Quinto britânico a receber o Pritzker, prêmio concedido desde 1979 a um arquiteto pelo conjunto da obra, David Chipperfield é dono de um portfólio consistente, montado em 40 anos de trajetória, com especial atenção a museus e, principalmente, os espaços públicos que os rodeiam. O arquiteto é elogiado pela precisão e delicadeza com que
conduz intervenções drásticas em construções antigas.

“De edifícios pequenos soltos na paisagem a monumentos em grande escala inseridos em complexas situações urbanas, suas propostas desafiam a noção de museu como lugar elitista”, assevera o documento assinado pelo júri.

Ao ressaltar o caráter cívico, universal e sustentável dos projetos de Chipperfield, a organização parecia antecipar o questionamento pela escolha de outro homem branco e europeu depois de sete anos sinalizando que estava atenta a questões identitárias. Em 2022, a sequência culminou com a consagração do primeiro negro na história da honraria – Francis Keré, de Burkina Faso.

Discussões à parte, Sir David Chipperfield faz jus ao reconhecimento. Sua fama remonta a 1997, quando venceu um concurso para remodelar o Neues Museum, em Berlim. Finalizado em 2009, o projeto abriu caminho para muitos outros, deu início a sua trajetória internacional ao "mago dos museus" e culminou com a honraria máxima do meio, recebida essa semana.

“Áreas externas generosas constituem lugares de convivência, e o prédio em si é um presente para a cidade, um espaço público também para quem não visita as exposições”, prossegue a carta do júri. A bancada é composta de vencedores de edições anteriores, acadêmicos e especialistas (entre eles há um brasileiro, o diplomata e crítico de arquitetura André Corrêa do Lago, membro do conselho internacional do MoMA, de Nova York).

Finalizada em 2018, a James-Simon Galerie, em Berlim, é um pavilhão que organiza a entrada para o complexo da Ilha dos Museus, além de interligar as diversas instituições tanto pelo térreo quanto pelo subsolo. (Foto: Simon Menges)

No Neues (lar do famoso busto da rainha egípcia Nefertiti), o arquiteto provou sua maestria em conciliar o restauro do edifício histórico – fortemente danificado durante a Segunda Guerra – e a necessária atualização das salas expositivas, bem como a construção de novos espaços (o saguão principal, por exemplo).

Em uma escala muito menor, temos um exemplo dessa mesma abordagem em solo paulistano: a recente requalificação do Museu do Ipiranga, a cargo do escritório H&F Arquitetos.

“A arquitetura providencia um ambiente. Ela está lá e não está, é primeiro plano e pano de fundo. As melhores experiências da vida são quando tornamos especiais as coisas normais”, filosofa o homenageado, dando pistas de como faz sua mágica. Para ele, pouco importam as tendências. Alejandro Aravena, chileno premiado em 2016 e presidente do júri, complementa: “Ao evitar o que está na moda, ele conquistou a permanência.”

Localizada em Kent, Inglaterra, a galeria Turner Contemporary se diferencia radicalmente do entorno, sem perturbá-lo. Finalizada em 2011, ela homenageia o artista J.M.W. Turner. (Foto: Simon Menges)

Nos anos seguintes à entrega do Neues, Chipperfield criou museus novos em seu país natal, como o dedicado à escultora Barbara Hepworth, às margens do Rio Calder, em Wakefield, e o Turner Contemporary, com obras de J.M.W. Turner à beira-mar em Margate – ambos abertos em 2011.

Em 2013, cruzou o Atlântico para inaugurar o novo anexo do Saint Louis Art Museum, nos Estados Unidos. Os dois primeiros primam pela relação com os waterfronts, enquanto o terceiro dialoga, no mesmo jardim, com o prédio original de 1904 que abriga a sede do museu (algo como faz a Pina Contemporânea, novo pavilhão da Pinacoteca, em São Paulo).

Em 2018, mais dois projetos de peso abriram ao público. Novamente em Berlim, na mesma Ilha dos Museus, a James-Simon Galerie organiza a entrada no complexo cultural formado por várias instituições instaladas em prédios centenários, interligando-as também pelo subsolo e organizando o espaço público entre elas.

Em Londres, uma conexão mais singela nasceu entre dois edifícios da Royal Academy of Arts: trata-se de uma passagem externa de concreto, escolha que sinaliza bem a novidade sem deixar que ela roube a cena.

Neste projeto de 2018, Chipperfield uniu dois edifícios pertencentes à Royal Academy of Arts, em Londres, por meio de uma passarela de concreto

Sua próxima empreitada do gênero, a extensão do Museu Arqueológico Nacional, em Atenas, foi anunciada em fevereiro após um concurso internacional. Trata-se, novamente, de uma ampliação por meio de pavilhões de linguagem contemporânea que não encobrem o protagonismo da construção principal, de estilo neoclássico.

Chipperfield, de fato, não traz consigo uma questão identitária. Mas está longe de praticar uma arquitetura alheia a aspectos sociais, democráticos e ambientais. “Ele se garante sem arrogância, evitando o que está na moda para confrontar e sustentar as conexões entre tradição e inovação, servindo a história e a humanidade”, comenta Tom Pritzker, presidente da Hyatt Foundation, patrocinadora do prêmio.