Em meados de 2014, os empresários Efraim e Raphael Horn, filhos de Elie Horn, o fundador da Cyrela, substituíram o pai no comando da incorporadora, que foi para o conselho de administração. A companhia sofria na época, como todo o setor, os efeitos de uma de suas piores crises.
Dos 74 lançamentos e de um Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 6,64 bilhões, em 2013, a Cyrela recuou para 37 empreendimentos lançados e um VGV de R$ 2,89 bilhões, em 2015.
Mas foi justamente nessa época que a Cyrela começou um projeto cuja base era “destruir” os seus alicerces para se aproximar de startups e dar início à construção de um ecossistema digital. E, agora, com o mercado imobiliário vivendo, enfim, uma retomada, a incorporadora começa a colher os frutos daquela reconstrução.
“A inovação é um caminho bem definido que a companhia quer explorar em todas as suas vertentes”, afirmou Efraim Horn, copresidente da Cyrela, ao NeoFeed. “Pouco a pouco, estamos desenvolvendo uma plataforma plural e multifacetada, que contribuirá para a perenidade do nosso negócio no longo prazo.”
A Cyrela entendeu que o modelo de negócios que foi a base de seu crescimento, antes restrito a construir, vender e entregar apartamentos, não seria mais suficiente para levá-la para o próximo estágio de expansão.
“Estamos com um apetite muito grande pelo novo e para ocupar mais espaços dentro da nossa cadeia”, diz Guilherme Sawaya, diretor de transformação digital da Cyrela, área criada em novembro do ano passado. “Podemos ter um portfólio mais abrangente para acompanhar as transformações do mercado. E, ao mesmo tempo, blindar a Cyrela contra as oscilações da economia.”
A nova diretoria reúne diversos projetos que foram desenvolvidos desde 2016. A estratégia teve início com a substituição de fornecedores tradicionais pelos novos modelos propostos pelas startups. De lá para cá, foram mais de 70 contratos assinados com empresas como QuintoAndar, Nuveo e Homelend.
Com o passar do tempo, esses contatos com o ecossistema de startups estimularam a estruturação de outras frentes, como o incentivo à adoção de uma cultura de inovação na companhia e a criação de novos negócios.
Dentro de casa
Com novos projetos no forno, a Cyrela já contabiliza alguns casos de negócios e iniciativas criadas internamente. E que começam a ganhar corpo. Esse é o caso do MIT Hub, coworking estruturado em meados de 2017, com o objetivo de impulsionar o ecossistema de startups ligadas ao setor imobiliário.
Fruto de uma parceria com empresas como Brasil Brokers, ZAP, Tigre e Duratex, o MIT Hub reúne atualmente 19 startups. Essas companhias recebem mentorias e têm acesso a conexões com representantes do segmento. Com o crescimento do projeto, a Cyrela e seus sócios na empreitada planejam ampliar o espaço, que hoje funciona em uma estrutura da incorporadora, em São Paulo.
Instalada até pouco tempo no hub, quem está de mudança é a CashMe, que oferece crédito com garantia imobiliária. Criada internamente na Cyrela, a fintech caminha para ser o primeiro spin-off da área de inovação da incorporadora.
Lançada em abril de 2018, a startup tem 70 funcionários. E está se transferindo para um escritório próprio, em São Paulo. “A CashMe é um exemplo de oportunidade que girava em torno do nosso negócio principal”, diz Sawaya. “Nós aproveitamos nosso conhecimento em avaliação de ativos para escalar a operação.”
Projeto desenvolvido por Sawaya, outra startup interna é a Mude.me. No ar desde agosto, o site é uma plataforma que ajuda a organizar festas de casamento. E traz como principal gancho a possibilidade de o casal trocar as famosas listas de presentes pela arrecadação de recursos para dar entrada em um imóvel próprio.
Além da Cyrella, o inventário disponível inclui empreendimentos de outras 17 empresas, entre elas, Setin, Trisul, Vitacon e You.Inc. Em cinco meses, o Mude.me tem mais de mil casais cadastrados e 347 apartamentos já escolhidos.
