O empresário Bernardo Paz tinha um sonho. Um lugar em que as pessoas pudessem desfrutar de arte e natureza. Em Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, transformou o sonho em realidade com o Instituto Inhotim, que abriu suas portas para o público em 2006. Em uma área de 140 hectares, o paisagista Pedro Nehring desenhou um jardim botânico com cerca de 4,3 mil espécies nativas brasileiras e exóticas de várias partes do mundo.

Em meio às plantas e lagos, Paz foi espalhando a sua coleção de arte contemporânea. São cerca de 700 obras de mais de 60 artistas, de quase 40 países. Alguns têm espaços construídos exclusivamente para as suas criações, como os brasileiros Tunga, Cildo Meireles, Miguel Rio Branco, Lygia Pape e Adriana Varejão, e os internacionais Matthew Barney e Carroll Dunham.

O sonho, no entanto, quase se desfez. Em 2017, Paz foi condenado, em primeira instância, pela 4.ª Vara da Justiça Federal, em Minas Gerais, a nove anos e três meses de prisão em regime fechado por lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal de Minas, em 2013, ele teria usado a Horizontes, empresa criada para administrar doações ao Inhotim, para encobrir repasses a outros negócios em seu nome. Em 2020, foi absolvido da acusação pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, o TRF-1, de Brasília.

O pesadelo, porém, ainda estava longe do fim. Em 2021, o acervo do Inhotim chegou a ser ameaçado por causa de dívidas com a União do grupo Itaminas, do qual Paz era sócio. Durante as negociações, cogitou-se o pagamento com obras de arte do museu. A fim de preservar o legado como mecenas das artes intactos, neste mês Paz anunciou a doação de forma definitiva e irrevogável de toda sua coleção de arte e de botânica – incluindo terreno, área construída e maquinário – ao Inhotim.

Para coroar esse novo momento, está nos planos da nova diretoria, que assumiu suas funções em janeiro, realizar um baile de gala no instituto, em setembro, nos padrões do Met Gala, do Museu Metropolitano de Nova York.

"Os convites serão vendidos. Mas nós esperamos poder replicar uma parte do baile no domingo para o público gratuitamente", revela, com exclusividade ao NeoFeed, Paula Azevedo, diretora vice-presidente, que assumiu a diretoria do instituto ao lado de Lucas Pessôa, diretor presidente, e Julieta González, diretora artística. "Bernardo Paz foi além de generoso fazendo essa doação. Agora cabe a nós e à sociedade civil abraçar a instituição."

Como abraçar o Inhotim

A doação do patrimônio não significa a saída de Paz do Inhotim. Ele continua como presidente do conselho – e tem como vice o empresário Eugênio Mattar, sócio da Localiza. O grupo conta ainda com mais 18 conselheiros, com mandatos estabelecidos de 3 e 4 anos, e deve eleger mais 10 pessoas até o fim do ano. Além de suas funções administrativas, 70% dos membros devem contribuir financeiramente com o instituto.

A doação envolve toda a coleção de arte e de botânica, incluindo terreno, área construída e maquinário

O principal objetivo da nova diretoria é o fortalecimento do Inhotim com a sociedade civil e o empresariado – em especial, no que se refere à captação de recursos. O gasto anual para manter o instituto funcionando é de R$ 60 milhões, sendo que apenas R$ 20 milhões são pagos com bilheteria, receita de eventos e captação de lei de incentivo. Paz responde pelos outros R$ 40 milhões.

Entre as novidades que Pessôa e Azevedo estão trazendo para o Inhotim com o intuito de angariar fundos, estão os programas de patronato e Amigos do Inhotim, destinado a pessoas físicas que queiram colaborar financeiramente com o instituto. Outra ação é o programa de patrocínio destinado a empresas, que podem obter entre os benefícios a realização de eventos no instituto e cotas de ingressos. Os diretores ainda estudam formas de captar recursos por meio de leis de incentivo à preservação do meio ambiente. Faz parte do instituto uma área de 250 hectares de Reserva Particular de Patrimônio natural (RPPN).

Outro importante passo da nova diretoria é tirar do papel a construção de um hotel dentro do Inhotim. O projeto da arquiteta Freusa Zechmeister prevê 46 bangalôs e uma sede. A construção estava adiantada quando as obras foram paralisadas, em 2017. Segundo Azevedo, a renda gerada pela hospedagem seria bastante relevante para a sustentabilidade do instituto no futuro. "Hoje, a maioria dos visitantes fica um único dia ou se desloca mais de um dia. Há um gargalo grande com os leitos oferecidos em Brumadinho. Com o hotel, será possível alongar a visita, além da possibilidade de eventos", explica.

Um novo olhar para a arte

Quando assumiu a direção artística do Inhotim, em janeiro, a venezuelana Julieta Gonzalez havia pensando em orientar o programa de exposições focando os múltiplos desdobramentos do pensamento ecológico na arte contemporânea. Mas, ao chegar ao instituto, percebeu que havia outras questões em andamento para trabalhar.

Isaac Julien ( à esq) nos bastidores da filmagem de "Looking for Langston" em exibição em Inhotim

Se os pavilhões de exposições permanentes são dominados por artistas brancos, as novas mostras temporárias trazem ao Inhotim a presença dos artistas negros como os brasileiros Abdias Nascimento e Jaime Lauriano e o londrino Isaac Julien – premiado na Semaine de la Critique Prize do Festival de Cinema de Cannes em 1991. Apaixonado pelo trabalho ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, Julien retratou a história da arquiteta em A Marvellous Entanglement, de 2019, que tem a participação das atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres.

No Inhotim, apresenta a instalação multimídia "Looking for Langston", (1989/2016), em que reflete a vida e a obra do poeta, ativista social, romancista e dramaturgo afro-americano Langston Hughes, que fez parte do grupo de artistas que formaram o Renascimento do Harlem – movimento baseado nas expressões culturais afro-americanas que ocorreu ao longo da década de 1920.

"Qualquer instituição de arte com vocação pública e social deve estar em dia com discussões atuais e constituir um espaço para que elas aconteçam", afirma Gonzales. "Na verdade, este é o papel do museu: criar estas zonas de contato, zonas de fricção e tensão produtiva que dão visibilidade às questões que moldam o mundo em que vivemos, que convidam ao pensamento crítico e a pensar, coletivamente, como podemos construir um mundo melhor."