Estamos vivenciando transformações cada vez mais rápidas e de maior amplitude. Um rápido olhar ao passado recente mostra quão impressionante é o ritmo das mudanças. Em 1995, há apenas 25 anos, éramos 35 milhões de navegantes na internet mundial. Hoje, somos mais de 4,6 bilhões, cerca de 59% da população mundial. Naquela época, 80 milhões usavam celulares. Atualmente, três em cada quatro pessoas do mundo tem um. Cerca de 3,5 bilhões de pessoas usam smartphones. Quatro empresas de tecnologia, Apple, Amazon, Microsoft e Alphabet (Google), já conseguiram ultrapassar a marca de US$ 1 trilhão de valor de mercado.

As mudanças não vão parar por aqui. Se pensarmos que entre 2020 e 2030 teremos pelo menos sete gerações da Lei de Moore, potencialmente teremos um aumento de 128 vezes na capacidade computacional. Para termos uma percepção melhor, 128 significa 2 multiplicado por ele mesmo 7 vezes. Isso pode significar máquinas pelo menos cinco vezes mais poderosas, a custos cinco vezes mais baratos e cinco vezes menores em espaço. Estas evoluções estarão em todas as tecnologias, como impressoras 3D, drones, sensores, smartphones, algoritmos, etc.

Coletivamente, essas evoluções tecnológicas serão a base para criar profundas transformações nos negócios. A jornada da transformação dos negócios pela revolução digital está desafiando e criando rupturas em todos os setores de indústria, criando novos modelos de negócio e novas maneiras de fazer uma empresa operar. A magnitude desta transformação não pode, em absoluto, ser ignorada pelos executivos das empresas.

Talvez nem todos os CEOs tenham percebido a amplitude desta transformação potencial que está à nossa volta. As inovações tecnológicas evoluem de forma exponencial, permitindo a criação de inovadores modelos de negócio que se chocam com os modelos estabelecidos há décadas. Disruptores digitais surgem cada vez mais rápido por uma simples razão: a distância entre uma ideia e a realização digital é agora tão pequena (e tende a diminuir continuamente), causada pelo baixo custo e pela facilidade de se construir soluções tecnológicas que mesmo um grupo de jovens com muito pouco dinheiro, e que não conhecem uma indústria, pode criar um novo e bem-sucedido modelo de negócios inovador.

A razão é que a inovação vem agora do mundo do software e não mais do mundo físico. Assim, o custo e velocidade mudam completamente, criando um cenário inteiramente novo. No mundo físico dois fatores limitantes são o capital e a informação. Mas com o barateamento das tecnologias de desenvolvimento de software, a barreira não é apenas reduzida, mas simplesmente destruída.

Pode-se a partir de um insight em um Starbucks criar um app em poucas semanas ou dias, com o poder de mudar todo um setor de negócios. Com a rápida disseminação de informações (acesso a eventos como TED, Coursera, papers grátis e incontáveis grupos de discussão) e o custo zero de ferramentas de desenvolvimento (SDK- System Development Kits) podemos facilmente considerar que o custo de desenvolver uma solução seja pelo menos dez vezes menor que há 20 anos. E pela facilidade de troca de ideias podemos ter dez vezes mais inovadores circulando por aí, colocando sua imaginação em prática.

O resultado? Pelo menos 100 vezes mais potencial de inovação disruptiva hoje que há duas décadas. E daqui a dez anos provavelmente será 1.000 vezes mais! Inovação disruptiva significa competição inesperada, de onde menos se espera.

O mundo digital é anabolizado pelo software e a fórmula da ruptura neste novo mundo é simples, mas devastadora. Disrupção = pessoas com ideias digitais inovadoras + infraestrutura tecnológica barata (cloud computing, SDK, etc.). Em cloud computing, vemos uma competição agressiva chamada de “race to zero”, em que os custos tendem a cair a zero.

Um efeito colateral é que a falha hoje é menos impactante. Como o custo de colocar de pé uma ideia é muito baixo, uma falha não pesa tanto quanto no mundo analógico. Não existem ativos a serem desmobilizados. Nem existe um data center, pois não faz sentido pensar em criar um data center para uma ideia digital e nem licenças de software que não precisam mais ser adquiridas.

