Ao senso comum, um título de nobreza separa os que mandam dos que trabalham. Talvez, a vida do Marquês de Salamanca seja a exceção que destoa da regra. Nascido Olavo Egydio Monteiro de Carvalho, carioca de Santa Teresa, o Marquês de Salamanca herdou a fidalguia do avô espanhol, mas só deixou o batente quando a saúde começou a ratear. Na última sexta-feira, um acidente vascular cerebral (AVC) levou o Marquês aos 80 anos.
O título de nobreza, poucos conheciam. Já os feitos do empresário Olavo Monteiro de Carvalho sempre tiveram destaque no mundo dos negócios. Presidiu o secular e gigante Grupo Monteiro Aranha, dirigiu a Associação Comercial do Rio de Janeiro e, antenado com os novos tempos, investiu em projetos sustentáveis.
Também foi um dos líderes do time que trouxe as Olimpíadas de 2016 para a Cidade Maravilhosa e que colocou o Cristo Redentor na lista de Sete Maravilhas do Mundo Moderno.
Nascido em 1942, Olavo era filho de Alberto Monteiro de Carvalho e da nobre espanhola Maria de Lourdes de Salamanca y Caro. Quando o pai morreu, em 1947, a mãe voltou para a Europa e ele foi adotado pelos avós. O avô, também Alberto, fundara, em 1913, o Grupo Monteiro Aranha, em parceria com Olavo Egídio de Souza Aranha. A história do conglomerado merece destaque. Começou com uma singela fábrica de vidros que, em duas décadas, após conquistar clientes como Brahma e Antártica.
Enquanto os números se multiplicavam, o pequeno Olavo seguia a vida normal de garoto da elite carioca. Estudou no tradicionalíssimo Colégio Santo Inácio e partiu para a Alemanha, onde viria a se formar em Engenharia Mecânica na Techniscle Hoschule, em Munique. Um de seus primeiros trabalhos foi como auxiliar na fábrica da Volkswagen, o que incluía trabalhar do nascer ao pôr do sol, além de dormir no alojamento dos operários. Também estagiou no J. Henry Schroder Bank, em Londres e Nova York.
A essa altura, o Grupo Monteiro Aranha já festejava o sucesso de um negócio ousadíssimo, iniciado nos primeiros anos da década de 1950: produzir automóveis no Brasil. O primeiro carro da Volkswagen do Brasil deixou o pátio da fábrica em 1957. O jovem Olavo, que acumulava experiência no exterior como preparação para assumir um posto no conglomerado familiar, fazia fama pelo mundo como bon vivant. Um puxão de orelhas do avô o trouxe de volta ao Rio, onde se casaria pela primeira vez – ainda teria outras duas esposas, que lhe deram quatro filhas e oito netos.
Assim, em 1978, torna-se diretor do Grupo Monteiro Aranha, cuja presidência ocuparia até 1996. Mal teve tempo de esquentar a cadeira quando comandou um dos maiores negócios de uma empresa particular no Brasil: a venda, para o governo do Kuwait, da participação acionária da Monteiro Aranha na Volkswagen do Brasil. No fim das contas, o negócio rendeu US$ 115 milhões.
Os valores, milionários para os anos 1980, catapultaram os negócios do grupo. A Monteiro Aranha já possuía investimentos em diversos setores e pôde crescer em segmentos como telecomunicações, saneamento, finanças e petroquímica. Hoje, a lista de principais ativos do conglomerado inclui participações na Klabin, companhia de celulose que ajudou a fundar; e no Grupo Ultra, de distribuição de combustíveis e gás.
Cabe lembrar que a jornada vitoriosa também incluiu lances dramáticos. Um deles, como relatava o próprio Olavo, aconteceu na compra do Banco Boavista, em 1997, negócio, que envolvia ainda o Banco Inter-Atlântico e o Crédit Agricole. O Boavista, de outra família tradicional carioca, os Guinle de Paula Machado, enfrentava dificuldades e foi vendido pelo preço simbólico de R$ 1.
