Brasília - Em meio ao fogo amigo - e inimigo - contra concessões de hidrovias, integrantes do governo e empresários favoráveis às obras começam a diversificar os argumentos favoráveis ao programa, como o aumento de segurança e a fiscalização nos rios.

Enquanto se defende de ataques relacionados a impactos ambientais e ao aumento do custo para a população ribeirinha, o secretário Nacional de Hidrovias e Navegação, Dino Antunes, diz, em entrevista ao NeoFeed, que o modelo de concessões é favorável para a população e para as empresas.

Estão previstas seis concessões de hidrovias, quatro na Região Norte, que devem movimentar R$ 4 bilhões e reduzir custo de frete para o agronegócio. Para o governo, a expectativa é, como nas rodovias e nos aeroportos, que as concessões possam permitir maior controle contra tráfico de madeiras, drogas e garimpo ilegal, a partir de um monitoramento mais efetivo principalmente nos estados fronteiriços.

“O concessionário vai ter que fazer um sistema de controle nos rios. No (rio) Madeira são mil quilômetros de concessão, com postos de monitoramento a cada 40 quilômetros”, diz Antunes, que tem reuniões frequentes com o Ministério da Justiça e da Segurança.

“Deverá ser um modelo semelhante ao da Polícia Rodoviária em estradas, parte dos equipamentos é fornecido por concessionárias”, afirma Antunes. Hoje, rios são monitorados pela PF e pela Marinha, mas a ideia é que a PRF atue nas hidrovias e ferrovias.

Em agosto do ano passado, a operação Prensa - da PF, Ibama e Funai - destruiu 459 balsas de garimpo ilegal no Rio Madeira, no Amazonas. A insegurança para as empresas é um tema recorrente. “Empresas hoje estão contratando segurança privada”, diz Antunes.

Servidor público federal, Antunes foi convocado pelo ministro Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) para avançar no plano de concessões. Há uma oposição, entretanto, de ambientalistas, parlamentares da região Norte e ministérios, como o do Meio Ambiente - neste caso numa disputa recorrente com pastas mais voltadas à economia.

Na entrevista a seguir, Antunes defende o modelo como o mais sustentável, rebate o argumento de eventual aumento de custos de pedágios para moradores e defende o monitoramento como algo fundamental para a segurança nos rios brasileiros."

"É a mesma coisa que aconteceu em aeroportos. Nós, técnicos, tínhamos total certeza que era bom fazer concessão de aeroporto. Hoje, ninguém mais fica bandeirando “quero a Infraero de volta”, diz Antunes.

O secretário Nacional de Hidrovias e Navegação, Dino Antunes
O secretário Nacional de Hidrovias e Navegação, Dino Antunes

Confira os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Por que as concessões das hidrovias têm gerado tanta resistência?
Estamos num processo mais maduro, mas não muito diferente do que ocorreu no início com as concessões dos aeroportos e das rodovias, que hoje todo mundo quer. A ideia de parceria com a iniciativa privada está muito madura. É reconhecido não só entre os técnicos, mas nas esferas do executivo, a partir da necessidade de que a temos de fazer parcerias com a iniciativa privada. A dificuldade é de informação. A ideia de concessão hidroviária é dos idos de 2015, mas tínhamos muita incerteza ainda sobre o processo, principalmente sobre o processo de dragagem. E dragar é muito importante numa concessão hidroviária.

E o que mudou?
O DNIT tomou a iniciativa de conhecer melhor os rios. De fazer programas de monitoramento hidroviário, de convênio com a USACE, a Army Corps of Engineers, o corpo de engenheiros do Exército norte-americano, que tem 20 mil pessoas trabalhando em rios como o Mississipi, que é a maior hidrovia dos EUA. E em 2023 recebemos uma orientação muito clara de conseguir andar com a concessão hidroviária. A concessão é a maneira mais adequada para todos os tipos de transportes. E aí entra a dragagem que pode ser comparada basicamente a uma operação tapa-buraco nas rodovias.

"Temos rios onde pode haver um transporte hidroviário eficiente, bem-feito. Só precisamos 'tapar buraco'"

Como assim?
A gente tem uma sorte gigantesca no Brasil. Temos rios onde pode haver um transporte hidroviário eficiente, bem-feito. Só precisamos “tapar buraco”. É diferente de uma rodovia que em determinado momento você precisa duplicar. A ampliação de capacidade da rodovia seria o equivalente a fazer o que a gente chama de dragagem de aprofundamento. A gente não precisa fazer isso nas nossas hidrovias. Nas nossas hidrovias, isso é um processo natural em alguns casos e um processo que tem a ver com a ação humana em outros. Você tem processo de assoreamento. A dragagem é de manutenção para tirar aquele “cucurutuzinho” que entrou nesse canal teórico que é definido pela Marinha do Brasil para a segurança da navegação.

E para isso precisa de uma concessão?
Quem toma conta das hidrovias hoje é o DNIT, que precisa contratar empresas, que leva tempo, que precisa de estrutura imediata, contratação de dragas, etc. No caso do concessionário, ele será o responsável para esse monitoramento constante, pela sinalização, inclusive virtual, a partir de batimetrias regulares.