Como o custo de colocar de pé uma ideia é muito baixo, uma falha não pesa tanto quanto no mundo analógico

O desafio é que muitos executivos formados no mundo analógico ainda não perceberam o quanto isso mudará o mundo dos negócios. A ruptura digital não afeta apenas indústrias tipicamente digitais, como mídia e música, mas toda e qualquer indústria. Na mídia, já é indiscutível. Os leitores já gastam diariamente quatro vezes mais tempo consumindo informações por tablets e smartphones do que por veículos impressos. Qualquer que seja o setor de indústria, os CEOs devem perguntar a si mesmo:

a) o meu atual modelo de negócios resistirá a tentativas de ruptura causado por um novo entrante nascido na era digital?

b) esta mudança, se houver, será rápida, ou ainda me permitirá uma transição suave?

c) o que eu preciso fazer para transformar meu modelo de negócios atual e a cultura de minha empresa para me reposicionar no mundo digital?

O que fazer? Antes de mais nada adotar um modelo mental que saia da caixa e até mesmo nem considere a caixa. Entender que um profundo conhecimento de sua indústria não necessariamente o fará ser disruptivo nela, pois a tendência é limitar nossa criatividade aos limites atuais impostos pela indústria que conhecemos. A competição na sua indústria virá de outra indústria.

Aliás, nem tem muito sentido as empresas de consultoria ainda falarem em segmentos por indústria. Cada vez mais a competição é transversal, com os limites da competição e inovação entre as indústrias simplesmente deixando de existir. Uma inovação em uma indústria chega rapidamente a outra. E a ruptura em uma pode afetar de forma dramática outra completamente diferente.

Alguém imaginou que um Google, que começou como um simples buscador da Web, destruiria o valor de uma empresa fabricante de celulares tão sólida quanto a Nokia? Ou que um fabricante de micros como a Apple mudaria a indústria de música? Em tempo, a própria Apple destruiu o seu negócio de iPod para entrar em um novo modelo, de streaming de vídeo.

Transformação digital ainda gera dúvidas até mesmo quanto sua definição e abrangência. Considero que a jornada da transformação digital é incorporar tecnologias digitais para permitir mudanças radicais na maneira como a empresa opera e como faz negócios. Por ser um fenômeno novo, não sabemos bem o que é, mas já sentimos que existem mudanças significativas acontecendo aqui e ali, sinais claros do embrião de uma revolução.

Transformação digital ainda gera dúvidas até mesmo quanto sua definição e abrangência

Estamos trilhando os primeiros passos, mas que ao longo dos próximos anos vão desmontar empresas e até setores consolidados, funções e empregos existentes vão desaparecer e outros surgirão em seu lugar, competidores vão surgir de lugares inesperados, criando novos setores de indústria.

Como então começar a jornada pela transformação digital? Não é comprando e implementando tecnologias sem um mapa claro de onde se quer chegar. A jornada pela transformação digital começa com uma estratégia de digitalização do negócio. Para definir esta estratégia, em um cenário onde a única certeza é a incerteza, não será suficiente olhar os problemas de negócio atuais, mas precisamos olhar como as tecnologias digitais poderão impactar o negócio, criando rupturas (por exemplo, a shared economy e novos entrantes) e a partir deste contexto, desenhar seu mapa de onde você quer chegar. Ou seja, tente fazer uma engenharia reversa de um futuro imaginado e crie as ações para sair do hoje e chegar lá.

Algumas barreiras devem ser quebradas. Afinal, não estamos falando de inovação incremental (esta é o dia a dia, melhorias dos modelos e processos existentes), mas de inovação transformacional: ruptura de modelos, novas categorias de produtos e canibalização do próprio negócio. Muitas empresas não têm o DNA de transformação. A cultura organizacional é uma barreira difícil de vencer. Onde você posiciona a cultura de sua empresa?

a) é inovadora (first mover) por natureza?

b) é uma seguidora rápida (fast follower)? Estas são as que acompanham de perto as inovadoras e tentam segui-las o mais rápido possível, evitando os erros do pioneirismo.

c) é cautelosa, que atua de forma proativa em mudanças, mas age apenas quando já existem “best practices” consolidadas?

d) é retardatária ou laggard, que basicamente adotam o lema “meu negócio deu certo assim. Por que mudar? ”?

