Em setembro do ano passado, o executivo Rodrigo Abreu ainda era o diretor de operações da Oi, prestes a assumir o comando da companhia, quando deu uma entrevista ao NeoFeed.
Na ocasião, ele traçou um plano de recuperação para a operadora de telefonia, que está em concordata, que previa a venda de ativos e transformação da companhia na maior empresa de fibra óptica do Brasil. Mas avisou: não vai ser rápido.
“No mercado de infraestrutura, se você não tiver paciência, é melhor investir em outra coisa”, disse Abreu, na entrevista. “O investidor de infraestrutura que espera retorno em um ano é um especulador, não é um investidor.”
O mercado, impaciente, não levou muita fé nas palavras do executivo. E até mesmo Eurico Teles, quando deixou a presidência da Oi, em dezembro do ano passado, cometeu um sincericídio que mostrava o tamanho do desafio que Abreu teria pela frente. “Essa companhia é só pepino”, disse o executivo.
Mesmo quando Abreu anunciou, em junho deste ano, um plano de divisão da Oi em duas companhias – a Infra Co, de fibra óptica, e a Oi Client Co, de serviços para clientes residenciais, empresariais, governo e no atacado –, o mercado reagiu de forma morna.
O plano, que precisa ainda ser aprovado em assembleia de credores, previa a venda de quatro ativos: as torres, os data centers, a operadora móvel e uma fatia majoritária da Infra Co. No total, se vendidos pelo preço mínimo, o caixa da Oi será abastecido por R$ 22,8 bilhões.
Mas nada disso mudou o humor do mercado sobre a Oi. De maneira geral, a percepção era de que a venda de ativos poderia aliviar a situação da operadora, que tinha uma dívida líquida de R$ 18,1 bilhões e havia divulgado um prejuízo de R$ 6,25 bilhões no primeiro trimestre de 2020. Isso seria apenas um respiro temporário.
Pior: os ativos de telefonia móvel seriam vendidos pelo preço mínimo de R$ 15 bilhões, por falta de concorrência. Só TIM, Vivo e Claro se interessariam pela Oi Móvel e iriam se unir para comprar e fatiar os clientes e o espectro de frequência. A leitura, de certa forma, estava correta. Tanto que o trio de teles fez a oferta mínima, acreditando que não haveria competição.
Mas o que deveria ser uma venda protocolar e sem emoção está se transformando numa disputa acirrada para saber quem vai levar a Oi Móvel desde que a Highline, controlada pelo fundo americano Digital Colony, fez uma oferta melhor do que Vivo, TIM e Claro e ganhou a preferência para uma negociação exclusiva até 3 de agosto.
“A Oi está muito melhor do que seis meses atrás”, diz uma fonte que acompanha o desenlace dessa negociação. “Daqui a dois anos, ela não terá o business móvel. Será muito menor, mas estará fortalecida, terá uma receita recorrente e será sócia da maior empresa de fibra óptica do País.”
Dessa vez, o mercado reagiu euforicamente às notícias. As ações ordinárias (OIBR3) saltaram 315% desde o piso deste ano, em março. As preferencias (OIBR4), no mesmo período, avançaram 277%, com giro bilionário nos últimos dias.
Um indício do apetite dos investidores pelas ações da Oi é os que clientes da XP, quando acessavam o aplicativo, recebiam a mensagem de que a corretora estava sem disponibilidade de aluguel do papel.
Mesmo com esse avanço dos papéis, a Oi vale bem menos do que suas rivais. Com a alta das ações, o seu valor de mercado atingiu R$ 14,2 bilhões. A Vivo tem capitalização de R$ 86,3 bilhões. A TIM, de R$ 35,4 bilhões.
A euforia do mercado não deixa de ser uma vitória pessoal de Abreu - procurado, ele não retornou aos pedidos de entrevista. Há, agora, a percepção de que, longe de todos os problemas da Oi estarem resolvidos, há, enfim, uma luz no fim da concordata.
Há, agora, a percepção de que, longe de todos os problemas da Oi estarem resolvidos, há, enfim, uma luz no fim da concordata
E não é só a Oi Móvel que está atraindo o interesse de investidores. A própria Highline, cujo negócio principal é o aluguel de torres de celulares, fez uma proposta pelas torres da Oi de R$ 1 bilhão.
