As healthtechs fecharam 2020 com 53 aportes de fundos de venture capital no País, atrás apenas das fintechs, segundo o hub de inovação Distrito. A distância entre as cifras, no entanto, ainda é grande. Enquanto as primeiras atraíram US$ 106,1 milhões, as startups financeiras captaram US$ 1,7 bilhão.
A projeção para 2021, porém, é de que a saúde seja o destino de cheques cada vez mais polpudos. Reforçando esse diagnóstico, a healthtech Alice anuncia nesta quinta-feira, 11 de fevereiro, um aporte série B de US$ 33,3 milhões (R$ 180 milhões), liderado pelo ThornTree Capital Partners e com participação da Endeavor Catalyst.
Os fundos que já eram acionistas da operação, Kaszek Ventures, Canary e Maya Capital, seguiram a rodada. Até então, a startup, que também conta com nomes como David Velez, fundador do Nubank, entre seus investidores, já havia captado US$ 14,5 milhões.
Além do valor envolvido, a velocidade com que a novata vem despertando o apetite dos investidores chama atenção. Com a premissa de atuar como gestora de saúde individual, a Alice chegou oficialmente ao mercado há apenas sete meses.
“O produto vem tendo grande aceitação”, diz André Florence, cofundador e CEO da Alice, em entrevista ao NeoFeed. “Fazer uma rodada agora, depois de tão pouco tempo de lançamento e nesse patamar, só prova que estamos no caminho certo.”
Se a trajetória da empresa ainda é curta, seus fundadores já têm uma boa bagagem no mercado. Florence foi CFO da 99, enquanto Matheus Moraes presidiu a companhia, o primeiro unicórnio do País. Guilherme Azevedo, por sua vez, foi um dos fundadores da dr.consulta.
Com essas credenciais, o trio começou a formatar a Alice em março de 2019, de olho em um mercado que movimenta mais de R$ 220 bilhões e cresce, em média, 20% ao ano, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Sob o conceito de atenção primária, a Alice, que é regulamentada pela ANS, vai na contramão dos planos de saúde tradicionais, tanto na abordagem como na busca por uma oferta menos padronizada. A começar pela contratação do produto, feita 100% via aplicativo.
O passo inicial envolve uma consulta de imersão com o que a startup chama de Time de Saúde, composto por médicos, enfermeiras, nutricionistas e preparadores físicos. A partir desse primeiro contato, a equipe monta um plano de ação em linha com os objetivos de saúde daquele usuário.
Esse mesmo time fica à disposição do paciente – chamado na Alice de “membro” – a qualquer momento, por meio de um aplicativo que também registra todo o histórico de saúde e de interações do segurado. O plano traçado é checado periodicamente e, se preciso, revisado.
“Nós sabemos se a pessoa pretende ter filhos, quando, se está com algum problema ou se quer, por exemplo, se preparar para uma maratona”, explica Florence. “E acompanhamos ela nessa jornada. O foco é a promoção da saúde da pessoa e não em doença.”
O setor movimenta mais de R$ 220 bilhões e cresce, em média, 20% ao ano, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
O modelo também oferece consultas presenciais na Casa Alice, unidade montada pela startup no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. E conta com uma rede adicional de médicos de diversas especialidades, além de atendimento hospitalar e exames em instituições parceiras.
Atualmente, esse leque inclui o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital Sabará e o ProMatre Maternidade, todos na capital paulista. Assim como a rede disponível no segmento de diagnósticos, que envolve as unidades dos laboratórios Fleury e A+, ambos do Grupo Fleury.
O valor da mensalidade varia conforme as escolhas feitas pelo usuário. O preço, por exemplo, de um plano de um segurado de 30 anos, a idade média das pessoas que contratam o produto da Alice, parte da faixa de R$ 650.
A healthtech vem registrando um crescimento médio mensal de 51% desde o lançamento da sua plataforma. Atualmente, são 1,1 mil membros e a estimativa é quintuplicar essa base até o fim do ano.
Outros números traduzem o avanço desse modelo. Segundo dados preliminares compilados junto a esses segurados, 81% já melhoraram sua saúde mental; 71%, sua qualidade de vida; e 47% deixaram de ser obesos.
Destino do aporte
A partir desses indicadores, a Alice já definiu como irá aplicar os recursos da nova rodada. Uma primeira frente será a ampliação das equipes nas áreas de saúde, tecnologia e negócios. Do quadro atual de 130 profissionais, o plano é abrir, no mínimo, mais cem vagas até o fim do ano.
Aumentar a lista de parceiros é outra prioridade e a cidade de São Paulo seguirá sendo o foco nessa expansão. A empresa descarta, no médio prazo, chegar a outras praças, mas já conta com cobertura nacional para casos de emergência.
Em paralelo, a ideia é reforçar um dos preceitos do produto. “Vamos ampliar o leque de variáveis na simulação das contratações, para que as ofertas fiquem ainda mais personalizadas”, observa Florence.
Embora não revele detalhes, a Alice também está desenvolvendo uma nova versão do portfólio para que os planos possam ser contratados por empresas, que irão oferecê-los como um benefício aos seus funcionários.
A empresa já tem uma lista de espera em seu site. Entretanto, segundo Florence, o novo canal não irá alterar a orientação de gestão individual proposta pela healthtech. “Já existe uma movimentação de companhias estimulando e reembolsando a contratação por seus funcionários”, diz.
A abordagem de tratar mais da saúde e menos da doença e o acompanhamento mais próximo do segurado são apontados como diferenciais da Alice por uma fonte do setor, que destaca, porém, alguns barreiras a serem trabalhadas e superadas pela startup.
“Eles têm atacado, ao menos inicialmente, tíquetes maiores e um público que, além de mais restrito, talvez seja o menos insatisfeito com os produtos aos quais têm acesso”, diz. “Ao mesmo tempo, será um desafio manter esse conceito de atendimento personalizado conforme o negócio ganhar escala.”
Em sete meses, a Alice conquistou uma base de 1,1 mil usuários
A Alice também não é a única healthtech a investir em novos formatos no segmento. Fundada em 2018, a Sami, por exemplo, também está com o caixa reforçado, depois de captar, em outubro, R$ 86 milhões em uma rodada liderada pelo Valor Capital e pela Monashees.
Com o aporte, a Sami, que usa tecnologia e dados para reduzir as ineficiências das operadoras do setor, decidiu criar seu próprio plano de saúde, com foco na atenção primária e voltado a pequenas e médias empresas e profissionais liberais em São Paulo. Para lançar o produto, a empresa costurou parcerias com o hospital Beneficência Portuguesa e a clínica de baixo custo Labi.
A relação de healthtechs nesse espaço inclui ainda nomes como a Qsaúde, comandada por José Seripieri Júnior, fundador da Qualicorp. Com acesso a serviços como os médicos de família da Clínica Eistein, a empresa chegou ao mercado recentemente, com um investimento inicial de R$ 120 milhões.
Quem também está capitalizada é a ViBe Saúde, cujo modelo, centrado em empresas e clientes individuais, mescla um aplicativo de telemedicina com recursos de cuidados em saúde. Há cerca de um mês, a empresa anunciou um aporte de R$ 54 milhões, liderado pelo fundo Webrock Ventures.