A compra de novas doses de vacinas e o aumento do ritmo de aplicação dos imunizantes têm deixado os economistas e os profissionais do mercado financeiro mais confiantes em relação à recuperação do PIB brasileiro. A luz no fim do túnel está mais próxima e as estimativas têm sido revisadas para números cada vez melhores.
Engana-se, porém, quem acha que basta a crise de saúde passar para que o Brasil tenha caminho livre para voltar a crescer. “O risco não é só a pandemia”, alerta, em entrevista ao NeoFeed, o economista Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central (BC) em duas oportunidades, a primeira entre 1992 e 1993, no governo de Itamar Franco (1930-2011), e a segunda, entre 1995 e 1997, já no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Loyola, que hoje é diretor-presidente da Tendências, uma das maiores consultorias econômicas do País, acredita que a economia brasileira, mesmo com o avanço da vacinação, pode encontrar três barreiras pela frente: um choque de oferta de energia, a falta de insumos para as cadeias produtivas e a inflação alta.
“Praticamente vamos apenas recuperar (na atividade econômica) o que perdemos no ano passado. Se houver algum ganho, será pequeno”, diz o economista, que estima expansão de 5% para o PIB em 2021, abaixo da média do mercado, de 5,2%, segundo o último boletim Focus.
Para a agenda de reformas, o ex-presidente do BC não se sente esperançoso, uma vez que as eleições estão se aproximando. “O Congresso está mais preocupado com medidas eleitoreiras”, afirma o economista, que também não vê com bons olhos a proposta de reforma tributária que está em pauta. “Não traz nenhuma melhora para as empresas ou para os investimentos.”
Em contato com investidores de outros países, ele afirma ainda que os estrangeiros andam preocupados com a política ambiental brasileira e com as perspectivas de uma eleição polarizada no Brasil, entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Seria lastimável”. Acompanhe a entrevista:
A vacinação tem avançado no Brasil, mas a nova variante da covid-19, a Delta, está se espalhando pelo mundo. Dá para se animar com a reabertura da economia ou ainda é cedo?
Evidentemente, a variante Delta traz algum tipo de incerteza e causa preocupação. Na Europa, temos visto alguns países, como Espanha, já adotando algumas restrições, voltando atrás em algumas aberturas, de alguma forma retrocedendo. Mas também observamos na Europa que essa variante tem atingido basicamente a população não vacinada, o que é um alerta para a necessidade de continuar acelerando a vacinação no Brasil. Na medida em que a vacinação vai progredindo, esses riscos vão diminuindo, mas não é algo que pode ser totalmente descartado para a economia nos próximos meses.
Hoje, qual é o cenário que você enxerga para a economia brasileira em 2021 e 2022?
A nossa projeção atual para o PIB em 2021 é de 5% e de 2,2% para 2022, considerando as incertezas que existem. Praticamente vamos recuperar o que perdemos no ano passado. Se tiver algum ganho, será pequeno. Não acho que haja espaço para crescimento muito maior do que isso, embora haja analistas vendo uma expansão maior.
Por que não vê esse espaço?
Porque o risco não é só a pandemia. Existem outras questões que devem ser levadas em consideração. O primeiro é o risco energético. Obviamente, a situação é bem melhor do que foi na última crise, em 2001, mas não podemos descartar que não haja uma restrição de oferta de energia. Em segundo lugar, temos o problema da falta de insumos em cadeias produtivas, como na indústria automobilística, não só no Brasil como no mundo todo, com a escassez de semicondutores. E o terceiro é a inflação, que está bastante alta. Isso não só obriga o Banco Central (BC) a subir os juros, como também atinge o poder de compra das famílias e atinge a atividade econômica.
Sobre o BC, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic em 0,75 ponto porcentual na última reunião, para 4,25% ao ano, e deve seguir subindo. A dosagem está correta?
A dosagem está correta. Claro que é sempre tentador ser engenheiro de obras feitas e dizer que o BC poderia ter subido os juros mais rapidamente para evitar que a inflação chegasse aonde chegou, mas acho que o BC tem várias razões para ser cauteloso dos dois lados. Ele não pode fazer uma política de juros muito agressiva porque as incertezas, embora já tenham sido piores, continuam grandes. O BC sinalizou que taxa de juros vai para um nível neutro, deixando inclusive a porta aberta para um aumento de 1 ponto porcentual na próxima reunião, mas o mais provável é que repita a dose de 0,75 ponto porcentual de alta e vá elevando até atingir o patamar neutro, que entendemos que está em torno de 6,5% ao ano.
Com essa trajetória para a Selic, podemos ficar tranquilos em relação ao futuro da inflação ou vamos ter de conviver com níveis maiores do que o dos últimos anos?
A inflação para este ano já está dado que será maior. Nossa projeção é de 6% ou um pouco acima, além do teto da meta do BC (de 5,25%). É um número muito mais alto do que vínhamos observando e está muito relacionado a choques de câmbio e de commodities. Para o ano que vem, com esse juro de 6,5%, achamos que a inflação volta para a meta, mas talvez não para o centro da meta (3,5%). A nossa projeção para 2022 é de 3,9%. A inflação deve declinar ao longo dos próximos meses, não só por causa da ação do BC, mas também porque esses efeitos mais fortes dos choques de oferta estarão já absorvidos e diluídos no índice de preços.
Quanto à agenda de reformas, você espera alguma coisa ainda no governo Bolsonaro?
A cada dia que passa fica menos provável que aconteça algo de positivo ou de relevante na agenda de reformas. O Congresso está mais preocupado com medidas eleitoreiras. O governo tem dificuldades para formar uma maioria estável. Conseguiu fazer uma maioria com o Centrão, mas o custo fiscal tem sido muito alto. Eu não acredito que haja reformas. Talvez passem algumas medidas, mas que estão longe de serem positivas para a economia. Esse projeto de reforma tributária, para o imposto de renda, se tiver algum efeito para a economia, será negativo. Não traz nenhuma melhora para as empresas ou para os investimentos. Tem uma preocupação muito fiscalista.
