Não é só o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que anda incomodado com a alta taxa de juros do País. Empresários de vários setores têm demonstrado insatisfação com a questão. Mas um deles é mais vocal na questão. Trata-se de Rubens Menin.

Um dos mais influentes empresários do Brasil, controlador da construtora MRV, do Banco Inter, da Log Properties e da CNN Brasil, ele trata o tema como uma questão de Estado a ponto de dizer que a sociedade precisa fazer um pacto contra os juros altos.

Sem entrar no embate entre o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, Menin diz que o Brasil deveria ser contundente contra os juros altos. “Se o Brasil estivesse em guerra, teríamos de fazer um esforço de guerra. Teve a pandemia e o Brasil fez um esforço de pandemia”, diz Menin ao NeoFeed.

Na visão dele, não adianta combater só a inflação. “Acho que fomos muito lenientes no Brasil em relação aos juros. Com isso, de fato, nunca atacamos o problema de frente.” E prossegue. “Tudo no Brasil é muito mais caro por conta dos juros. Os juros altos são o cerne do problema brasileiro.”

Menin afirma que a questão tem de ir além da política monetária e unir todos na discussão. “Me incomoda muito essa conversa unilateral de ‘ah, meu objetivo é a inflação’. Não, o objetivo tem de ser inflação e juros. ‘Ah, mas os juros são consequência’. É consequência, mas tem de ser discutido o efeito danoso é maior ou igual do que a alta da inflação.”

Na entrevista que segue, concedida ao NeoFeed quando Menin estava na reunião de conselho do Atlético Mineiro, seu clube de coração, o empresário explica seus temores em relação a economia, a fuga de talentos do País e também comenta sobre infraestrutura, habitação, o plano de tornar o Galo em uma SAF e da reestruturação da CNN Brasil. Acompanhe:

Como você está enxergando o atual momento do País?
Estou ficando velho e, nos meus quase 50 anos de vida profissional, descobri que os fatores que mais impactam a vida das pessoas, dos países e das empresas são as questões externas que chamamos de cisne negro. Em 2001, jogaram dois aviões nas torres do WTC, em Nova York, e mudou o mundo. Em 2020, vem a Covid e muda o mundo. Para somar, vem a guerra da Ucrânia que ninguém esperava. A gente vive tentando se adaptar a essas flutuações e, ao mesmo tempo, ter mais resiliência. No Brasil, especificamente, aconteceu um fato bem interessante.

Qual?
Em 1994, fizemos um pacto social. O Plano Real foi um pacto social. Mas nunca se pensou nos juros, só na moeda, em inflação. Acho que fomos muito lenientes no Brasil em relação aos juros. Com isso, de fato, nunca atacamos o problema de frente. Em 2001, o Jim O’Neil (economista britânico) criou o termo dos BRICs e ele estava certo, o Brasil tem um potencial enorme, é um país continental. Só que ele esqueceu dos juros. Não consegue ter crescimento sem ter juros baixos. O Brasil, as empresas, as famílias e os governos são sacrificados pelas altas taxas de juros. Tem uma heresia que eu brinco que é a de que os juros compostos são as armas mais poderosas do universo. E, de fato, são. O pessoal não olha muito, mas uma empresa, para fazer investimento, é juros; para fazer uma PPP, uma concessão, para fazer uma rodovia, é juros; quando fala competitividade, é juros. Tudo no Brasil é muito mais caro por conta dos juros. Os juros altos são o cerne do problema brasileiro.

“Eu brinco que os juros compostos são as armas mais poderosas do universo. E, de fato, são”

Na sua opinião, como atacar isso?
Tem várias discussões, Banco Central independente ou não. Mas não é sobre isso que estou falando.

Sobre o que, então?
Sobre como a gente voltar a ter padrão de juros mais baixos. Agora, chega 2020, 2% de juros e taxa de juros negativa. Poxa, não era real, não tínhamos resolvido a causa. Só que todo mundo acreditou naquilo, só que era a história da carochinha. As causas não estavam solucionadas para termos aquela taxa de 2% ao ano.

