No Brasil, e quase no mundo inteiro, o desafio da educação de crianças e jovens nunca foi totalmente delegado ao Estado. Mesmo em países mais desenvolvidos, onde a educação básica pública é altamente reconhecida, a sociedade civil acompanha de perto, fiscaliza e participa do processo educacional.

Aqui no Brasil, o setor privado, com ou sem fins lucrativos tem, e sempre terá, um papel decisivo na construção de nossa sociedade. Não se trata de uma discussão ideológica, mas sim prática, uma vez que sucessivos governos vêm fracassando em promover acesso, equidade e qualidade de forma sustentada. Não à toa, o acesso à educação privada está sempre no topo da lista de desejo de muitas famílias de todos os níveis econômicos em pesquisas de opinião.

Com a proximidade de mais um ciclo eleitoral, cabe uma reflexão sobre onde estamos e os desafios à frente. Evoluímos muito em universalizar o acesso à educação básica ao longo das últimas décadas, mas este avanço não foi acompanhado por critérios de qualidade.

O desempenho comparado entre alunos da rede pública e privada escancara um grave problema social, que retroalimenta uma sociedade desigual. Durante a pandemia, essas diferenças foram potencializadas, uma vez que muitas escolas públicas não conseguiram reagir, e milhões de alunos ficaram por muitos meses fora da escola. Isto não aconteceu na mesma dimensão na rede privada, ampliando o abismo social.

Entre as pautas urgentes para o próximo governo está a proposição de estratégias emergenciais para recuperar as já evidenciadas defasagens de aprendizagem pós-pandemia, em especial na rede pública.

Como se não bastassem os desafios já mapeados, vivemos em um mundo em rápida transformação. Setores inteiros da economia vêm sendo desafiados pela evolução tecnológica. Carreiras historicamente seguras estão em risco de extinção.

Tudo isso vem forçando profissionais e especialistas em educação a questionarem a organização tradicional das instituições de ensino, seus projetos acadêmico-pedagógicos, o modelo de aulas, os sistemas de avaliação, o papel do professor, etc. Os desafios são gigantes.

Infelizmente não existe uma bala de prata, uma vez que são todos temas muito complexos. Desta forma, o desafio do próximo governo está em desenvolver um conjunto de iniciativas articuladas para irmos conquistando territórios de forma sustentada. Olhando especificamente para o setor privado, o governo deveria adotar uma postura associativa, despida de polarizações ideológicas ou partidárias, com foco no desenvolvimento e aprendizagem das crianças e jovens.

O setor de educação básica privada no Brasil ainda é extremamente pulverizado. Somos cerca de 40 mil escolas, atendendo pouco mais de 8 milhões de alunos. Para a imensa maioria das escolas privadas falta escala, recursos financeiros e capital humano para conciliar a gestão cotidiana com a necessidade de se reinventar para fazer frente a todos esses desafios.

Já há um processo de consolidação do setor educacional visivelmente em curso, e a junção de escolas, antes independentes, em grupos educacionais não precisa necessariamente nos levar para um caminho de empobrecimento e pasteurização da sala de aula. Pelo contrário, pode criar as condições necessárias para que escolas autorais e não dependentes de sistemas padronizados de ensino, não só sobrevivam a todas essas mudanças, mas também para que liderem o necessário processo de mudanças dentro da própria escola. E o acesso a essa escola renovada não deveria ficar restrito às famílias que podem pagar mensalidades.

Sob a ótica do governo, há a oportunidade de usar a capacidade instalada, os investimentos e o espírito empreendedor do setor privado. Além de aderir a caminhos já trilhados por outros países, como o sistema de vouchers ou as charters schools, poderíamos replicar no Ensino Básico modelos bem sucedidos daqui mesmo, como o Prouni.

Criado há mais de uma década, chegou a beneficiar mais de 1 milhão de alunos por ano com bolsas integrais e parciais em Instituições de Ensino Superior privadas dando em contrapartida isenção de impostos e contribuições federais. Os estudantes beneficiados precisam comprovar um teto de renda e apresentar bom rendimento acadêmico.

Cabe ressaltar que o custo por aluno Prouni representa hoje uma pequena fração do que custa para o Estado e, portanto, para a sociedade, um aluno em uma Universidade Pública.

Junto com o sistema de cotas, o Prouni tem contribuído para aumentar sustentadamente o acesso a um diploma universitário e, consequentemente, a melhores oportunidades de carreira e renda, para muitas famílias que até então nem sonhavam com essa possibilidade.

Ampliar o atual programa para instituições de ensino básico abriria os portões de algumas das melhores escolas privadas do País para famílias provenientes de diferentes espectros étnicos, econômicos e sociais. Isso traria ainda um segundo benefício, aumentar a diversidade nessas escolas, rompendo as atuais bolhas sociais em que vivemos.

Uma medida como essa poderia beneficiar cerca de 1 milhão de estudantes do ensino básico a um custo relativamente baixo para o governo. Isso claramente não resolverá todos os problemas de qualidade para os cerca de 38 milhões de estudantes que dependem da rede pública, como disse não existem balas de prata, mas seria mais um passo na direção certa.

A pauta de educação para o próximo governo é extensa e não pretendo aqui esgotá-la, mas sim contribuir para ampliarmos a busca por soluções. Tenho convicção de que o setor privado, motivado pelo natural espírito de sobrevivência, irá reagir mais rápido do que o setor público para buscar caminhos e respostas a alguns dos complexos desafios educacionais.

Como educadores, não podemos olhar exclusivamente para nossas próprias escolas. Temos o dever de espalhar o conhecimento desenvolvido ou acumulado entre nossos muros para a sociedade como um todo ampliando assim o papel social da Escola, privada ou pública, com ou sem fins lucrativos.

*Gabriel Ralston Corrêa Ribeiro é formado em administração de empresas pela FGV-SP. Faz parte do grupo de sócios originais e membro do conselho de administração da Anima Educação. Membro do conselho da Associação Educacional Escola Castanheiras. É hoje o CEO e acionista da Bahema Educação