Nos anos 1920, o cartão de visitas da Chanel - com o endereço que existe até hoje da histórica loja da grife na rue Cambon, na capital francesa - indicava logo abaixo do nome da marca a inscrição “costura – esporte”.
Na época, a aliança entre esses dois universos estava apenas começando, impulsionada por grandes estilistas, e era longe de ser evidente. Décadas depois, calças de agasalho usadas por atletas para aquecer os músculos ganharam as ruas e os tênis, que se tornaram indispensáveis em qualquer guarda-roupa, são usados até mesmo com ternos e outras peças elegantes.
A evolução das roupas esportivas e sua influência na moda contemporânea é retratada na exposição “Moda e Esporte – De um podium a outro” atualmente em cartaz no Museu das Artes Decorativas de Paris, evento que precede os Jogos Olímpicos de Paris, no próximo ano.
A mostra apresenta um percurso cronológico, que começa na Antiguidade, época em que os atletas cobriam pouco o corpo, e destaca as atividades esportivas que mais marcaram o mundo da moda, como o tênis, o ciclismo, a natação ou ainda o ski.
Ela reúne 450 roupas e acessórios, fotografias, croquis, posters, revistas e vídeos que revelam a estreita relação entre esses dois universos que em um primeiro olhar podem parecer distintos, já que um privilegia a performance e, o outro, a elegância.
Inicialmente, as atividades físicas se limitavam à aristocracia: caça, equitação, tiro ao arco ou esgrima eram lazeres, símbolos de refinamento. Historiadores datam o nascimento do esporte, no sentido moderno do termo, no início do século 19 com a introdução de regras precisas para as disciplinas, geralmente associadas a competições.
Algumas modalidades, como o tênis, golfe ou jogo de croquet eram uma forma de distinção social reservada a uma elite, onde não havia a preocupação de ganhar. As roupas eram totalmente inadaptadas aos movimentos do corpo, sobretudo as femininas. Basta ver na exposição os paletós, espartilhos, longas saias e grandes chapéus usados na época.
Ao mesmo tempo, esportes coletivos como o futebol e o rugby ganhavam força, impulsionados pelas prestigiosas universidades inglesas, fazendo surgir, no final do século 19, as primeiras camisetas de malha jersey. As competições e a necessidade de melhor performance incitaram a criação das primeiras roupas concebidas especificamente para a atividade esportiva, ainda de forma incipiente.
Foi apenas a partir da segunda década do século 20 que o mercado das roupas esportivas começou a ter uma real expansão, disse ao NeoFeed Sophie Lemahieu, curadora da mostra no Museu das Artes Decorativas, que fica no prédio do Louvre.
“O período entre as duas guerras mundiais representa uma guinada nas relações entre a moda e o esporte”, afirma. Os anos 20 foram uma época de inovação durante a qual as roupas se adaptaram cada vez mais à prática esportiva e também começam a ser fabricadas por grandes costureiros como Jean Patou e Elsa Schiaparelli.
“A Primeira Guerra mudou a maneira de ver o mundo. Os anos 1920, os chamados anos loucos, representaram um desejo de liberdade da juventude, de movimento. A atividade esportiva passou a ser vista como uma forma de manter um corpo esbelto”, diz Lemahieu.
Ao mesmo tempo, o esporte se tornou mais “competitivo, com a necessidade de obter melhor performance, o que passou a exigir roupas mais adaptadas”.
O exemplo mais célebre dessa mudança é a camisa polo Lacoste, criada em 1933. A lenda conta que o tenista René Lacoste, que tinha o apelido de crocodilo, teria cortado as mangas de sua camisa de punho, que entravava os movimentos, fazendo surgir o célebre modelo usado hoje no mundo todo.
Com um fabricante de malhas, ele desenvolveu um tecido que absorve a transpiração e deixa a pele respirar.
Ainda nesse período, nadadoras passaram a usar maiôs de duas peças, antes de sua chegada às praias, contribuindo para o recuo do pudor em relação ao corpo. Mulheres ciclistas também se adaptaram à época em que calças não eram permitidas no universo feminino, usando saias-calças que depois ganharam as ruas.
Curiosamente, a alta-costura teve um papel fundamental na criação do sportswear, conta a curadora. Chanel foi pioneira ao criar uma linha esportiva com modelos em jersey.
O movimento ganhou força no final dos anos 1920 e grandes estilistas, como Jeanne Lanvin e Jean Patou, também criaram seções de esporte em suas lojas. As roupas eram confortáveis e descontraídas, embora não fossem voltadas para a atividade física. Novos tecidos passaram a ser usados, como o tweed, lã utilizada na caça e na equitação.
Os Estados Unidos, claro, tiveram um papel forte no desenvolvimento do sportswear antes da França por conta da prática esportiva nas universidades, ressalta Lemahieu.
“O objetivo dessa exposição é mostrar a busca de conforto na moda, algo crescente a partir dos anos 1950, e ver que frequentemente é por meio do esporte que vamos chegar ao modelo de roupa que conhecemos hoje”, afirma a curadora.
O sportswear explodiu nos anos 80, impulsionado pela generalização da musculação e da ginástica aeróbica. Não era mais uma questão de se vestir de maneira esportiva como no período entre as duas guerras mundiais, mas sim de usar nas ruas as roupas para praticar esportes.
Na última sala da exposição, uma pista de atletismo decorada com os anéis dos Jogos Olímpicos se transforma em passarela de moda e mostra como inúmeras grifes de luxo se inspiram até hoje no esporte.
Há modelos da Comme des Garçons e de Paco Rabanne que reproduzem bolas de futebol, blusão de beisebol da Off-White e conjunto com ares de roupa de boxe da coleção primavera-verão de 2022 da Dior, entre inúmeros outros exemplos.
As parcerias entre marcas de luxo e os fabricantes de roupas e equipamentos esportivos se tornaram uma prática recorrente depois que o costureiro Yohji Yamamato e a Adidas lançaram, em 2003, uma linha de sportswear, a badalada Y-3.
As associações entre Gucci e Adidas ou Balmain e Puma também são apresentadas na exposição, que fica em cartaz até 7 de abril. As grifes passaram ainda a lançar equipamentos de esporte, como é o caso das pranchas de surf da Hermès.
Vários atletas, como o jogador Zidane, se transformaram em modelos publicitários de grifes de moda, que, por sua vez, também influenciaram o esporte. O short em jeans usado pelo tenista Andre Agassi nas quadras ou as roupas da também tenista Serena Williams são alguns exemplos da porosidade entre os dois universos.
Ao que tudo indica, a aliança entre a moda e o esporte continuará se mantendo em plena forma.