O mercado brasileiro de tecnologia vive um momento singular. Antes incipiente, a relação de empresas listadas do setor teve um bom salto no último ano. Assim como os aportes em startups. Esse cenário positivo realça, porém, um velho desafio: o déficit de profissionais da área disponíveis no País.

Fundada em 2019, a Trybe nasceu justamente com a proposta de formar desenvolvedores e ajudar a reduzir essa lacuna. Depois de completar dois anos de operação em agosto, a edtech está recebendo um bom reforço para levar esse plano à frente.

A empresa anuncia nesta quarta-feira, 6 de outubro, a captação de um aporte série B de R$ 145 milhões (US$ 27 milhões), liderado pelo fundo americano Untitled e pelo brasileiro Base Partners, que já investia na startup e tem no currículo investimentos em unicórnios como Nubank e Wildlife.

XP, Verde Asset Management, Endeavor Scale Up Ventures e Hans Tung, sócio do GGV Capital, são os outros novos investidores da operação. A rodada, que avalia a Trybe em R$ 1,3 bilhão, tem ainda a participação de Luxor e Global Founders Capital, que já compunham o grupo de acionistas da empresa.

“Não precisávamos buscar uma nova rodada agora, pois ainda temos boa parte dos recursos dos dois aportes anteriores”, diz Matheus Goyas, cofundador e CEO da Trybe, ao NeoFeed. “Mas pela qualidade e o alinhamento dos investidores, enxergamos a oportunidade de antecipar alguns dos nossos planos.”

A partir da oferta de um curso de formação de desenvolvedores elaborado por sua equipe, com o auxílio de demandas identificadas junto a empresas parceiras, a Trybe havia captado, até então, US$ 21,4 milhões em dois aportes anteriores.

Nessas rodadas, além de Luxor e Global Founders Capital, investiram na empresa os fundos Canary, Maya Capital, Igah e Atlantico, e nomes como José Galló, presidente do board da Renner, o publicitário Nizan Guanes, e o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

Ampliar o leque de cursos será uma das prioridades do novo cheque. Desenvolvimento mobile, cibersegurança e data science são algumas das novidades em avaliação para integrar a grade da startup a partir de 2022.

“Até agora, tínhamos apenas um curso porque não queríamos dividir recursos e atenções para crescer a qualquer custo, em detrimento da qualidade”, afirma Goyas. “Mas agora, entendemos que já é o momento de lançar outras formações e nos tornarmos, de fato, uma escola.”

Na esteira desse processo, a Trybe planeja reforçar seu quadro atual de cerca de 400 funcionários com 300 profissionais até o fim de 2022.

Outro foco do aporte de R$ 145 milhões serão os investimentos na evolução da tecnologia proprietária da startup. Isso inclui, por exemplo, sistemas de avaliação e recursos que identificam quais são as principais dificuldades de aprendizado do aluno e indicam a melhor forma de preencher essas lacunas.

Financiamentos e conta digital

Um terceiro destino da captação é o braço de fintech da Trybe, cujo ponto de partida veio com o sinal verde dado pelo Banco Central, em maio, para que a startup atuasse como uma Sociedade de Crédito Direto. Dois meses antes, a empresa captou um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) de R$ 50 milhões.

Nos próximos 18 meses, o plano da edtech é oferecer novas modalidades de financiamento para os seus cursos. Outro projeto já em andamento e previsto para ser lançado no curto prazo é uma conta digital.

“Hoje, já temos uma relação financeira com nossos alunos que pode durar até 6 anos. Nós conhecemos suas formações e acompanhamos suas trajetórias profissionais”, diz Goyas. “No longo prazo, nossos produtos financeiros podem estar com essas pessoas no decorrer de suas vidas.”

A relação duradoura que a Trybe já mantém com seus alunos e que pode inspirar o desenvolvimento de outros produtos financeiros tem origem em um dos modelos de pagamento de seus cursos, batizado de “sucesso compartilhado” e adotado por 82% dos alunos.

Nesse formato, o aluno só paga quando está empregado e tem uma renda mensal a partir de R$ 3 mil. A parcela é limitada a 17% desses vencimentos e o estudante tem cinco anos após a formatura para quitar o pagamento, que totaliza R$ 36 mil.

Hoje, 94% dos alunos da Trybe conseguem um emprego em até 30 dias depois da formatura. Além da demanda por esse tipo de profissional, essa taxa elevada se explica pela rede de empresas que mantém parceria com a edtech, que inclui nomes como XP, Localiza, Méliuz, Ford e Ci&T.

Os planos da empresa incluem ainda dar mais fôlego à internacionalização da Jungle Devs, desenvolvedora de softwares comprada em junho deste ano. Com um quadro de cem funcionários, a empresa já atende clientes nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália.

Perto de concluir a sua sétima turma e de alcançar a marca de 400 profissionais formados desde o seu lançamento, a Trybe tem hoje 2,2 mil alunos em seu curso. A projeção é encerrar 2021 com até 3 mil estudantes.

Outro número dá a medida da oportunidade à frente da Trybe. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o mercado brasileiro vai demandar, 70 mil profissionais de tecnologia por ano até 2024.

Em contrapartida, o País forma apenas 46 mil pessoas na área a cada ano. Nesse contexto, a Brasscom estima que o Brasil terá um déficit de 270 mil profissionais no segmento no prazo de três anos.

“Já havia uma grande demanda por esse tipo de profissional e ela ficou muito mais intensa com a pandemia e o que vem pela frente.”, afirma Rodolfo Fücher, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). Ele acrescenta:

“E não é só o setor que está sendo impactado. Hoje, com a digitalização, é difícil citar um segmento que não dependa de tecnologia”, afirma. “No fim do dia, todo o País está perdendo competitividade. E, nesse cenário, essas edtechs vão cumprir um papel extremamente estratégico.”

De olho nesse contexto, outras startups e iniciativas estão fazendo companhia para a Trybe nessa jornada. Entre elas, a Alura, do empresário Paulo Silveira, e a Inteli, universidade criada pelos sócios do BTG Pactual e que entrará em operação em 2022, com cursos como engenharia da computação, engenharia de software, ciência da computação e sistemas de informação.