As resistências parecem tornar distante a implantação das hidrovias.
É a mesma coisa que aconteceu em aeroportos. Nós, técnicos, tínhamos total certeza que era bom fazer concessão de aeroporto. Hoje, ninguém mais fica bandeirando “quero a Infraero de volta”. Não, todo mundo quer concessão de aeroporto. Percebemos que isso também ocorre em hidrovias. Mas, como nos outros nos outros setores, temos dificuldades de comunicação. Às vezes, com os envolvidos gerais.

Por exemplo?
Vou dar um exemplo mais social e um exemplo mais técnico. Social, teve gente falando assim: "Eu que pesco no Rio Madeira, agora vou ter que começar a pagar pedágio para passar com meu barquinho de pesca, com a minha voadeira”. Não, não vai ter. Por quê? Porque desde o início do nosso projeto já estava definido barcos pequenininhos, embarcação de passageiro, não paga. Ele vai se beneficiar com todas essas vantagens de melhor sinalização e de melhor controle, mas não paga. Só que isso até chegar na ponta, é difícil.

"Tínhamos total certeza que era bom fazer concessão de aeroporto. Hoje, ninguém mais fica bandeirando “quero a Infraero de volta”

Mesmo os transportadores de combustível?
Tem tamanhos de barcos para a cobrança. Todos os cálculos levam ao seguinte: apesar de ele (transportadores de combustíveis) pagar aquela tarifa que estamos propondo, nos nossos estudos fica mais barato para ele, porque não vai deixar o barco parado em determinados períodos de estiagem. Antes dessa época, as empresas fazem um transporte de uma grande quantidade de combustível lá para Porto Velho. E esse combustível fica nas barcaças. Chega um momento que aquilo é o estoque de combustível. Por quê? Porque a partir de um determinado momento, as barcaças não conseguem passar cheias. Então, você já passa a maior quantidade possível cheia e fica lá. Você fica usando barcaças de estoque. Ela fica parada. Se eu viro e falo o seguinte: "Eu vou dragar de maneira que você vai ter três metros de calado garantidos o ano inteiro". Ele não precisa mais usar essa estratégia. Que isso significa? Que ao invés de ficar parada a barcaça lá cheia de combustível, ele vai poder ficar usando muito melhor.

Esse é o exemplo técnico?
Fizemos algumas reuniões em Porto Velho e em Manaus para melhorar esse processo de comunicação. Em uma das reuniões, teve uma das pessoas que falou assim: "Sou contra a concessão”. Daí eu falei: "Por quê"? E ele: “Porque hoje eu já navego no rio com quatro metros de calado. E vocês estão falando aí que vai ter só três”. Expliquei: "Não, amigo. Estou falando que vai ter no mínimo três". E perguntei: "Na estiagem, com quanto que você navega? Você navega com três?” Ele disse: "Não, tem dias que eu navego com dois metros”. Falei para ele que na estiagem ele teria a garantia de navegar com 3 metros de calado.

Mas tem políticos também contra…
Isso já foi identificado, inclusive resistências na esfera política. E é natural que isso aconteça porque a esfera política tem realmente uma tendência que reflita algumas demandas da sociedade. Acho que é o momento de mostrar essas vantagens.

As hidrovias deixarão os rios mais seguros?
Esperamos que sim. O concessionário vai ter de fazer um sistema de controle no rio. No caso do Madeira, são torres de controle a cada 40 quilômetros para uma concessão de 1.000 quilômetros. Estamos conversando com o pessoal do Ministério da Justiça, vai ter informações em relação ao rio que hoje não têm. O concessionário precisa de um modelo semelhante ao da Polícia Rodoviária Federal em concessões rodoviárias.

Mas não vai ter dificuldade?
Percebemos que, muitas vezes, quando você tem dificuldade de navegação é quando a embarcação tem que reduzir velocidade para fazer manobras e fica mais exposta, quando acontece a abordagem de criminosos. Então, se você tem ali o canal mais bem definido, cuidado o ano todo, você não vai ter essa dificuldade também de fazer as manobras.

São seis concessões previstas, qual será a primeira?
Precisamos fazer a primeira. Depois as coisas ficam mais simples. Foi assim com os aeroportos. No Rio Paraguai, a gente andou bem. É a que está mais adiantada, bem provável que seja a primeira que a gente consiga fazer. Ali temos uma dificuldade também de comunicação relacionada à parte de meio ambiente. Tem muito desconhecimento pelo lado desse pessoal que se preocupa muito com o Pantanal. Sendo que a gente está bem longe do Pantanal. E já fizemos várias simulações de estudos. O projeto de concessão pega do Corumbá para baixo, no Tramo (trecho) Sul. Nos nossos estudos colocamos no Tramo Norte o nosso concessionário para fazer monitoramento ambiental. Aí durante uma audiência pública um procurador questionou se a concessão entraria no Tramo Norte. A gente disse: “Ali é só monitoramento ambiental”. Mas precisamos mostrar isso, mostrar as simulações hidrodinâmicas.

Mas as críticas permanecem…
Vale lembrar não só os discursos como também os compromissos assumidos pelo Brasil. Compromissos como os do Acordo de Paris, as metas de descarbonização, tudo isso. A gente só consegue fazer isso, só consegue cumprir isso se fizermos uma alteração na matriz logística brasileira. Se a gente tiver um deslocamento do rodoviário para modos mais eficientes. É essa transferência do modal mais terrestre pelo modal mais aquaviário que garante uma matriz logística sustentável.