, o que é preocupante. “Foi mantida a meta de déficit zero e, de novo, com receitas superestimadas e despesas subestimadas. Um orçamento para inglês ver. Uma peça de ficção e com receitas subordinadas a decisões do Congresso – caso do JCP e CSLL”, observa o economista para quem não há dúvida sobre a opção do governo por mais gastos.

Para garantir o arcabouço “sólido e crível” é necessário ingresso anual de receitas de R$ 150 bilhões, estima Barros. “Porém, apenas sob muita pressão do mercado, o governo recorreu ao ‘pente-fino’ em benefícios. Nada fez do lado estrutural dos gastos. E há um esgotamento de medidas do lado da receita.”

Paralelamente, alerta, há de se considerar a “fadiga” do Congresso com tomada de decisões que levam a aumento de impostos. “Estamos chegando a isso. E qual é a mensagem que fica? Mais cedo ou mais tarde, a meta fiscal será alterada. Logo, a política fiscal não inspira confiança.”

E sobram motivos para que projeções da Focus para o resultado primário não atem e nem desatem. Seguem cravadas em déficits em proporção do PIB de 0,60% para este ano; 0,75% em 2025; 0,65% em 2026; e 0,50% em 2027.