Não há dúvidas de que as discussões sobre a participação e o aumento da presença de mulheres no mercado corporativo ganharam força nos últimos anos. Embora ainda existam empresas que abordem este tema de maneira superficial, grande parte delas já compreende que incluir, capacitar e dar oportunidade de crescimento de carreira para mulheres e outros grupos minorizados traz ganho de valor para a empresa, internamente e perante o mercado.
Afinal, 88% das organizações brasileiras preferem fazer negócios com as que tenham a diversidade como um pilar essencial e estratégico, segundo a pesquisa “O Cenário de Vendas no Brasil”, promovida pelo LinkedIn em 2021.
No segmento de tecnologia isso também vem acontecendo, mesmo que a passos lentos. Há 25 anos, quando eu iniciei minha carreira na empresa onde ainda estou, quase não havia exemplos femininos de liderança no setor. Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), as mulheres representam somente 37% de todos os profissionais de tecnologia no Brasil.
No entanto, se o compromisso assumido pelos países-membros do G20 se concretizar, diminuiremos a desigualdade de gênero em 25% no Brasil até 2025, e ainda, como benefício, o nosso país pode expandir sua economia em até R$ 382 bilhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Eu cresci liderando na mesa com representatividade 100% masculina na grande maioria das vezes, e neste lugar, não abri mão do meu sonho de crescimento. Saindo muito da minha zona de conforto, buscando meus próprios desafios e ainda solicitando apoio fiz grandes movimentos de carreira que me trouxeram onde cheguei.
Para mulheres que, como eu, não têm no âmbito familiar exemplos de pessoas com carreiras na área tecnológica ou que trabalham em grandes redes corporativas – meu pai foi açougueiro e minha mãe boleira – não encontrar representatividade nas empresas torna ainda mais difícil a construção de uma carreira na liderança. A crescente abertura do mercado para a participação da mulher no grupo de tomada de decisão nas organizações pode, de fato, mudar esse cenário daqui a alguns anos.
Para falarmos da presença de todas nós, mulheres, também precisamos voltar alguns passos e abordar o papel das pessoas negras no setor de tecnologia – e em todos os outros. Como mulher negra, entendo que passamos por dificuldades ainda maiores, quando se trata de empregabilidade e reconhecimento. O mercado, apesar de caminhar para uma maior diversidade, ainda tropeça em grandes obstáculos para ser totalmente inclusivo.
Segundo pesquisa do Instituto Ethos, os negros representam 55,9% da população brasileira, mas ocupam apenas 4,7% dos cargos de liderança nas 500 maiores empresas do país. Quando falamos de mulheres negras, elas representam 9,3% dos quadros destas companhias e estão presentes apenas em 0,4% dos cargos de alta liderança.
Em tecnologia, o cenário também é estreito, de acordo com o levantamento realizado pelo PretaLab, as mulheres negras ainda são minoria nas empresas de tecnologia do Brasil e ocupam apenas 11% dos cargos no setor.
Quando trazemos o recorte da mulher mãe, este cenário se torna ainda mais desafiador. Atualmente, já temos dados que demonstram que há uma grande desaceleração da carreira feminina quando a mulher decide ser mãe e o mesmo não ocorre com os homens quando escolhem ser pais.
No Reino Unido, Estados Unidos e até em outros países progressistas, pesquisas do International Social Survey Program (ISSP) apontam que apenas uma pequena parte da população, menos de 20%, acredita que mães com filhos pequenos devem trabalhar em tempo integral.
No entanto, se olharmos para os homens, nos Estados Unidos, 70% das pessoas acreditam que os novos pais devem trabalhar o dia todo. Isso resulta em uma disparidade salarial e de oportunidades. Nessa direção, a equidade salarial não será possível de ser concretizada enquanto uma mudança cultural nos alicerces da nossa sociedade não acontecer. Precisamos olhar para homens e mulheres como cuidadores e provedores.
Estamos vivenciando uma melhoria, mas é imprescindível, para uma mudança de fato da realidade, que as empresas coloquem em prática ações que promovam diversidade, mas, sobretudo equidade e inclusão.
Além de abrir oportunidades em contratações, é importante que se mobilizem para cada vez mais oferecerem salários igualitários e as mesmas condições de desenvolvimento de carreira para as mulheres em todos os seus recortes, considerando também questões estruturais que envolvem a maternidade e a paternidade.
Equidade: uma nova missão do mundo corporativo
Tive o grande privilégio de evoluir e crescer minha carreira na mesma empresa por mais de duas décadas. Em 1996, iniciei como a 5ª colaboradora, desenvolvedora de software, integrando um pequeno time – que viria a se expandir absurdamente anos depois. Sempre encontrei um ambiente amistoso, de apoio e parceria, mas, trabalhando numa empresa de consultoria, a necessidade de se provar se repete a cada novo relacionamento a ser construído.
Posso afirmar que um conhecimento mais cedo das questões sociais e de gênero teria aliviado bastante a minha jornada de liderança feminina em ambientes predominantemente masculinos, ao menos me fazendo compreender que não era sobre mim, e sim sobre mulheres. Com mais clareza das questões de diversidade e inclusão hoje, busco trazer para minha missão ser uma representatividade de liderança em tecnologia, principalmente para mulheres negras.
Estando aqui, consigo mostrar que é possível, e estimular as mulheres a seguirem, a não desistirem. Mas, isto não é suficiente na transformação que precisamos para a grande virada. Para tornar a equidade de gênero de fato possível, necessitamos ainda de ações concretas das empresas.
Desta forma, além de exercitar a representatividade, trago para minha missão estimular as organizações a colocarem na sua pauta estratégica ações intencionais e efetivas que promovam de fato oportunidades para que possam desenvolver suas carreiras e ambições.
É necessário tirar do papel as ações que fomentem a participação de mulheres no mercado e esta atitude precisa partir dos cargos de liderança, dos conselhos administrativos e de toda equipe ou área que faça parte de uma organização, independentemente do seu setor.
* Solange Sobral é vice-presidente partner de operações da CI&T em Londres