Entre os países emergentes da América Latina, México e Argentina sempre foram considerados, ao lado do Brasil, como os de economia mais avançada. Apesar dos diferentes estágios atuais de suas economias, tanto México quanto Argentina estão vivendo um período de transição repleto de desafios, com um governo populista dando lugar a outro voltado para reformas pro-mercado.
As perspectivas futuras dessas duas nações foram discutidas nesta quarta-feira, 29 de janeiro, por Gerardo Esquivel, professor de Economia no El Colegio de Mexico e ex-vice-presidente do banco central mexicano, e pela economista Shamaila Khan, chefe de Mercados Emergentes Globais e Renda Fixa Ásia-Pacífico do UBS, num painel do LAIC2025, evento do UBS.
Os desafios imediatos dos dois países são distintos. A nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, que assumiu há três meses com a difícil missão de suceder o líder populista Andrés Manuel López Obrador (conhecido pelas iniciais AMLO) - que aprovou reformas constitucionais polêmicas antes de deixar o cargo -, tenta implementar medidas pró-mercado em meio a ameaças do novo presidente dos EUA, Donald Trump, de sobretaxar as exportações do país.
Já o presidente argentino Javier Milei, há um ano no poder, tem um desafio mais complexo, visando à recuperação e reorganização da economia do país, que flertou com a hiperinflação no governo peronista anterior, de Alberto Fernandéz.
Para Esquivel, Sheinbaum leva a vantagem de herdar uma economia mais ajustada, com relativa estabilidade macroeconômica que já perdura há duas décadas, o que deve facilitar a implementação de seu Plano México.
O programa de reformas pró-mercado anunciado no início do ano por Sheinbaum, para reduzir importações, fortalecer a produção nacional e combater desigualdades, tem metas ambiciosas: que o país produza 50% dos produtos consumidos no mercado interno, com criação 100 parques industriais para empregar milhares de pessoas e posicionar o país entre as dez maiores economias do planeta.
A principal dúvida no curto prazo - as ameaças do novo presidente dos EUA, de sobretaxar em até 25% as tarifas de importação – não assusta o economista mexicano.
“Não acredito que Trump cumpra a promessa, ele sabe que o México retaliaria e a preocupação dele com a fronteira não diz respeito aos imigrantes mexicanos, mas aos de outros países da América Latina”, diz Esquivel. “Ele deve pressionar Sheinbaum para receber imigrantes deportados desses países e fechar a fronteira sul do México, como fez Obrador.”
O economista mexicano também argumenta que Sheinbaum tem uma abordagem diferente de seu antecessor sobre os cartéis de drogas. “Obrador decidiu não entrar na briga com os cartéis, neste aspecto o novo governo tem sido mais duro, e isso agrada aos EUA”, afirma.
A nova presidente, porém, ainda tem de lidar com a sombra de Obrador para levar adiante suas reformas. “AMLO ainda é muito popular, sua reforma do Judiciário, polêmica, ajudou a elegê-la, e sua intenção de mexer em programas sociais vai encontrar resistência”, adverte.
Há desafios também do ponto de vista macroeconômico. Segundo ele, Sheinbaum herdou uma dívida pública de 60% do PIB e prometeu reduzir para um dígito. Esquivel, porém, observa que a proporção dívida/PIB é baixa, o que explica o fato de o México estar entre os quatro países com mais investimentos diretos na América Latina.
“O México tem 14% do PIB de carga fiscal, talvez seja importante uma reforma tributária, mas Sheinbaum deva optar pela austeridade fiscal, e há também espaço para o BC reduzir os juros”, prossegue o economista – lembrando que os juros atuais, de 10% ao ano, são elevados para o índice de inflação, de 2,6%, abaixo de meta de 3%.
“A expectativa é que os juros caiam para 8,25% até dezembro, o que vai ajudar nos planos de Sheinbaum de o país se beneficiar do near-shoring, a proximidade do mercado americano”, completa.
Surpresa argentina
Shamaila Khan, do UBS, também não acredita que Trump vá sobretaxar as exportações mexicanas. “O déficit comercial dos EUA com o México é muito elevado, cerca de 40%. Para Trump reorganizar a cadeia de suprimentos montada com o acordo de livre-comércio entre EUA, Canadá e México levaria mais de um mandato”, diz.
Para Khan, é essencial que o México mantenha o grau de investimento das agências de risco, para não ficar excluído do comércio com outras áreas globais. “Grau de investimento é difícil de obter, mas fácil de perder, como descobriram Brasil e Colômbia”, acrescenta.
Sobre a Argentina, a economista do UBS destaca três surpresas da gestão Milei. A primeira, a intensidade do ajuste fiscal, de 5% do PIB, “algo muito difícil de se obter e que poderia inspirar Trump a melhorar a eficiência do gasto do governo dos EUA”.
Outro aspecto foi a mudança de perspectiva dos argentinos, tanto dos partidos de oposição no Congresso quanto da população, que fizeram menos protestos com o ajuste do que o esperado, num indicativo de apoio ao presidente argentino.
Por fim, Khan cita a mudança de postura dos tecnocratas do Estado, que não apoiaram Milei na eleição, mas passaram a ajudar na implementação das medidas.
Entre os desafios futuros, Khan cita a questão do câmbio – o peso está sobrevalorizado –, o que inibe a entrada de investimentos externos. Segundo ela, como as reservas ainda estão baixas, Milei precisa – e deve conseguir – empréstimo do FMI e aguardar as eleições deste ano antes de aprofundar as medidas.
A economista do UBS, porém, faz um alerta: a chegada massiva de capital externo para investimentos no país ainda vai demorar.
“Os argentinos precisam ter em mente aquela máxima de que Roma não foi construída num dia. Os ajustes devem levar não um ou dois anos, mas ao menos um mandato”, diz Khan. “Ou seja, os investimentos do exterior não virão rápido Não é só com ajuste fiscal que uma mudança tão drástica trará os resultados esperados.”