Na sexta-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o Ibovespa fechou as negociações em queda de 0,59%. Na contramão desse índice, as ações do Carrefour encerraram o pregão na B3 com ligeira alta de 0,49%, cotadas a R$ 20,39.

A valorização no papel da empresa, avaliada em R$ 40,4 bilhões, não chama atenção pelo fato de seguir na direção contrária do mercado. Mas, sim, por outra questão. A alta vem um dia depois de um grave acontecimento envolvendo o nome da rede varejista francesa.

Na noite da quinta-feira, 19 de novembro, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças de uma loja do Carrefour no bairro Passo D’Areia, na zona norte de Porto Alegre (RS).

O fato causou uma comoção em todo o País. Mas não encontrou eco no mercado de capitais. “É inexplicável. O mercado vem levantando a bandeira ESG e quando acontece algo dessa magnitude, reage dessa maneira”, afirma Fábio Alperowitch, cofundador da Fama Investimentos, sobre os princípios de Environmental, Social and Governance.

Alperowitch se diz “enojado” com a resposta dada pelos investidores na B3. E ressalta: “Isso só demonstra que todos gostam muito de falar do tema em relatórios e reuniões. Mas que, da porta para dentro, não têm efetivamente nada. É só discurso.”

Se entre os investidores, o dia correu como se nada tivesse acontecido, além dessa fronteira, o caso gerou forte indignação. Ainda mais pelo fato dele acrescentar um novo capítulo a uma série de graves acontecimentos relacionada ao grupo francês no País.

“O Carrefour pode ser bom em gerenciar produtos, gôndolas e fluxos de lojas. Mas não têm qualquer habilidade para gerir pessoas”, diz Fábio Mariano Borges, professor de sociologia do consumo da ESPM. “Está cada vez mais claro que eles têm problemas gravíssimos. É uma sequência de episódios.”

Essa sequência teve início há exatos dois anos, quando um segurança de uma unidade da rede em Osasco, na Grande São Paulo, agrediu um cachorro até a morte. Em 2019, um idoso foi expulso de uma loja em Anápolis (GO), depois de ter sido “confundido” com uma pessoa em situação de rua.

Já em meados de agosto desse ano, um profissional de uma empresa terceirizada teve um infarto e morreu dentro de um supermercado da varejista em Recife (PE). Os funcionários cobriram o corpo com caixas de papelão e guarda-sóis. E a loja seguiu operando normalmente.

“O que aconteceu ontem mostra que o Carrefour não tem aprendido com seus erros”, afirma Álvaro Almeida, diretor da consultoria GlobeScan no Brasil, sócio da Report Sustentabilidade e titular da coluna Além do Carbono, no NeoFeed. “E que há toda uma escala de governança de comando que não está preparada e que, claramente, falhou.”

Em nota na manhã desta sexta-feira, o Carrefour informou que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos. E que romperá o contrato com a empresa terceirizada responsável pela segurança da unidade, além de demitir o profissional responsável pela loja no momento do incidente.

“O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna”, afirmou a rede. “Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais.”

Para as fontes consultadas pelo NeoFeed, o posicionamento só reforça a postura equivocada da companhia. “É uma resposta meramente burocrática, gélida e protocolar. E o Carrefour se omite de qualquer responsabilidade”, observa Borges.

Na mesma linha, Almeida ressalta que, de acordo com os cada vez mais propagados princípios de ESG, o grupo não pode se colocar à parte de ações praticadas por prestadores de serviços terceirizados e demais elos de sua cadeia.

“Não adianta simplesmente desligar a empresa terceirizada, porque outros fornecedores virão”, afirma Almeida. “E quem garante que eles estarão dentro dos critérios desejados e aceitáveis? É inegável a responsabilidade do Carrefour.”

Durante o dia, a repercussão ganhou força nas redes sociais e fora delas com protestos que alcançaram, inclusive, lojas da rede francesa em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Juntamente com as manifestações veementes repudiando o caso de Porto Alegre, boa parte das publicações incentivava os boicotes à marca e relembrava o histórico problemático da varejista.

“As próprias redes sociais trazem essa memória. Hoje, tudo fica tudo eternizado e disponível no digital”, diz Borges. “Há um impacto enorme para a credibilidade e a imagem da marca junto aos consumidores”, afirma, acrescentando que o contexto exige respostas e iniciativas mais consistentes do Carrefour.

Com a avalanche de críticas, no fim da tarde, o Carrefour divulgou um novo comunicado, afirmando que irá destinar toda a receita de suas lojas nesta sexta-feira a projetos de combate ao racismo. “Essa quantia, obviamente, não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é um esforço para ajudar a evitar que isso se repita”, escreveu a rede varejista, na nota.

O Carrefour acrescentou que, no sábado, 21 de novembro, todas as suas unidades no País abrirão duas horas mais tarde, para que o grupo reforce o cumprimento das normas de atuação a seus funcionários e profissionais de empresas terceirizadas.

Entenda o caso

Os vídeos divulgados nas redes sociais sobre o caso trazem imagens fortes. Dois seguranças espancam João Alberto na saída do supermercado. Bem próxima dos agressores, uma funcionária filma tudo e ameaça chamar a polícia para deter o cliente, que teria discutido com uma caixa da unidade.

Em outra versão que circula pelas redes, uma funcionária do Carrefour tenta impedir a filmagem da cena. Uma nova sequência, gravada minutos depois, mostra o sangue espalhado no chão. Um grupo de paramédicos tenta reanimar João Alberto, que não resiste e morre no local.

De acordo com um primeiro laudo médico referente ao caso divulgado no fim da tarde, João Alberto pode ter sido morto por asfixia, depois de ser espancado e imobilizado pelo segurança Magno Braz Borges e pelo policial militar Giovane Gaspar Silva, que também trabalhava como segurança na loja.

Silva e Braz tiveram a prisão preventiva decretada por Cristiano Vilhalba Flores, juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo as autoridades locais, outros envolvidos estão sendo investigados por omissão de socorro.

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