Ali foi um erro?
Depois que passou é fácil falar, mas hoje está claro que foi errado. Mas o pior é que todo mundo acreditou naquilo e os investimentos começaram a ser feitos com taxa de 2% ao ano. E, mais uma vez, o Brasil sendo sempre o Brasil, foi o país que subiu de 2% para 13,75% mais rápido no mundo. E as pessoas dizendo: ‘foi muito bom porque acabamos com a inflação mais rápido’. Não, gente! Não tem jeito de você ir de 2% para 13,75% na velocidade que foi sem machucar muito. As famílias estão devendo, as empresas, o próprio país. Imagina uma empresa que fez um plano plurianual de não sei quantos bilhões... Estão com a calça na mão.

“O Brasil não virou um gigante dos Brics como se esperava porque os juros sempre foram maiores e a única vez que foi menor foi de forma artificial”

Na sua opinião, qual é a solução?
Acho que a sociedade precisa discutir isso com profundidade. Não é só política monetária que vai sanar a inflação ou não, tem a economia como um todo. Se os juros continuarem desse tamanho, o Brasil e as empresas não vão investir o suficiente para poder ter um país competitivo. Não vão fazer estradas, planos industriais e etc. O Brasil não virou um gigante dos BRICs como se esperava porque os juros sempre foram maiores e a única vez que foi menor foi de forma artificial.

Mexer nos juros na marra não resolve, já vimos que é catastrófico. Como então o Brasil pode sair desse ciclo?
Tem que ter um pacto da sociedade ao redor dessa questão dos juros. Se fala de Reforma Tributária, é claro, que tem de acontecer. Tem que haver arcabouço fiscal? Claro que tem. Precisamos ter um pacote de bondade? Claro que tem. Isso só é palatável se houver um pacto. Mas o objetivo final é debelar os juros. Me incomoda muito essa conversa unilateral de ‘ah, meu objetivo é a inflação’. Não, o objetivo tem de ser inflação e juros. ‘Ah, mas os juros são consequência’. É consequência, mas tem de ser discutido o efeito danoso é maior ou igual do que a alta da inflação.

“Me incomoda muito essa conversa unilateral de ‘ah, meu objetivo é a inflação’. Não, o objetivo tem de ser inflação e juros”

Como você vê a discussão entre o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto?
Incompleta. Ela não está contemplando todos os fatores existentes. Tem que ser uma discussão da sociedade como um todo. Todo mundo quer que os juros caiam.

Como juntar todo mundo nesse objetivo comum?
A minha opinião é tão simples que fico até com vergonha de falar. Se o Brasil estivesse em guerra, teríamos de fazer um esforço de guerra. Teve a pandemia e o Brasil fez um esforço de pandemia. Tem uma conta a ser paga. Essa conta não vai sumir. As mazelas geradas pela pandemia existem em diversos setores, não é só a fome. São milhares de empresas que quebraram, empresas que estão cortando empregos, empresas que não vão investir com esses juros altos. A discussão é muito mais completa e complexa.

Na sua opinião, então, o Brasil deveria tratar os juros como se estivesse tratando de uma guerra?
Sim. Você pode até combater a inflação. Mas controlou a inflação com aumento de juros e lá na frente tem a economia tão combalida que vai ter outro problema maior. Tem de ser uma conversa muito clara e transparente envolvendo toda a sociedade.

“Você pode até combater a inflação. Mas controlou a inflação com aumento de juros e lá na frente tem a economia tão combalida que vai ter outro problema maior”

Mas você não acha que a relação entre mercado e governo e vice-versa está conflituosa?
A primeira coisa que temos de fazer é acabar com os ruídos. Está muito chato essa quantidade de ruído. Não podemos dar chance para o azar. Sou 100% comprometido com o Brasil e todo mundo tem de fumar o cachimbo da paz. O Brasil tem de fumar o cachimbo da paz. Não pode ter muro dividindo a sociedade brasileira. Tenho trabalhado incansavelmente para tentar pacificar o país, para que sejamos um só. Esses ruídos só atrapalham.

