O problema é crônico no mundo inteiro, mas, no Brasil, é alarmante. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, o País terá um déficit de profissionais de tecnologia que pode chegar a 260 mil até 2024.

Foi de olho nesse gap que a Trybe, uma escola de formação de desenvolvedores, nasceu em agosto de 2019. E surgiu com bons cartões de visita. Investimentos seed e série A que somavam US$ 15,4 milhões até o fim do ano passado. Esse era o montante captado até então revelado. Mas tem mais aí.

Matheus Goyas, cofundador e CEO da Trybe, contou com exclusividade ao NeoFeed que, em janeiro deste ano, a companhia recebeu uma extensão da rodada série A no valor de US$ 6 milhões, liderada pelo Base Partners, o mesmo que investiu em Nubank e Wildlife. E, com esse dinheiro, está indo às compras.

A Trybe Holding, companhia que controla a edtech Trybe e a fintech Trybe SCD, acaba de adquirir 100% da desenvolvedora de softwares Jungle Devs, de Santa Catarina. Parte do pagamento será feita em dinheiro e a outra parte em ações do grupo. O valor do negócio não é revelado.

“As conversas vinham desde o ano passado, mas na época não fizemos a aquisição para não expor a Trybe a um investimento que seria maior do que ela suportava”, diz Goyas ao NeoFeed. O empresário, de 30 anos, soube esperar a hora certa para concretizar o negócio.

A Jungle Devs trabalha majoritariamente com clientes internacionais – 75% de seus projetos são feitos para empresas de fora do Brasil. E tem um modelo que chamou a atenção da Trybe porque mescla essa experiência com clientes estrangeiros com uma dinâmica educacional.

Os funcionários ocupam 75% de seu tempo em projetos específicos de clientes e os outros 25% são direcionados a um programa de formação de quatro anos. Aprendem desde inglês a questões técnicas, com mentoria com os funcionários mais experientes. “É uma empresa escola”, diz Goyas.

Além de absorver parte do conhecimento da companhia com uma perspectiva global, a Trybe também indicará alunos formados para a empresa. “É a mesma lógica de uma residência médica de um hospital”, diz Goyas. Aliás, esse é um dos maiores gargalos da Jungle Devs. “É ter acesso a um pool de pessoas preparadas”, diz Antonio Duarte, cofundador e CEO da Jungle Devs, ao NeoFeed.

A Trybe também deverá alavancar os negócios da Jungle Devs, uma empresa fundada em 2018, hoje com pouco mais de 80 funcionários. “A Trybe vai trazer o relacionamento com investidores e isso é estratégico para a gente”, afirma Duarte.

São, de fato, investidores de referência. Quando buscaram o seed money de US$ 3,7 milhões, Goyas e seus sócios conseguiram atrair fundos como Canary, Maya Capital e e.bricks e Joá (que se uniram e viraram Igah) e o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

Na primeira rodada série A, em janeiro de 2020, quando a Trybe captou US$ 11,7 milhões, entraram fundos como Atlântico, Global Founders Capital, Norte Ventures, e investidores como José Galló e Nizan Guanaes.

O interesse é óbvio. “A Trybe está formando profissionais para a maior demanda do mercado. E o aluno paga depois, quando tiver renda”, diz Guanaes, da N Ideias, ao NeoFeed. E prossegue. “É uma empresa que cumpre papel social e ganha dinheiro.” Trata-se, na opinião de Guanaes, de uma companhia que atua dentro dos preceitos do shared value, o que é fundamental para o sucesso nos novos tempos.

Ela vem para resolver um gap no mercado. Não há um único empresário ou executivo brasileiro que não reclame da falta de profissionais de tecnologia no mercado. Contratar virou quase que um jogo de rouba-monte, dada a escassez de profissionais preparados.

Em recente entrevista ao NeoFeed, Rodrigo Dantas, que vendeu sua startup Vindi para a Locaweb por R$180 milhões, disse que o PIB do Brasil pode parar de crescer caso não forme mais profissionais. Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, também relatou ao NeoFeed o problema da falta de mão de obra nessa área e disse que tem apostado na formação “dentro de casa”.

Além da Trybe, outras empresas têm entrado com força nesse segmento. É o caso da Alura, do empresário Paulo Silveira, que atua na educação voltada para competências tecnológicas; e da Inteli, uma universidade bancada pelos sócios do BTG Pactual, que terá cursos como engenharia da computação, engenharia de software, ciência da computação e sistemas de informação.

Diante da aceleração digital e da necessidade de mais profissionais no mercado, nem mesmo todas juntas conseguem suprir a demanda. Até hoje, a Trybe já formou cerca de 200 profissionais. As primeiras turmas começaram em setembro de 2019 e cada curso dura 12 meses.

Goyas afirma que, do total dos alunos, 96% arrumaram emprego em até 90 dias após a formatura. Empresas como Ambev, Arco Educação, Itaú, Localiza e Méliuz estão entre as que absorveram profissionais saídos do curso da Trybe, que são 100% online e ao vivo.

