Catorze executivos da área de tecnologia e inovação do Bradesco estiveram reunidos no metaverso para uma reunião estratégica no fim do ano passado. Eles ocuparam uma sala do Inovabra Habitat, o centro de coinovação do banco, que foi reproduzida no universo virtual. A ideia era que todos pudessem ter a percepção de como seria um encontro com clientes fora do mundo real.
A interação “quase física”, como descreveu Fernando Freitas, head de inovação do Bradesco e responsável pela seleção de startups que vão entrar na carteira do banco, são um indicativo do caminho que a instituição financeira comandada por Octavio de Lazari Junior vai tomar em 2023.
“Estamos olhando fintechs com casos de uso que entendem as necessidades dos clientes. Hoje, por exemplo, temos quatro experimentos de metaverso que geram esse valor”, diz Freitas. “Há várias oportunidades no mercado interessantes para o setor financeiro, sem aquela premissa de crescer a qualquer custo e a qualquer preço.”
Neste ano, o Bradesco tem quatro modelos de startups como prioridade de aporte: regulação, tecnologias emergentes, experiência do cliente e mudança de modelos do setor bancário.
No ano passado, foram apresentadas 161 fintechs para diferentes áreas do banco e o Bradesco fechou 14 contratos de open innovation - mais do que dobrando o número fechado em 2021, quando foram feitos seis acordos.
Entre as contratadas pelo Bradesco estão Teddy (plataforma de marketplace financeiro), Ololu (plataforma digital para venda de consórcios), LegalBot (plataforma SaaS de compliance regulatório), além da investida da inovabra ventures Semantix (empresa que desenvolve soluções de big data, IoT e inteligência artificial), que abriu o capital na Nasdaq por meio de uma SPAC em agosto do ano passado.
A ideia para 2023, no entanto, é ser mais seletivo nas escolhas. Não há um número mínimo fechado para ser batido, mas é preferível que as fintechs já tenham passado por aportes de séries A e B e estejam num estágio avançado de maturidade. O tamanho dos cheques é acima de R$ 10 milhões. “Temos três estímulos que buscamos: a aderência ao que fazemos, a qualidade do portfólio e os resultados”, afirma Freitas.
Um dos alvos são as fintechs que consigam entender o momento dos ativos digitais. A regulação tem evoluído rapidamente, tanto do lado do Banco Central, com o Pix e o open finance, como da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com novas regras para entrar em vigor ao longo do ano.
A maior preocupação é o real digital, a moeda digital do Banco Central. Roberto Campos Neto, o presidente da autoridade monetária, disse recentemente no CEO Conference 2023 que vai “começar já”. Nessa fronteira do blockchain, uma das investidas é a R3, startup liderada por David Rutter e Todd MacDonald que atraiu um consórcio de 80 bancos em todo o mundo.
“O real digital mudará a infraestrutura do setor financeiro e ajudará a destravar a Web 3.0, a tokenização, a DeFi”, diz Freitas. “Esse é um salto de integração importante na visão do Bradesco, assim como as tecnologias emergentes com aplicação no negócio.”
Para o executivo, a inteligência artificial (AI) é a tecnologia que vai dominar o setor ao longo do ano, principalmente com a personalização da experiência. O metaverso, que foi o ambiente da reunião estratégica do banco, entra nesta segunda prioridade.
Um exemplo prático dessa busca, que une as tecnologias emergentes e a experiência do consumidor, é o aplicativo desenvolvido pela investida SmartBrain, que já está em uso. O agregador de investimentos do cliente permite a visão dos ativos de renda fixa e variável também em outras instituições financeiras.
No ano passado, o orçamento do inovabra foi R$ 2,9 bilhões, 30% do total de R$ 9,75 bilhões destinados à área de tecnologia do banco. O valor da inovação compreende tanto a parte de venture como os laboratórios de pesquisa e desenvolvimento internos e o habitat, o edifício de coinovação com 230 startups em fases distintas de desenvolvimento.
O montante para o ano é definido conforme os resultados do Bradesco, que deve enfrentar enormes desafios no ano, como mostrou o balanço do quarto trimestre.
Formado em estatística na Universidade de Brasília, Freitas trabalhava no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com políticas públicas de inovação antes de se juntar à tesouraria do Bradesco, em 2008. De lá passou para o departamento de economia, onde a inovação era um embrião.
Em 2015, quando o banco ainda era comandado por Luiz Carlos Trabucco, hoje presidente do Conselho de Administração, a área de inovação ganhou mais relevância e Freitas foi deslocado para comandá-la.
Ele conta que o banco demorou cinco anos para aprender a trabalhar com startups, mas, uma vez aprendido, diz que o Bradesco sabe como acelerar. Os próximos movimentos vão mostrar se a velocidade foi maior que a da concorrência.
O Bradesco, no entanto, não é a única instituição financeira preocupada com a inovação. Em 2015, o Itaú cofundou o Cubo com a Redpoint eventures e ao longo dos anos outras empresas se uniram a ela como mantenedoras do espaço conhecido como a curadoria das startups.
Segundo estimativas conservadoras, mais de R$ 2 bilhões de recursos em fundos de CVCs foram anunciados em 2022, mais do que o dobro do ano passado. São mais de 100 empresas investindo em startups, a maioria delas usando capital do balanço, como a Deloitte Ventures, em vez de estruturar um fundo de investimento.
Entre os fundos de CVC anunciados em 2022 estão a Telefônica/Wayra, que divulgou um investimento de R$ 320 milhões; a B3, que criou a L4, com R$ 600 milhões; a Suzano, com R$ 350 milhões; a Vale, que vai apostar R$ 300 milhões em CVC; a Braskem, com R$ 500 milhões; e a Ânima, com R$ 150 milhões.