Os ataques de 8 de janeiro só pioraram isso...
O 8 de janeiro foi uma das coisas mais horrorosas que existiu no Brasil.

“O Brasil tem de fumar o cachimbo da paz”

Não vai ser difícil fumar esse cachimbo da paz depois daquele evento?
Acho que não. É uma minoria organizada, mas que não representa a sociedade brasileira. Tanto a minoria de extrema direita como a de extrema esquerda não representam a vontade do Brasil. Aqueles caras do 8 de janeiro não representam ninguém, são um bando de malucos.

Hoje, você acha que está tendo mais ruídos por parte dos empresários e do mercado financeiro ou do governo?
Estou impressionado com a maturidade do empresariado. O empresariado quer o bem do Brasil, não quer divisão do país. O Brasil é uma nação organizada, de centro, com tendências sociais porque tem muitas mazelas e com uma veia pró-negócios pois é um país em desenvolvimento. Todo país em desenvolvimento precisa ser pró-negócios. Extremistas não têm lugar no Brasil.

Mas você não acha que o governo está criando ruído?
Acho que tem setores do governo que estão criando ruído sim, mas é uma minoria. Como também tem setores do empresariado que estão criando ruído, mas é uma minoria.

“Extremistas não têm lugar no Brasil”

Você está otimista com o Brasil?
Me criticam muito por ser otimista. Sempre fui otimista na minha vida. Acho que, se resolvermos essa questão dos juros, ninguém segura o Brasil. Temos um agronegócio maravilhoso, uma matriz energética sensacional, um mercado interno grande, uma infraestrutura enorme para ser construída, pode aproveitar essa tendência mundial do resource. Vamos resolver esse problema dos juros que o Brasil mata a pau!

Mas para crescer o país tem outro problema: a questão educacional, faltam profissionais qualificados...
Tem esse problema, mas será mais fácil resolver. Pega a Coreia do Sul, um país que resolveu isso. Veio acompanhado de desenvolvimento. Crescimento econômico e educação caminham juntos. O que preocupa é a “exportação de cérebros” brasileiros para outros países. Pega Portugal, tem 500 mil brasileiros morando lá. E a maioria empreendendo lá. Precisa melhorar o ambiente de negócios no Brasil para essas pessoas ficarem aqui.

“Crescimento econômico e educação caminham juntos. O que preocupa é a “exportação de cérebros” brasileiros para outros países”

O governo anunciou medidas para aumentar o Minha Casa, Minha Vida. Está animado com isso?
Já rodei o mundo todo vendo a questão da habitação social. Esse é um dos maiores problemas do mundo. Os Estados Unidos, que são os Estados Unidos, estão vivendo um problema seriíssimo com isso. Países da Ásia, como Malásia, Indonésia, Filipinas, estão vivendo um caos. Na Europa, não tem tanto porque o crescimento demográfico é pequeno, mas está caro. O Brasil tem duas coisas boas: demanda e renda. Por outro lado, temos um dinheiro, que é o do FGTS, que é um programa que funciona. Temos uma indústria de construção civil subaproveitada. Esse projeto que o governo está falando, de 500 mil unidades por ano, é pouco. Tem potencial e funding para mais do que isso.

Tem espaço para quanto?
Antes quero te dar um dado. Na China, quando crescia 12% ao ano, um terço era gerado por essa indústria. Nos Estados Unidos na década de noventa também. Esses países chegaram a produzir mais de 50% do aço e do cimento do mundo. O Brasil produz cerca de 2% do aço e 2% do cimento do mundo. Essa conta não fecha para um país continental e emergente. Se não produzir 5% do aço e 5% do cimento do mundo, esse país não vai crescer. Temos que produzir não só casas – a necessidade que temos é de 1,3 milhão de unidades por ano – mas também estradas, portos, aeroportos. Estamos ainda muito longe do ideal.