A grande maioria das empresas que sistematicamente desaparece da lista da Fortune 500 faz parte dos grupos de empresas cautelosas e retardatárias. Infelizmente, para cada Google, Amazon, Airbnb e outras empresas que assumem riscos a cada instante, existem milhares de outras que se mantém no seu canto, confiando seguras que seu setor se perpetuará protegido: seja por regulação ou por aversão a riscos, mas com as mudanças acontecendo de forma tão dramáticas e rápidas, os custos da inação tenderão a se tornar bem maiores que os custos dos riscos.

A jornada da transformação digital requer uma nova mentalidade, um modelo mental digital. Implementar uma cultura digital passa inclusive por contratação de executivos e funcionários que pensam digital. Nativos digitais ou mesmo “naturalizados digitais” atuam no mundo digital de forma muito mais natural que os migrantes digitais, receosos de mergulhar fundo na transformação digital. Afinal, não é o mundo onde se formaram e se prepararam profissionalmente. Existe a tendência natural de se sentirem inseguros neste novo contexto.

Implementar uma cultura digital passa inclusive por contratação de executivos e funcionários que pensam digital

Fazer a transição para o mundo digital não é questão de opção. É pura sobrevivência. Na verdade, para as empresas tradicionais, criadas antes da internet, com modelos de negócio estabelecidos e sólidos, fazer esta transição, pensar e agir como uma empresa digital não é uma tarefa simples.

Segundo uma pesquisa realizada nos EUA, pelo MIT Center for Digital Business, empresas que investem numa cultura digital tem desempenho financeiro superior as que não investem. Os números mostram que as empresas digitais superam a média do mercado em 9% no faturamento e em 26% na lucratividade.

Apesar disso, entre as grandes empresas do mundo, a estrutura que possibilita o negócio pensar digital ainda é pequena. Apenas 20% dos conselhos de administração têm um membro responsável pela estratégia digital e apenas 10% das empresas contam com diretores responsáveis por esta estratégia.

Poucas empresas poderão se transformar em uma pure play digital como um Google, Spotify ou Uber. Portanto, deverão adotar a digitalização de forma integrada com o mundo atual. Para isso, é necessária uma estratégia digital que permita incluir relevantes capacidades digitais em seus produtos e serviços, talvez até canibalizando muitos deles.

Pensar e agir digital, entretanto, não é apenas questão de adotar tecnologias de forma massiva e espalhá-las pela organização. É uma maneira de pensar e agir, que envolve mudanças nas estruturas organizacionais, nos seus talentos, indicadores de desempenho, modelos de governança e na sua relação com seus clientes e ecossistemas. Aprender com as empresas nativas digitais é um bom caminho a trilhar.

Qual o cenário competitivo que enfrentamos? De setores bem definidos, com competidores estabelecidos e conhecidos, para setores convergindo e assumindo atividades de outros. Startups desconhecidas crescendo de forma rápida e tomando espaço tão arduamente conseguido por empresas estabelecidas por décadas. Usuários cada vez mais empoderados pela tecnologia e informações, sabendo mais que você sobre você mesmo e novos modelos econômicos como a shared economy que mudam por completo o seu modelo de negócios.

Diante deste cenário, de mudanças disruptivas passando a ser o “novo normal”, devemos nos perguntar “e o que virá agora?” E não apenas observando de longe e tentando reagir, postumamente, às disrupções. A mudança disruptiva já é uma condição do mundo atual. O importante é pensar em como manter algum tipo de estabilidade dentro deste contexto.

Com a aceleração provocada pela pandemia, a transformação digital vai atingir de forma disruptiva todos os setores, em maior ou menor grau. É a base da fundação de uma transformação muito mais ampla, que é a transformação dos negócios na era digital. Portanto é apenas o ponto de partida, a base, que vai nos permitir construir novos e inovadores negócios.

Com a aceleração provocada pela pandemia, a transformação digital vai atingir de forma disruptiva todos os setores, em maior ou menor grau

Isso vai acontecer muito mais rápido que pensamos. O sucesso nesta jornada, inevitável, sob risco de desaparecimento do próprio negócio, depende menos das tecnologias em si, mas muito mais da capacidade das empresas e seus executivos compreenderem sua amplitude, e o desafio de implementarem suas estratégias digitais em tempo hábil.

Portanto, aja como um disruptor, antes que outro o seja. Pense que seu negócio estabelecido há dezenas de anos não garantirá sua sobrevivência nos próximos dez anos. E faça a disrupção no seu negócio antes que outro o faça. A sua indústria de hoje provavelmente não será a mesma de amanhã.

*Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.