Possibilidades
Os caminhos da inovação na Cyrela combinam o mapeamento de iniciativas internas e oportunidades de mercado. Por meio de comitês, a empresa avalia se determinada frente é, de fato, uma oportunidade de negócio. E se é mais viável desenvolvê-la dentro de casa ou via parcerias, em diferentes formatos.
“Nós mapeamos entre 200 e 300 startups por ano e selecionamos as que mais nos interessam”, diz Sawaya. “A partir daí, podemos investir, incubar no MIT Hub, assumir o controle ou mesmo plugar no nosso ecossistema.”
Ainda em fase de formatação, a vertente de aquisições de participação em startups já conta com algumas iniciativas. Em novembro, por exemplo, a Cyrela investiu uma quantia não revelada na Fix, um marketplace que reúne 3 mil prestadores de serviços de reparos domésticos. Presente em São Paulo e em Porto Alegre, a plataforma tem mais de 20 mil usuários ativos.
As parcerias não estão restritas às startups. Também em novembro, o grupo anunciou uma joint venture com a Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) para explorar o segmento de locação residencial, com foco em imóveis de média e alta renda, em São Paulo. Na operação, a empresa detém uma fatia de 20%.
“As pessoas vão seguir morando, vamos precisar continuar a comprar bons terrenos e desenhar bons prédios”, afirma Sawaya. Ele ressalta que o que vai mudar é a relação que os clientes terão com os imóveis. Essa tendência é expressa, por exemplo, em novas propostas de mercado, como a Housi, plataforma de moradia sob demanda da Vitacon.
“Nós, obviamente, olhamos para esses movimentos, mas não acreditamos em extremismos”, diz Sawaya. “Estamos avaliando como atender os diferentes perfis e necessidades. Mas só vamos tirar do papel aquilo que, de fato, faça sentido.”
Entre as atividades da área de inovação, um das tarefas é a realização de provas de conceito. A ideia é, gradativamente, aprimorar processos e incorporar tecnologias e recursos digitais em cada departamento. Para esse ano, a meta é consolidar sete iniciativas desse porte.
Os temas e áreas ainda estão em definição. Além de inteligência artificial, o radar inclui, por exemplo, a possibilidade do uso de recursos de big data na busca por novos terrenos. “Daqui a dez anos, muito do que fazemos hoje, dos terrenos e projetos à construção, da venda à cobrança, será diferente.”
Ao mesmo tempo que se abre para ideias de fora, a Cyrela não deixou de lado a adoção de uma cultura de inovação interna. E, para isso, uma das formas encontradas é o Concurso de Ideias, que começou a ser implantado no ano passado. A cada três meses, a diretoria propõe quatro desafios diferentes, a partir das “dores” identificadas em determinados departamentos.
O concurso é aberto a propostas de qualquer funcionário da Cyrela. E envolve desde questões incrementais até demandas que exigem um componente mais inovador. As ideias passam por um primeiro filtro e são encaminhadas para a avaliação de um comitê, com a participação de Efraim.
Caso sejam aprovados, os projetos entram em fase de prototipação e validação. Em 2019, 48 ideias passaram pelo crivo inicial. Dessas, vinte foram ao comitê, das quais, nove foram aprovadas. No momento, quatro delas estão em desenvolvimento.
Retomada
Enquanto traça novos modelos para o futuro, a Cyrela vive um momento muito mais favorável quando comparado à época em que passou a reforçar seus investimentos em inovação. Na segunda-feira 20, a empresa divulgou a prévia operacional de seus resultados em 2019.
No período, a incorporadora alcançou um VGV de R$ 6,7 bilhões, o que representou um crescimento de 34,9% sobre 2018. No ano, as vendas totalizaram R$ 6,5 bilhões, alta de 30,1% na mesma base de comparação.
O desempenho foi destacado em relatório do BTG Pactual, que ressaltou os indicadores “robustos” e a visão positiva sobre a empresa. “Nós acreditamos que a Cyrela siga ganhando força”, escreveram os analistas Gustavo Cambauva e Elvis Credendio, que mantiveram a recomendação de compra das ações da companhia, mesmo sob o forte desempenho recente dos papéis.
Nos últimos 12 meses, as ações da Cyrela quase dobraram de valor e avançaram 96%. Cotadas a R$ 34,03, elas estão em patamar recorde. O valor de mercado chegou a R$ 13 bilhões.
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