O Instituto Inhotim é o maior museu a céu aberto do mundo, têm seis mil palmeiras em seu Jardim Botânico, e desde o ano passado conta com “a maior doação privada individual da história da cultura do Brasil”, feita pelo fundador Bernardo Paz, que transferiu para a instituição as 330 obras de sua coleção de arte contemporânea e a área de 140 hectares.
“Eu sempre me surpreendo como tudo em Inhotim é hiperbólico”, disse ao NeoFeed o presidente da instituição, Lucas Pessôa, que assumiu em janeiro do ano passado. O processo mais grandioso, contudo, está em andamento: a perenidade do Instituto que fica em Brumadinho (MG).
Advogado de formação e economista por especialização na Universidade de Copenhagen, Pessôa carrega a experiência (2014 a 2018) de participar da reorganização do Masp, depois de fase crítica de recursos e gestão, quando assumiu a direção financeira daquela instituição. Antes disso, trabalhou no banco Pátria.
Agora ao lado da vice-presidente, Paula Azevedo, que foi “braço direito de Milu Vilela, no MAM de São Paulo”, têm números e nomes lustrosos para mostrar em Inhotim. A arrecadação este ano vai chegar R$ 60 milhões, quase o dobro dos R$ 38 milhões do ano passado.
Em 2021, antes do novo modelo e da constituição de um conselho deliberativo, esse total foi de R$ 18 milhões, com Bernardo Paz injetando R$ 40 milhões para completar o orçamento necessário de R$ 60 milhões.
Este ano, o número de patrocinadores dobrou de 18 para 35. “Entramos numa fase de atração de patrocinadores internacionais, uma vez que Inhotim tem um grande reconhecimento também fora do Brasil”, conta Pessôa.
“Estamos em negociação com uma mineradora coreana que tem interesse na região, num processo que compreende o comissionamento de uma artista coreana.”
A segunda festa de fundraising que acontece em agosto, por exemplo, também terá o patrocínio de uma marca de luxo internacional. Na edição de estreia no ano passado, foram arrecadados R$ 2 milhões, num evento que compreendeu uma apresentação do grupo Corpo com venda de convites.
O conselho montado neste novo momento de Inhotim, por sua vez, acaba de chegar a 30 membros, sendo que 70% deles são também doadores.
Com Bernardo Paz na presidência e Eugenio Mattar (Localiza), como vice, a formação foi “puxada” pelo banqueiro Roberto Setubal, que trouxe Fábio Barbosa, CEO da Natura, por exemplo. Rubens Menin (MRV), Francisco Müssnich (BMA), Elena Landau, Gustavo Ioschpe, Jandaraci Araujo e Izabella Teixeira ( ex-ministra do Meio Ambiente) também integram o “dream team”.
No programa de patronato, que tem participação ativa de Paula, figuram ainda nomes como Cândido Bracher e Teresa Bracher, Oskar Metsavaht e Nazaré Almeida Braga Metsavaht, Susana Leirner Steinbruch.
A doação do acervo por Bernardo Paz foi o que permitiu que essa “revolução” fosse feita. “Sem que isso acontecesse esse conselho não se engajaria. Ninguém vai lá se dedicar e doar recursos e tempo para uma coleção privada. Esse foi o movimento decisivo para a gente conseguir avançar nesse processo.”
Vale, Inhotim e o fundo
Com estes dois pilares estabelecidos, o conselho e a doação, Pessôa e Paula puderam construir a “muitas mãos” com a Vale um compromisso de longo prazo para receber ao correr de dez anos R$ 400 milhões para Inhotim, sendo metade deste valor incentivado.
Desse total, R$ 60 milhões já foram antecipados, sendo cada parcela de R$ 20 milhões destinada aos exercícios de 2023, 2024 e 2025.
A verba não faz parte dos recursos de reparação determinados a mineradora pelo Ministério Público para a região, desde o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), um dos maiores desastres ambientais do país com 270 mortos.
De qualquer forma, a Vale pretende incrementar a reconstrução de sua reputação ao impactar a economia e o turismo local com este aporte. A mineradora já colaborava com Inhotim desde sua formação em 2008 e agora seu presidente Eduardo Bartolomeo passou a integrar o conselho.
Do aporte, R$ 100 milhões serão alocados no mecanismo matchmaking, no qual, para “cada real de verba não incentivada recebida de outra fonte, a Vale vai depositar o mesmo valor.”
Estes recursos serão usados na ferramenta mais estratégica para a sustentabilidade da instituição, um fundo de endowment que já tem em seu comitê de criação Roberto Setubal. A proposta é o uso dos recursos obtidos acima da inflação, preservando o valor principal.
“É uma mudança de paradigma para que as empresas também colaborem com recursos não incentivados, né? Além da doação direta de pessoas físicas. Esse é o desafio que a gente vai ter”, afirma Pessôa.
O benchmark perseguido pelo Instituto Inhotim é o formato de operação dos museus norte-americanos.
“Uma governança com um conselho amplo e representativo, contributivo, colaborativo e engajado, e um fundo de endowment constituído que assegura uma parte do orçamento anual e é uma forma recorrente de garantir a perenidade dos recursos” explica Pessôa.
Ele cita como exemplo o Getty, na Califórnia, “que é o museu com o maior endowment do mundo com US$ 7,7 bilhões e uma despesa anual US$ 330 milhões.” Ou seja, “se o Getty gerasse zero receitas nesse período, garantiria 21 anos de manutenção de suas atividades.” No Metropolitan, conta, quase 40% de seus recursos são da rentabilidade desse fundo patrimonial.
“Toda essa estruturação nos permite ter um Inhotim mais democrático, com acesso gratuito agora toda quarta-feira, e com envolvimento da sociedade civil em sua perenidade", diz Pessôa. "Garante ainda a manutenção do Jardim Botânico como centro de pesquisas científicas, que não se beneficia dos recursos vindos via lei de incentivo a cultura.”
Além disso, assegura que o Instituto siga “vivo” com exposições temporárias mais frequentes. Antes aconteciam a cada dois anos. Só este ano foram seis. No próximo dia 16, será inaugurado o pavilhão permanente com as obras da artista Yayoi Kusama.
O próximo passo é levar exposições curadas pela equipe de Inhotim para o resto do mundo. “Temos espaço e reconhecimento para isso. Nossa exposição de Abdias do Nascimento, por exemplo. conquistou uma página no The New York Times.”
É preciso ainda, diz Pessôa, que o Inhotim siga investindo na renovação de seu acervo. Afinal ele não pode ser um "museu contemporâneo da arte dos anos 2000", brinca. "Precisamos seguir contemporâneos e sustentáveis".