A capital paulista começa o ano com uma inauguração significativa no circuito cultural: a Pina Contemporânea, instalada em uma porção do Jardim da Luz onde, até 2015, funcionava uma escola estadual. Cedido em 2018 pela Secretaria de Educação à Secretaria de Cultura e Economia Criativa, o terreno materializou um cobiçado eixo de expansão da Pinacoteca de São Paulo, museu mais antigo da cidade.

Fundado em 1905 no antigo Liceu de Artes e Ofícios, o projeto de Ramos de Azevedo (1851-1928) revitalizado há 35 anos pelo premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) já não cabia adequadamente em suas instalações.

Por isso, assim que o lote contíguo ficou disponível, a instituição não perdeu tempo: convidou dez escritórios de arquitetura com reconhecida expertise em museus para formularem os conceitos do futuro projeto. Entre os concorrentes estava Mendes da Rocha, o autor da consagrada intervenção no prédio principal do complexo. Ele, porém, não venceu a disputa.

A proposta escolhida, enviada pelo escritório mineiro Arquitetos Associados (que assina diversos pavilhões do Instituto Inhotim, em Brumadinho, MG; e o Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, aberto em 2022) junto com o profissional paulistano Silvio Oksman, encantou a comissão julgadora pela franca integração que defendeu entre a nova edificação e o Jardim da Luz.

E não se trata apenas de conexão visual ou estética. A Pina Contemporânea foi pensada, antes de mais nada, como um grande espaço público, acessível a todos. “Apenas a Grande Galeria, situada no subsolo, vai cobrar ingresso e terá o acesso controlado”, afirma Jochen Volz, diretor da Pinacoteca, ao NeoFeed.

As demais áreas, especialmente a praça central, implantada sob uma elegante cobertura de madeira laminada colada e chapas abauladas de fibra de vidro, têm a declarada vocação de oferecer acolhimento, a ponto de até mesmo os passantes ocasionais sentirem vontade de permanecer ali por um instante.

Esta entrada da Pina Contemporânea se dá pela antiga escola modernista, agora convertida em reserva técnica (Foto: Christina Ruffato)

Com três entradas (pelo Jardim da Luz, pela Av. Tiradentes e pela R. Ribeiro de Lima, próxima à estação Tiradentes do metrô), a instituição poderá atrair o que Volz chama de visitantes involuntários – pedestres que usarão o lote da Pina Contemporânea como forma de cortar caminho, já que o trajeto por ele é muito mais agradável do que pelas calçadas adjacentes.

Se a estratégia der certo, vai colaborar para elevar um índice do qual o diretor se orgulha: 70% do público da Pinacoteca é composto por pessoas que experimentam ali seu primeiro contato com a arte.

A leve cobertura translúcida realmente convida a um momento de descanso. A arquiteta Paula Zasnicoff, do Arquitetos Associados, conta que ela remete intencionalmente à famosa cúpula envidraçada do edifício vizinho.

Vista do mezanino que oferece espaços de convivência e uma visão panorâmica do Jardim da Luz. (Imagem: Arquitetos Associados)

“Tentamos dar continuidade a algumas ideias que aparecem lá, a exemplo das passarelas ao redor de um pátio, do elevador panorâmico. Porém, aqui tudo isso acontece em uma situação externa, em contato com o parque e com a cidade”, explica ela ao NeoFeed.

Este grande elemento de madeira, prossegue ela, sustentado por uma estrutura metálica, “é a principal inserção contemporânea que une os demais elementos do conjunto.”
Ela se refere a três blocos. O primeiro é uma escola dos anos 1950 desenhada pelo arquiteto modernista Hélio Duarte (1906-1989), agora convertida em reserva técnica – salas especiais para armazenar apropriadamente as obras do acervo que não se encontram em exibição.

O segundo, um anexo eclético atribuído a Ramos de Azevedo, passou a acomodar a administração. Por fim, um novo pavilhão de 200 m², com mais uma galeria (Galeria Praça), dois ateliês para atividades educativas e loja.

Este lado, de frente para o prédio principal da Pinacoteca, revela a grande cobertura de madeira que configura a praça pública em meio ao Jardim da Luz. À esq., está o pavilhão Família Gouvêa Telles (Imagem: Arquitetos Associados)

Ele incorpora, em seu interior, pórticos metálicos encontrados durante a prospecção de antigas construções, já descaracterizadas, existentes no terreno – tudo realizado em diálogo com os órgãos de preservação de patrimônio, que acompanharam de perto o processo.

Batizado Família Gouvêa Telles, esse novo pavilhão homenageia os doadores que destinaram R$ 30 milhões à empreitada, montante somado ao investimento público de R$ 55 milhões. O empresário Marcel Telles, um dos fundadores da Ambev, cultiva uma relação antiga com a Pinacoteca: em 2007, a Fundação Estudar, da qual é conselheiro, doou ao acervo a Coleção Brasiliana, com cerca de 500 obras de arte, entre pinturas, gravuras e desenhos do século 19.

“A família tem uma atitude filantrópica e uma convicção muito grande do papel da cultura e da educação no desenvolvimento da sociedade brasileira”, observa Volz.

Perspectiva do interior do pavilhão Família Gouvêa Telles evidencia os pórticos metálicos remanescentes da antiga construção existe no terreno, atribuída a Ramos de Azevedo (Imagem: Arquitetos Associados)

Ele lembra que o modelo de financiamento da Pinacoteca prevê 60% dos recursos destinados pelo Governo do Estado e os outros 40% captados diretamente pela instituição via leis de incentivo à cultura, além da receita própria gerada por bilheteria, loja e eventos.

O projeto e a obra também contemplam preocupações ambientais, e a Pina Contemporânea abre as portas no dia 25 de janeiro já certificada com o LEED Silver. Concedida pelo Greenbuilding Council Brasil, o selo reconhece, entre outros pontos, a eficiência energética, a boa gestão do uso da água e a racionalidade do método construtivo (responsável pela rapidez da obra, executada em 11 meses).

A artista sul-coreana Haegue Yang levará seus móbiles feitos de persianas à Galeria Praça (Foto: Chantal Crousel)

Na abertura, o público será apresentado ao trabalho da sul-coreana Haegue Yang, que confecciona instalações com persianas industriais penduradas no teto, como móbiles. Já a galeria do subsolo recebe obras de grandes dimensões pertencentes ao acervo da Pinacoteca – peças que, de fato, careciam de um espaço expositivo à sua altura.

Em uma região de São Paulo que escancara tantas mazelas, uma iniciativa cultural deste porte é sempre bem-vinda. “Ela já faz parte do rol de ações de revitalização do centro”, falou o prefeito Ricardo Nunes na ocasião do lançamento.

“A cultura e o acolhimento que um lugar como esse proporciona são as ferramentas que a arquitetura oferece para transformar nossa realidade social”, finaliza Paula Zasnicoff.