A exatos dois meses da eleição presidencial americana, agendada para 3 de novembro, Mark Zuckerberg usou seu perfil no Facebook para comunicar mudanças importantes nas regras aplicadas a anúncios políticos na rede social, proibindo a veiculação de novas peças na semana que antecede a votação.
Em uma mea culpa sutil, o empresário justificou que essas recentes atualizações "refletem o que aprendemos durante o processo eleitoral nos últimos quatro anos e as conversas que tivemos com especialistas em direitos de voto e nossos auditores de direitos civis".
O comentário é um aceno direto ao envolvimento do Facebook no escândalo da Cambridge Analytica. A empresa especializada na análise de dados usou, de maneira imprópria, informações pessoais de mais de 50 milhões de usuários da rede social para fins políticos, o que influenciou a eleição americana vencida por Trump e o referendo do Brexit. Por este último caso, a rede social concordou em pagar, em outubro de 2019, uma multa simbólica de £ 500 mil.
Para evitar que informações falsas ou peças maliciosas interfiram, de novo, no resultado das eleições, o empresário afirmou que vai banir o upload de novos anúncios uma semana antes da eleição.
"As equipes de campanha podem continuar veiculando e trabalhando peças 'inscritas' antes da data limite, e ajustar a segmentação do alcance desses anúncios, que já estarão disponíveis na 'Biblioteca de Anúncios' do Facebook, para que qualquer pessoa, incluindo verificadores de fatos e jornalistas, possa examiná-los", explicou.
Além disso, Zuckerberg estipulou uma limitação de compartilhamento de notícias para o Messenger, do Facebook. Assim como acontece no WhatsApp, que definiu um número máximo de chats para os quais uma mesma notícia pode ser compartilhada de uma única vez, os usuários da rede social também terão esse limite.
"Já implementamos isso no WhatsApp durante períodos sensíveis e descobrimos que é um método eficaz de evitar que informações incorretas se espalhem em muitos países", afirmou Zuckerberg. O empresário também disse que fortaleceu a equipe para lidar com milícias digitais e organizações que usam o novo coronavírus ou teorias da conspiração para prejudicar as eleições.
Embora não cite nomes ou partidos, uma das novas regras parece ter sido criada sob medida para o republicano Donald Trump e sua equipe. "Vamos anexar um selo informativo nas publicações que visam deslegitimar o resultado ou os métodos de votação alegando, por exemplo, que certas alternativas legais de votação levarão à fraude".
Em mais de uma oportunidade, Trump, que busca a reeleição, afirmou, sem qualquer prova, que os votos por correios serão manipulados. Curiosamente, o atual presidente americano já usou, em duas oportunidades, essa metodologia de voto: uma em 2017, na eleição para a prefeitura de Nova York, e no começo deste ano, na primária da eleição presidencial.
Como era de se esperar, os republicanos não ficaram "calados" diante dessas mudanças. Em seu perfil no Twitter, o estrategista Brad Parscale, que atua como conselheiro digital sênior da campanha de Trump, reagiu às notícias escrevendo: "FRAUDE! Ei, América, a máfia de Palo Alto acredita que você é estúpido e que eles sabem mais. Estão fazendo tudo o que podem para nos impedir".
Por meio de um comunicado oficial, Samatha Zager, vice-secretária de imprensa nacional da campanha republicana, disse que "nos últimos sete dias da eleição mais importante de nossa história, o presidente Trump será proibido de se defender na maior plataforma da América" e, como o colega de partido, finalizou suas ponderações com o mesmo termo "máfia". "Quando milhões de eleitores tomarem suas decisões, o presidente será silenciado pela máfia do Vale do Silício".
A reação ao post de Zuckerberg também gerou polarização. Nos mais de 22 mil comentários, alguns expressavam gratidão e apoio às mudanças propostas pelo empresário, enquanto outros abraçavam a teoria de que essa estratégia prejudicaria Trump ou então não fariam uma grande diferença na proteção do processo eleitoral.
É nesta última "categoria" que entra a análise do cientista político Taurk Wadhwa, fundador e CEO da agência de estratégia Day One Insight. "O Facebook parece estar fazendo o mínimo necessário. A empresa tem sido sistematicamente negligente, atrasada e desigual na maneira como criou e aplicou políticas em torno do discurso e dos anúncios políticos. Essa medida é melhor do que nada, mas está mais próxima de nada do que uma solução real", afirmou ao NeoFeed.
O advogado e jornalista Judd Legum, autor da newsletter política Popular Information, vai além: "A política do Facebook é permitir que os anúncios dos candidatos continuem a ser veiculados, mesmo que sejam considerados falsos pelos verificadores independentes. Esses anúncios falsos também podem ser veiculados durante a última semana", diz ele, jogando luz ao trecho da nova regra que diz que apenas novos anúncios serão bloqueados, mas outros que já estavam no ar, mesmo falsos, seguirão ativos.
Mas não há nenhuma grande surpresa nesse fato, já que, no ano passado, Zuckerberg disse, em reunião com investidores, que campanhas políticas entram na categoria de "liberdade de expressão" e que não cabia à rede social derrubá-las. No mesmo evento, o empresário afirmou que a expectativa era que a eleição americana trouxesse US$ 400 milhões aos cofres do Facebook, com a venda de anúncios.
Diante dessas "mudanças" recentes, o mercado reagiu com desconfiança e a rede social caiu pouco mais de 4% no final do pregão desta quinta-feira, 3 de setembro. Ao longo do dia, os papéis da empresa chegaram a despencar 6%.
Isso serve como lembrete da importância do uso das redes sociais em uma campanha política. Para Wadhwa, "a mídia social é a nova praça pública, e é vital para o discurso público na América. Muitas vezes, determina quais histórias são discutidas com mais destaque, molda o que nós pensamos e, para muitos, é fonte de notícias".
A equipe de Joe Biden, o candidato democrata, ainda não comentou nada sobre o assunto. Para chegar à Casa Branca, os candidatos precisam conquistar pelo menos 270 votos dos delegados do Colégio Eleitoral americano, uma vez que a democracia, nos Estados Unidos, não é direta. Segundo levantamento do Financial Times, Biden teria, até agora, o voto de 203 delegados e outros prováveis 66. Trump, por outro lado, tem o voto de 80 delegados e outros prováveis 39.
Como sempre, a escolha do próximo presidente dos Estados Unidos recai sobre os chamados "swing states", como são chamados os estados que ora apoiam candidatos republicanos, ora apoiam candidatos democratas. São eles: Colorado, Flórida, Iowa, Michigan, Minnesota, Nevada, Nova Hampshire, Carolina do Norte, Ohio, Pensilvânia, Virginia e Wisconsin
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