Preço e praticidade são as principais justificativas dos compradores que já migraram para o varejo online - que hoje supera as vendas em lojas físicas. Diferentes pesquisas indicam que nas grandes redes varejistas do país predomina o comércio feito pela internet. A expectativa é que novos recordes sejam batidos com as liquidações e promoções da Black Friday.
Mas, como toda inovação que é incorporada à sociedade, surgem também os riscos e as lacunas resultantes do fenômeno de rápida obsolescência legislativa. Isso porque o Direito precisa conseguir acompanhar a velocidade das mudanças causadas pela inovação tecnológica sob pena de não garantir mais segurança jurídica-social.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um site de classificados virtuais não pode ser responsabilizado por fraudes cometidas por terceiros. Pelo voto da ministra Nancy Andrighi, que citou meu livro como referência na sua justificativa, a responsabilidade das plataformas de comércio eletrônico aumenta na medida da sua participação no resultado do negócio.
Isso porque existe uma diferença importante entre os sites que prestam apenas serviço com classificados - que auferem receita por meio de anúncio publicitário - daqueles que atuam como intermediadores nas vendas e recebem uma comissão pelo negócio fechado. Estes podem vir a ser condenados a reparar prejuízos de consumidores.
Uma plataforma que oferece meios de pagamento deve garantir segurança na transação. Caso receba uma comissão com a venda, deve estar envolvido na entrega correta, no prazo e inclusive no cancelamento. Existem duas premissas para definir a aplicação da responsabilidade nos casos que envolvem plataformas na internet:
1º. Transparência: que significa o dever de prestar informações claras;
2º. Diligência: que significa agir de forma rápida e adequada conforme o grau de envolvimento com a relação de compra e venda de produto ou serviço envolvido.
Quanto a isso, é sempre necessário analisar em qual nível e/ou estágio se encontra a plataforma:
Estágio 1: informacional – uma plataforma de classificados onde o relacionamento limita-se a prestar uma informação sobre a oferta, ou seja, um site de anúncios. Aqui o maior cuidado é a cautela no sentido de evitar anúncios de produtos e/ou serviços ilícitos no país (com venda proibida). No entanto, como site de classificados, não há envolvimento com as partes, elas devem acordar preço, forma de pagamento, entrega. O site não tem envolvimento na transação. É apenas um canal que aproxima as partes.
Estágio 2: transacional – onde o site além de prestar a informação (anúncio), também realiza a transação comercial (com o meio de pagamento incorporado) – chega ao ponto de ter carrinho de compra e efetivar a transação (por meio de boleto, cartão, Pix). Neste caso, há também uma obrigação pela segurança da operação, para que evite riscos relacionados à fraude de pagamento, além de canal de suporte se houver necessidade de cancelamento daquela operação/transação (do negócio).
Estágio 3: participação no resultado – onde o site além de prestar informação, realizar a transação comercial, se envolver na entrega do produto, também recebe comissão, funcionando como agente e/ou intermediador da transação (participação no resultado da venda), estando intrinsecamente ligado ao resultado. Nestas situações, há praticamente um endosso, que gera confiança para o cliente realizar a operação. É comum serem utilizados recursos tecnológicos, como algoritmos e inteligência artificial, para fazer o produto chegar até o cliente (e-mail ou mídias sociais).
Conforme o estágio, maior a responsabilidade pelo resultado auferido. Ou seja, risco, receita e a responsabilidade andam de mãos dadas.
Devemos lembrar que se o vendedor estiver aplicando um golpe, o site onde o produto foi ofertado também é vítima e tem sua reputação afetada. Por isso, entra a avaliação da diligência, para que o site haja sempre para coibir este tipo de prática, evite sua nova ocorrência, e descadastre o vendedor que teve conduta ilícita.
Não por acaso muitas plataformas criaram sistemas de pontuação de atendimento, para justamente monitorar sua rede, que vai muito além de medir a satisfação do seu usuário. É porque têm um dever de diligência, para manutenção de sua reputação e apoiar na fidelização. Afinal, um mau vendedor afeta o marketplace e afugenta a clientela. São novas soluções que ajudam a proteger o cidadão, garantir a livre concorrência e fomentar o desenvolvimento econômico-social sustentável.
Patricia Peck é CEO e sócia fundadora do Peck Advogados, Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e Professora de Direito Digital da ESPM.