Você diz que 500 mil unidades por ano é ainda um número insuficiente. Na condição atual do Brasil, o que seria possível fazer?
A gente não sobe todos os degraus de uma vez, mas acho que dá para ir escalando 100 mil unidades por ano e queremos levar essa proposta para o governo. Você não vai de 500 mil para 1 milhão de um ano para o outro.

O governo passado avançou ou estagnou na questão da moradia?
Infelizmente, os últimos anos não foram bons para a indústria da construção. Mas, mais uma vez, é a indústria mais dependente da taxa de juros.

Além de empresas como MRV, Banco Inter e Log, você é o controlador da CNN Brasil. Surgiram notícias de que, por conta dos prejuízos da emissora, você cogitou fechar o canal. É verdade?
Lógico que não. Para mim, a CNN é muito importante dentro de tudo que a gente conversou nessa entrevista. Acho que a imprensa tem um papel fundamental no todo. Encaixo a imprensa dentro do ramo da educação. A gente sempre se propôs na CNN a discutir esses temas do Brasil. Modéstia à parte, a CNN está fazendo um jornalismo muito bonito, totalmente isento, mostrando os fatos como eles são, e fico muito satisfeito quando recebo esses elogios de que a CNN está tendo uma postura extremamente ética no jornalismo.

Então não pensou em fechar?
Nunca cogitamos fechar a CNN. O que fizemos foi uma mudança de gestão que precisava ser feita, trouxemos o João Camargo, ele reestruturou a empresa e estamos colhendo os frutos. Eu sou acionista, conselheiro, e o CEO manda na empresa. Não sou do ramo, não quero ser, mas ela presta um grande serviço ao Brasil. É como se fosse um adubo para o campo que estou plantando.

“Nunca cogitamos fechar a CNN. O que fizemos foi uma mudança de gestão que precisava ser feita”

Ela caminha para a lucratividade?
Quando fizemos o business plan da CNN Brasil, sabíamos quanto iríamos investir. O ano passado foi pior do que eu esperava, as receitas diminuíram e os custos aumentaram. Neste ano de 2023, ela está no zero a zero. É saudável, não vai dar lucro, mas não vai dar prejuízo.

Mas um dia tem de dar lucro, não?
Toda empresa tem de dar lucro. Vou apostar que ela é de zero para lucro em vez de zero para prejuízo.

E o Galo, pensa em entrar em uma SAF?
É impressionante a força do futebol no mundo. A Ásia comprou o futebol, os Estados Unidos compraram o soccer. No Atlético Mineiro, queríamos restabelecer o equilíbrio do clube, ter a nossa casa própria. Queremos fazer a SAF, vai acontecer, e será a cereja do bolo depois de fazer a arena, ganhar títulos, reestruturar. A ideia é que a gente vire um time de futebol profissional com gestão profissional. A torcida quer coisa organizada. Estamos otimistas de conseguir entregar para o Atlético e para essa administração o estádio funcionando, as dívidas equacionadas e a SAF funcionando.

“Queremos fazer a SAF, vai acontecer, e será a cereja do bolo depois de fazer a arena, ganhar títulos, reestruturar”

Mas você entraria como sócio dessa SAF?
Existe essa possibilidade porque as pessoas que nos procuram querem que a gente participe para ajudar a dar estabilidade a essa SAF. Pode ser que a gente consolide uma parte da dívida do Atlético para entrar na SAF. Há essa possibilidade.

O empréstimo que você fez é grande, não? Foram R$ 400 milhões?
Na realidade, não vou falar o valor. Isso tem que passar pelo conselho do Atlético. Mas a nossa família fez um empréstimo de forma consciente e não nos arrependemos.