Os problemas, porém, eram muitos maiores e o Grupo Monteiro Aranha chegou a comprometer um terço de seu patrimônio até repassar o Boavista para o Bradesco. “Perdi muitas noites de sono, um pesadelo que não quero lembrar, o buraco era muito maior do que tínhamos estimado”, disse ele ao Valor, em 2010.
Ao deixar a presidência do Monteiro Aranha, Olavo assumiu a presidência do Conselho de Administração. Também integrava os conselhos de administração da Klabin e do Grupo Ultra. Mesmo afastado do dia a dia da empresa, não abria mão da rotina de workaholic assumido: acordava às 5h30m e, às 8h, já estava por dentro de todas as notícias dos jornais.
Além das obrigações no grupo, Olavo tinha mil e uma outras atividades. No fim dos anos 1980, fundou o Instituto de Estudo para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), entidade na qual reunia representantes de grandes empresas com o objetivo de discutir estratégias para o crescimento do país. Em 1997, criou o Instituto Marquês de Salamanca (IMDS), que trabalha com comunidades do bairro de Santa Teresa (RJ), e da cidade de Três Rios, em projetos de educação e cidadania.
Alguns anos depois, ao comentar para o Globo as ações do IMDS, não disfarçou o orgulho: "Preparamos os filhos das comunidades tão bem quanto as nossas crianças. Eles recebem uma educação de qualidade, que inclui cultura, arte e línguas estrangeiras".
Por falar em Santa Teresa, o charmoso bairro com ladeiras que muitos comparam ao Montmartre parisiense, foi uma das paixões de Olavo. Ali, nasceu e se criou, descortinando uma das mais belas vistas da cidade. Por pressão das filhas, chegou a passar três meses no Arpoador, em um apartamento à beira-mar. Detestou. Voltou correndo para seus pássaros e plantas.
Acima de tudo, Olavo era um ardoroso defensor do Rio de Janeiro. Em 2005, elegeu-se para a presidência da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), conquistando um novo mandato em 2007. De olho na formalização dos micro e pequenos empreendedores, implementou o Fórum do Rio e atuou em favor da Lei do Simples Nacional.
Na ACRJ, teve participação ativa na campanha que elevou o Cristo Redentor ao ranking de uma das sete maravilhas do mundo moderno. Integrou ainda o Conselho Executivo Rio 2016, que trabalhou pela eleição da cidade como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
"Você podia sentar e conversar duas, três horas seguidas com ele, que seria uma conversa inteligente, articulada e divertida. Era um embaixador do Brasil à sua maneira, trazendo pessoas de fora para conhecer o país", lembrou o hoje presidente da ACRJ, José Antônio Nascimento Brito.
Paralelamente, tocava seus próprios empreendimentos. Entre elas, a empresa EcoAqua Soluções, de saneamento industrial; a Bioexton, de tratamento de resíduos orgânicos; e a Geociclo, de soluções ambientais. Na Fazenda Santarém, em Três Rios, criava gado nelore e cavalos da raça mangalarga marchador.
Ainda encontrava tempo para ajudar o Vasco da Gama, clube do qual era sócio desde os três meses de idade; e para escrever. Em parceria com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, publicou o livro "A casa do empresário – Trajetória da Associação Comercial do Rio de Janeiro", em 2009.
Festeiro, anfitrião exemplar e figurinha carimbada nas colunas sociais do Rio de Janeiro, nos tempos em que a cidade fervilhava e criava moda para o país todo, Olavo também ficou conhecido como uma espécie de padrinho torto de um dos casos mais rumorosos envolvendo celebridades nos anos 1990: foi na badalada casa de Santa Teresa que a modelo Luciana Gimenez conheceu o roqueiro Mick Jagger, em 1998.
Como disse a sobrinha Eva Monteiro de Carvalho, em entrevista ao Globo, Olavo era "uma pessoa extraordinária, com um coração enorme e cheio de bondade. Sempre nos acolhia com palavras de carinho e incentivo. Era um grande entusiasta, gostava de saber de tudo e estava sempre pronto para ajudar".
Com a morte de Olavo Monteiro de Carvalho, a cidade maravilhosa perde um pouco de seu glamour. Perde também um dos últimos românticos do mundo dos negócios, integrante de uma geração que sonhou e tentou fazer um Rio melhor para todos.