Toda a grade curricular é montada pelo time da startup, que conta com 235 pessoas. Por enquanto, o único produto é o curso de desenvolvimento de software web. Em 2022, entretanto, a startup planeja ter cursos de desenvolvimento mobile, data science, entre outros voltados para a tecnologia.

A meta da Trybe é ter 3 mil pessoas estudando até o fim de 2021 e, em 2022, dobrar para 6 mil alunos. O preço do curso varia de acordo com o modo de pagamento. À vista, sai por R$ 18 mil. O parcelado, em dez vezes, custa R$ 20 mil. Já o modelo de sucesso compartilhado, pago somente quando o aluno tiver uma renda mensal a partir de R$ 3 mil, é vendido por R$ 36 mil. “Nesse caso, o aluno paga 17% de sua renda por mês”, diz Goyas.

Oitenta e cinco por cento dos alunos que se matriculam optam pelo modelo de sucesso compartilhado. E, como tem emprego sobrando para quem sai do curso, ao que parece, o risco de inadimplência tem sido baixo. Tanto que a Trybe aumentou sua aposta recentemente e, em abril, levantou um FDIC de R$ 50 milhões para bancar essa empreitada.

A vida dentro de uma escola

A história de vida de Goyas, mineiro de Belo Horizonte, se mistura com o setor de educação. Sua mãe, uma professora de português e espanhol, chamada Tânia, dava aula em vários colégios para sustentar a família. De manhã, ela deixava o filho na escola, buscava no horário do almoço e o levava para o colégio onde daria aula a tarde e, em seguida, para onde lecionaria à noite.

“Dos 3 anos aos 14 anos, eu vivia o dia inteiro dentro de escola”, diz Goyas. “Ficava na cantina, na sala dos professores, na secretaria. Vivi a educação a minha vida toda.” Aos 14 anos de idade, ganhou bolsa para estudar no colégio Santo Antônio, um dos mais tradicionais da capital mineira. “Em 2004, quando estava na sétima série, queria fazer as mesmas coisas que os meus amigos nos finais de semana, mas não tinha dinheiro”, diz Goyas.

A saída foi começar a dar aulas particulares de matemática. E ali, naquele ambiente, acabou fazendo amizade com as pessoas se transformariam em seus sócios. Em 2008, ainda na escola, criou ao lado do amigo Rafael Luiz uma escola de tutoria chamada Tire Dúvida.

O negócio foi tocado até 2012, mas os sócios perceberam que era um negócio restrito. “Não tinha o impacto que queríamos”, diz Goyas. Por conta disso, montaram a edtech App Prova para ajudar em testes do Enem. Os alunos faziam testes em um aplicativo e a empresa entregava um relatório com o diagnóstico das matérias que deveriam ser estudadas.

Em 2013, a companhia ganhou o prêmio Startup Brasil; em 2014, foi acelerada pela Fundação Lemann; em 2015, recebeu Série A da Igah; em 2017, o Google investiu na empresa; e, em seguida, a Somos Educação comprou a startup que tinha 5 milhões de usuários e mais de 1 mil instituições de ensino como clientes.

Em 2018, quando a Kroton comprou a Somos, o processo de saída de Goyas e seus sócios foi acelerado por conta de uma cláusula no contrato que estipulava o adiantamento do earn-out em caso de mudança de controle na Somos. No início de 2019, todos estavam prontos para empreender novamente. Dos 74 funcionários da App Prova, 60 acabaram indo para a Trybe.

“É a máfia do pão de queijo”, brinca Goyas. Mas, antes de montar a startup, os sócios viajaram o mundo para mapear o mercado e ver qual problema focariam em resolver. “Eu fui para a para a China, a África do Sul, vários países da Europa, os Estados Unidos e para vários da América Latina. O Rafael foi para o Japão, Coreia do Sul, Austrália.” Cada um foi buscar o que existia de problemas e soluções. Daí veio o problema da empregabilidade. A senha para a criação da Trybe.

O negócio foi estruturado sobre alguns pilares. O primeiro é o da inteligência. No Brasil, as pessoas estudam a mesma coisa que estudavam na década de 1950. Era preciso, portanto, um currículo que conversasse com as demandas dos novos tempos, principalmente das empresas. O segundo era a dedicação exclusiva dos professores. E, por último, um rigoroso processo seletivo.

O processo seletivo tem três etapas. Na primeira, um desafio técnico para o qual a startup dá o “pré-vestibular” de graça para as pessoas. A segunda etapa envolve uma prova de raciocínio lógico e, no final, uma entrevista na qual as habilidades socioemocionais são avaliadas.

Quem acha que é só chegar, responder umas perguntas e pagar a conta, se engana. Desde a sua fundação, das 120 mil pessoas já se aplicaram para estudar na instituição, apenas 2 mil pessoas foram aprovadas.