“Do jeito que está (Reforma Tributária), tem aumento da carga tributária sobre as empresas, aumento da complexidade do sistema tributário e talvez até aumento da insegurança jurídica das empresas”
Que efeitos negativos seriam esses para a economia?
É difícil dizer como a reforma chegará ao final no Congresso, mas, do jeito que está, tem aumento da carga tributária sobre as empresas, aumento da complexidade do sistema tributário e talvez até aumento da insegurança jurídica das empresas. A reforma está mal calibrada e atende basicamente uma série de desejos da própria Receita Federal, mas, em termos de crescimento, não é a reforma mais prioritária. Não digo que a proposta do governo não tenha alguns pontos de mérito, mas não é algo que vá fazer diferença para projeção de crescimento.
Você tem o mesmo sentimento em relação à agenda de privatizações?
Aí eu sou um pouco mais otimista. É uma agenda que progride de maneira lenta, com concessões e privatizações, mas é assim mesmo. Vemos boas perspectivas em vários segmentos, como o de saneamento básico, que tem um marco regulatório melhor. No gás, também. Tem algumas concessões já feitas e que estão sendo preparadas, tanto no governo federal como nos estados. Vimos o caso da Cedae (estatal de saneamento do Rio de Janeiro). Tem coisa andando. Para a Eletrobras, a lei aprovada no Congresso (Medida Provisória 1.301) tem uma série de defeitos e problemas, mas abre espaço para a privatização da empresa, com efeitos positivos no médio prazo.
No cenário pós-pandemia, você identifica alguns setores que devem se beneficiar mais?
Os que mais devem se beneficiar são aqueles que mais perderam atividade durante a pandemia. São aqueles que estão mais ligados à interação pessoal. Estamos falando dos segmentos de viagens aéreas, eventos, hotéis, restaurantes, por exemplo. Já outros resistiram melhor ou já se recuperaram, como a construção civil, que está num ritmo bom. A própria indústria, apesar da falta de insumos em alguns segmentos, recuperou o seu nível pré-pandemia.
O setor financeiro passa por uma grande transformação, especialmente em razão da agenda do BC. O que você espera para o open banking?
São inovações bem-vindas. A presença das fintechs trouxe inovações para o setor financeiro, aqui e em outros países, que vão sendo incorporadas e tendo efeitos positivos para a economia e os consumidores. Mas, quando se fala de crédito no Brasil, ainda temos outros problemas para resolver. Então, não se deve achar que o open banking e outras medidas, ou a presença das fintechs, sejam uma bala de prata para resolver tudo.
“Não se deve achar que o open banking e outras medidas, ou a presença das fintechs, sejam uma bala de prata para resolver tudo”
Tem conversado com investidores estrangeiros? Qual a visão deles sobre o Brasil?
A questão ambiental está no radar deles, sem dúvida. E também a questão política, com a radicalização, além de discursos e ações antidemocráticas. A possibilidade de termos uma eleição em 2022 polarizada, com Lula e Bolsonaro, está no radar. Eu vejo uma certa preocupação com o Brasil nessas questões. Por outro lado, os estrangeiros identificam várias oportunidades de investir no Brasil, apesar das incertezas. Claro que o nível de investimentos estrangeiros poderia ser mais alto, mas o Brasil é grande demais para ser ignorado por grandes investidores e multinacionais.
Para você, pessoalmente, a eleição de 2022 é algo que te tira o sono?
Não digo tirar o sono, mas seria lastimável para o Brasil se tivermos essa polarização. É uma escolha bastante complicada, do ponto de vista pessoal.
Em relação à economia lá fora, especialmente EUA e zona do euro, o que você tem observado? Os ventos são a favor?
Temos ventos a favor, com o Brasil batendo recordes de exportação, saldo da balança comercial, preço de commodities muito altos. Tudo isso favorece o Brasil. Mas há alguns riscos, como a inflação nos EUA. Um aperto monetário maior nos EUA tende a afetar a liquidez global, afeta ativos dos emergentes, e isso é um problema para o Brasil e para os emergentes, caso o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) aperte a política monetária de maneira antecipada e mais forte do que se espera. Até recentemente os mercados apostavam que um eventual aperto monetário ocorreria lá para 2023.
E agora?
Agora, com alguns indicadores recentes de inflação e demanda, já há quem aposte em um aperto antes disso, e com algumas críticas ao Fed, que estaria atrás da curva. Existe uma tese aceita por vários membros do Fed de que o processo inflacionário é temporário, relacionado a questões de oferta, e que eventualmente esse surto vai amainar. Não está muito claro, então, qual será o custo de ação do Fed. Eu acho que o Fed vai reagir aos dados que forem sendo divulgados ao longo dos próximos meses.
Se a tese estiver correta, o aperto, então, não seria tão forte?
Sim, e seria mais para frente. Mas o Fed já mostrou que a maioria dos membros do comitê de política monetária defende uma postura mais cautelosa, não só em relação à alta de juros, mas também à reversão das políticas de aquisição de ativos.
As bolsas americanas têm batido recordes. É sustentável?
É difícil ver claramente se o nível está certo ou não, se está cara ou não. Vai depender muito da sua visão sobre a questão dos juros e da inflação. Mas a Bolsa tem sido muito favorecida pela baixa taxa de juros, característica dos mercados globais há muito tempo, pelo excesso de liquidez e pela perspectiva de aumento de receita das empresas, a partir da recuperação econômica nos EUA, na Europa e globalmente.