No início de 2020, aconteceu a maior queda global de emissões de dióxido de carbono (CO2), um dos gases responsáveis pelo aquecimento global. A redução de 17% em relação a 2019 ocorreu em abril daquele ano, quando bilhões de pessoas entraram em lockdown devido à pandemia do coronavírus.
Mas se enganaram os que imaginaram uma restauração da natureza e a purificação completa do ar. Ainda em maio de 2020, a concentração de CO2 na atmosfera bateu o recorde de 417,1 partes por milhão. Tudo voltou ao estágio habitual – ou melhor, ao desequilíbrio natural.
O fato é que o CO2 persiste no ar, e por tempo indeterminado. As ameaças ao meio ambiente resultantes dessa presença teimosa se repetem, como temperaturas e precipitações extremas, mudança do regime e da disponibilidade das águas e aumento do nível do mar que pode provocar inundações incontroláveis.
Esse quadro só fez piorar com o avanço da civilização. Um retorno aos níveis pré-industriais de pureza do ar e dos recursos naturais nunca mais será possível. A única possibilidade de salvar o que resta do meio ambiente e da viabilidade da vida está na ação da ciência e da tecnologia.
Este é o argumento central da jornalista americana Elizabeth Kolbert no livro “Sob um Céu Branco: A Natureza no Futuro”, (Intrínseca, 224 páginas, R$ 49,90 na versão impressa e R$ 34,90 na digital), recém-lançado no Brasil.
Kolbert trabalha desde 1999 na cobertura de assuntos ecológicos na redação da revista The New Yorker. A jornalista ganhou o prêmio Pulitzer em Não Ficção em 2015 pelo livro “A Sexta Extinção” (2015), lançado no Brasil, em que já alertava para o Antropoceno, a era na qual ação do homem na destruição dos recursos naturais se anuncia irreversível.
“Sob um Céu Branco” retoma o alerta, sob uma perspectiva menos apocalíptica e mais propositiva. Trata-se de uma grande reportagem em que a autora conversou com dezenas de cientistas, empreendedores atmosféricos, microbiólogos, biólogos e engenheiros genéticos para compreender a situação atual da natureza.
“Não existe mais aquele planeta de perfeição idílica”, diz Kolbert. “A paisagem perfeita, com rios límpidos, animais e flora originárias deram lugar à natureza monitorada.”
Em outros termos, somente a tecnologia e a pesquisa científica podem salvar o homem do homem predador. Sem elas, a economia mundial corre o risco de involuir.
Estamos no limiar da natureza artificial? Segundo Kolbert, tudo indica que sim. As soluções que ela levantou, tanto em uma pesquisa histórica, como nos diálogos com cientistas, beiram a ficção científica. “São drásticas”, afirma. “Mas talvez sejam a única alternativa.”
A preocupação com a tomada de medidas diante da degradação remonta aos anos 1960, na época da Guerra Fria, quando americanos e soviéticos concorriam em avanços científicos e se preocupavam com as alterações atmosféricas e nos rios.
As emissões de carbono aumentavam e os blocos rivais se confrontavam sobre quem dominaria a engenharia climática. A ponto de um engenheiro, o soviético Petr Borisov, lançar uma advertência: “O que a espécie humana precisa é de uma guerra contra o frio, e não de uma guerra fria’’, disse. Hoje, curiosamente, a guerra parece ser contra o inimigo antípoda: o aquecimento global.
Na época, Borisov propôs um projeto mundial para derreter a calota polar ártica para construir uma barragem ao longo do Estreito de Behring. A medida seguinte seria bombear as águas geladas do Oceano Ártico para o Pacífico Norte. Esse encontro de trilhões de litros de água equilibraria a temperatura, produzindo invernos menos rigorosos.
O livro está repleto de projetos que parecem igualmente excêntricos, que se sucederam ao longo das décadas. Se a engenharia ambiental era a vedete dos anos 1960, a geoengenharia se tornou a disciplina que se apresenta como solução, segundo Kolbert.
A jornalista foi apresentada a métodos como instalar barreiras elétricas para peixes predadores, como as carpas no rio Mississippi, que praticamente se tornou um rio dominado por esse tipo de peixe importado da China há centenas de anos, em detrimento da flora e da fauna marinha. As barreiras eletrificadas seriam um começo para a despoluição de milhares de rios espalhados pelo mundo.
Uma segunda medida extrema é a extração de dióxido de carbono da atmosfera. Isso se afigura possível em situações pontuais, mas ainda é um desafio gigantesco para os cientistas, se quiserem atuar em grande escala, o que seria a única maneira de eliminar a causa principal dos problemas climáticos do planeta.
Como fazê-lo constituiu outra odisseia científica, pois seria necessário construir complexos de armazenamento de CO2. Como? Segundo a apuração de Kolbert, instalando depósitos subterrâneos de gases tóxicos.
“Locais de armazenamento subterrâneos adequados são raros, mas tampouco são comuns”, afirma Kolbert. “Ou seja, caso as fábricas de captação em larga escala sejam um dia construídas, terão de ficar em lugar com a geologia correta, ou será necessário despachar o CO2 para longas distâncias.”
Uma das técnicas em voga é o “intemperismo aprimorado”, que consiste em trazer rochas, como o basalto, para a superfície com o objetivo de encontrar nelas o CO2. Essas rochas poderiam ser trituradas e espalhadas em plantações agrícolas pelo mundo. Com isso, as pedras trituradas entrariam em reação química com o dióxido de carbono, sugando-o do ar.
Outra alternativa seria usar o minério olivina, material frequente em pedras vulcânicas, que poderia ser triturada e dissolvida nos oceanos. “Isso induziria os mares a absorver mais CO2 e, como benefício adicional, combateria a acidificação dos oceanos”, argumenta Kolbert.
A biologia também oferece o elixir da restauração. O princípio é que as plantas absorvem dióxido de carbono. Ao plantar novas florestas, elas absorverão carbono até que apodreçam e passem a devolver o CO2 ao ar. Isso se torna ínfimo, pois florestas se renovam naturalmente.
Pesquisadores suíços avaliam que a plantação de um trilhão de árvores poderia remover 200 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera nas próximas décadas. Plantações extensas de árvore em áreas degradadas restaurariam um pouco da natureza perdida.
A “administração de radiação solar” demonstra que os vulcões podem ajudar a resfriar o mundo e ensinar as pessoas a agir de forma semelhante ao lançamento de partículas reflexivas na estratosfera, como fazem o Etna e companhia.
Um dos projetos mais ambiciosos é conduzido pelo químico Frank Keutsch, que trabalha para o Programa de Pesquisa em Geoengenharia de Harvard, com financiamento de Bill Gates. As partículas refratariam os raios solares e, com a criação de nuvens sintéticas, as temperaturas devem baixar. “Achei a ideia totalmente louca e um bocado desconcertante”, disse Keutsch.
Seja qual for a solução salvadora, analisa Kolbert, a única maneira de implementá-la depende tanto da atuação proativa dos cientistas como a colaboração de decisões políticas. O resultado não será, admite, um retorno aos tempos pré-industriais, mas a criação de “um clima sem precedentes para um mundo sem precedentes”.