Com o intuito de promover o entendimento das questões mais técnicas relacionadas ao cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (nº 13.709/2018), e para fortalecer a disseminação de uma cultura de proteção de dados no país, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) dedicou esforços em 2021 para promoção de cultura de proteção de dados por meio da publicação de uma série de conteúdos orientativos, no formato de Guias, além de seguir com a regulamentação da legislação através de Portarias, Regimentos e Regulamentos.

Um dos últimos materiais produzidos pela Autoridade foi direcionado à harmonização da LGPD com o tema eleitoral, tendo em vista que será uma das pautas mais quentes de 2022 através do lançamento do "Guia Orientativo: Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) pelos agentes de tratamento no contexto eleitoral", e que tem como objetivo colaborar com um ambiente saudável para as eleições.

Nesses esforços para aumentar a aderência da lei e a conformidade nas adequações, o Conselho Diretor da ANPD aprovou em outubro o Regulamento do Processo de Fiscalização e do Processo Administrativo Sancionador, o qual foi objeto de debates entre agentes públicos e privados, bem como de consulta pública, e que teve a participação do sócio do Peck Advogados, Marcelo Crespo. Faz parte das competências normativas, fiscalizatórias e sancionatórias do órgão e serve para estabelecer os procedimentos inerentes ao processo administrativo relacionado à aplicação das multas.

Conforme ficou definido pela ANPD, o processo de fiscalização será norteado por atividades de monitoramento, orientação e prevenção, e em caso de atuação repressiva, a ANPD instaurará um processo administrativo sancionador, que comtempla a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), cujas regras seguirão regulamentação própria a ser editada pela Autoridade e as legislações aplicáveis.

O regulamento é aplicável aos titulares dos dados, aos agentes de tratamento, pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, e demais interessados no tratamento de dados pessoais. Outro ponto importante é que a decisão de admissibilidade do terceiro interessado será administrativa e irreconhecível, sendo que ele terá acesso somente aos documentos e peças processuais pública, o que garante ao controlador a preservação dos seus documentos sigilosos.

Vale destacar que Regulamento trouxe como regra a realização dos atos administrativos por meio eletrônico, inclusive por meio de videoconferências, dispondo da possibilidade de atos de comunicação por suporte físico de forma excepcional. Trata-se de uma inovação no poder público, que visa dar celeridade no trâmite processual.

Os prazos para defesa, alegações finais e recursos, todos de até 10 dias, serão contados similarmente ao Código de Processo Civil, em dias úteis, e as regras já têm em consideração possíveis instabilidades no sistema, o que é fundamental considerando que muitos procedimentos serão, em regra, virtuais.

No caso do titular dos dados, o primeiro passo é recorrer ao controlador para que possa submeter seu requerimento à ANPD, caso sua solicitação não tenha sido atendida no prazo estabelecido pela regulamentação ou pela LGPD. A Autoridade poderá receber denúncias anônimas, desde que não seja necessário o conhecimento do autor para a apuração dos fatos.

Outro ponto importante trazido no Regulamento é a atuação conjunta com órgãos e entidades da administração pública (por exemplo, competência fiscalizatória para atuação com autoridades de outros países e com órgãos e entidades públicas no processo de fiscalização). Por exemplo, em outubro a ANPD passou a integrar a Rede Ibero-Americana de Proteção de Dados, justamente para estabelecer instrumentos de colaboração institucional entre Autoridades e promover a disseminação do direito à proteção de dados pessoais.

O primeiro ciclo de monitoramento da ANPD terá início em janeiro de 2022, com periodicidade anual, e critérios como avaliação, prestação de contas e planejamento das atividades da ANPD

O primeiro ciclo de monitoramento da ANPD terá início em janeiro de 2022, com periodicidade anual, e critérios como avaliação, prestação de contas e planejamento das atividades da ANPD. Será ainda publicada a Política Nacional de Proteção de Dados que deverá nortear a fiscalização, bem como há expectativa sobre quais serão os setores críticos envolvidos nesta primeira rodada.

Embora o Regulamento apresente avanços e permita que fiscalizados e fiscalizador entendam melhor as regras procedimentais estipuladas, a proporcionalidade das medidas foi contemplada apenas no art. 39 do Regulamento, de forma genérica e sem o detalhamento esperado, já que é sabido o desafio de estebelecer uma proporcionalidade regular e ajustada entre tipos sancionadores.

Dessa maneira, a ANPD segue com seu papel educativo tanto na divulgação e esclarecimento de dúvidas, quanto na medida de estabelecer diretrizes a todos que estão sujeitos pela LGPD. Faz parte de um intenso trabalho para transformar comportamentos e resultar numa mudança cultural em prol da segurança. Isso porque a LGPD tem como principal premissa a proteção de dados e não a proibição. Ela permite o uso de dados pessoais desde que haja transparência com finalidades específicas.

O desafio agora, principalmente para as empresas, é de conseguir efetivamente implementar seus programas de Privacidade e Proteção de Dados e alcançar um grau mínimo de maturidade inclusive para fins de passar adequadamente no ciclo de monitoramento e fiscalização da autoridade.

Pelo visto, 2022 promete ser um ano agitado na pauta da LGPD, tanto no tocante a frente eleitoral, como no tocante ao fortalecimento das linhas de defesa para aumentar o combate aos ataques cibernéticos e sequestro de dados com uma fiscalização mais ativa e responsiva ocorrendo pela ANPD. São esperados ainda para início do ano a regulamentação para Pequenas e Médias Empresas bem como também o Guia Orientativo para tratamento de dados de Crianças e Adolescentes.

Patricia Peck é sócia do Peck Advogados e Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD)