Um dos maiores desafios da indústria plant-based é dar às carnes vegetais as características sensoriais dos alimentos de origem animal. Sobretudo sabor e textura, dois dos principais entraves à aceitação dos consumidores.
Apesar dos avanços conquistados até hoje, ainda não se conseguiu chegar a um produto à base de plantas capaz de reproduzir o prazer com a degustação de um suculento filé. À maioria das chamadas carnes verdes falta umidade e muitas deixam um sabor adstringente na boca, aquela sensação desagradável de amargor e ressecamento.
Mas cientistas da Universidade de Leeds, na Inglaterra, acenam com a possiblidade de um futuro mais hidratado e cortes mais palatáveis.
Liderados pela indiana Anwesha Sarkar, PhD em tecnologia de alimentos, eles desenvolveram microgéis de proteínas vegetais que, sob a pressão da mordida, confere aos cárneos plant-based o molhadinho dos bifes de verdade, lê-se em artigo publicado na última edição da revista científica Nature Communications.
Cápsulas invisíveis de gelatina, os novos compostos propiciam uma lubricidade equivalente ao de uma emulsão de 20% de gordura - o que é alto para um preparado feito sem a adição de uma gota sequer de óleo.
A novidade foi recebida com entusiasmo pelos investigadores do universo plant-based como uma plataforma promissora “para conceber a próxima geração de alimentos saudáveis, saborosos e sustentáveis”. Ainda que restrita ao ambiente acadêmico, a descoberta representa um grande passo para indústria de carne vegetal.
Avaliado em US$ 5,3 bilhões, em 2021, nas previsões da consultoria Allied Market Research, no período entre 2022 e 2031, o mercado global deve crescer a uma taxa anual composta de 20,5%. Em oito anos, o setor deve movimentar US$ 33,3 bilhões.
O aumento está diretamente relacionado à força crescente do flexitarianismo, movimento global de redução do consumo de carne vermelha, sem aboli-lo por completo. Estudos internacionais mostram que os principais obstáculos para que os consumidores adotem o hábito de vez está na pouca disponibilidade, preço elevado e características sensoriais aquém das proteínas de origem animal.
No Brasil, por exemplo, conforme levantamento da ONG Mercy for Animal, divulgado no final do ano passado, 55% dos consumidores reclamam do sabor das carnes plant-based.
Os cientistas de Leeds usaram apenas água para criar os microgéis. Por um processo conhecido como microgelação, os pesquisadores hidrataram a proteína vegetal, que, em geral, é usada sob a forma de pó. Aquecida, a estrutura molecular da mistura se altera, formando o gel. Em seguida, o produto foi uniformizado e transformado em bolinhas de pura umidade.
“Microgéis de proteínas vegetais podem ser criados sem a necessidade de adição de produtos químicos ou agentes”, diz a pesquisadora Anwesha, em entrevista ao blog da universidade. “E isso, usando uma técnica amplamente disponível e atualmente usada na indústria alimentícia.”
Nada disso teria sido possível sem os avanços tecnológicos da microscopia. Na teoria, a tese da cientista fazia todo o sentido. Mas era preciso comprová-la na prática.
A prova de que a suposição da pesquisadora fazia (todo) sentido certa viria com as imagens obtidas pelo microscópio de Força Atômica (AFM, na sigla em inglês), da Faculdade de Engenharia e Ciências Físicas, da universidade.
Desenvolvida no início dos anos 1980, a tecnologia usa uma sonda para escanear superfícies, produzindo imagens topográficas, com resolução em nanoescala. A bolhas de gelatina de Leeds têm 100 nanômetros de diâmetro; o equivalente a 0,0001 milímetro.
Como a AFM é uma ferramenta mecânica, capaz de operar dentro d’água, foi possível observar as moléculas de proteínas vegetais, protegidas por uma teia de moléculas de água, no momento em que estavam hidratadas, permitindo a medição de seu tamanho, formato e textura. Em um microscópio eletrônico, operado a vácuo, as microcápsulas secariam e se transformariam em uma panqueca plana e seca.
“Ver as imagens do microscópio de Força Atômica foi um momento emocionante para nós. As visualizações revelaram que os microgéis de proteína eram praticamente esféricos e não se agregavam ou se aglomeravam”, comemora a líder do estudo. “Pudemos ver microgéis de proteínas vegetais espaçados individualmente.” São as maravilhas da ciência à serviço do futuro da alimentação.