A Infra Co conta com 10 interessados em sua compra. A Highline está também no páreo, além do BTG Pactual, através de um fundo de private equity sob sua gestão.
Neste ativo, o plano da Oi é vender de 25% a 51% do capital total (51% do capital votante). O comprador terá de pagar um preço mínimo de R$ 6,5 bilhões, assumir dívidas de R$ 2,4 bilhões e se comprometer com um investimento de R$ 5 bilhões. No total, o negócio, que deve ficar para o primeiro trimestre de 2021, sairia por pelo menos R$ 13,9 bilhões.
Mas toda essa euforia precisa ser vista com cautela. As notícias atuais são apenas o preâmbulo da venda dos ativos. “A Oi tem ainda um longo caminho pela frente”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria especializada em telecomunicações Teleco. “O primeiro obstáculo é a assembleia de credores.”
A assembleia de credores, que deve acontecer no fim do agosto, precisa aprovar o aditivo ao plano estratégico que prevê a divisão da Oi em duas empresas e a vendas dos ativos.
Se aprovado, o próximo passo é um leilão, previsto para o quarto trimestre de 2020. Como está em recuperação judicial, a operadora não pode negociar diretamente com um interessado e precisa fazer a venda de forma pública.
Depois da venda, é a vez da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão regulador do setor, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) darem anuência ao negócio, estabelecerem restrições ou vetarem. Se tudo ocorrer com a precisão de um relógio suíço, as operações serão concluídas no fim de 2021.
A principal batalha, no momento, é por quem será o “stalking horse” do leilão da Oi Móvel. O termo, que significa “cavalo perseguidor”, refere-se a prática de garantir que o escolhido possa cobrir a melhor oferta do leilão e vencer a disputa.
A Oi celebrou um acordo de exclusividade com a Highline pelos ativos da Oi Móvel. Até lá, a companhia do Digital Colony está na frente para ser o stalking horse. Mas as teles embaralharam a disputa ao aumentarem sua oferta para R$ 16,5 bilhões.
Segundo uma fonte que acompanha de perto as negociações, Vivo, TIM e Claro não tornariam público o valor da nova oferta se não tivessem certeza de é melhor do que a da Highline.
Vivo, TIM e Claro não tornariam público o valor da nova oferta se não tivessem certeza de é melhor do que a da Highline
No comunicado, as teles também acenaram com a possibilidade de “assinar com o grupo Oi contratos de longo prazo para uso de infraestrutura”. Para muitos com quem o NeoFeed conversou, as teles deram a entender que além de comprar os ativos móveis estão dizendo também que se tornariam clientes da Infra Co.
“Foi uma jogada de mestre”, diz essa fonte. “Ela coloca pressão na Oi, mas principalmente faz com que os credores, que querem o melhor preço, passem a pressionar também a Oi.”
A Highline até agora não se posicionou sobre o assunto. Até porque ela tem um acordo de negociação exclusiva com a Oi até 3 de agosto. Até lá, a Oi não pode ver os detalhes da oferta das teles.
Mas, se pressionam nos bastidores, as teles demonstram desinteresse na frente das câmeras. “É importante destacar que o potencial que vemos nessa operação não se trata de vida ou morte”, afirmou Pietro Labriola, presidente da TIM, em teleconferência com analistas, na quinta-feira, 30 de julho.
O executivo ressaltou que é importante ter mais banda, ter mais infraestrutura e mais escala. Mas assegurou que, nos últimos anos, a operadora conseguiu desenvolver o negócio muito bem. “Temos, portanto, todas as condições de prosperar independentemente do resultado dessas negociações.”
O presidente da Vivo, Christian Gebara, indicou que a proposta feita pelas teles não deve ser muito maior. "Deixamos claro o interesse nessa segunda oferta vinculante e acreditamos que ela está dentro do razoável. Não dá para prever a reação que teremos a partir de agora", disse o executivo para analistas de mercado.
Teles ou Highline, independentemente do valor a ser pago, têm as suas desvantagens e vantagens. No caso de Vivo, TIM e Claro, o caminho de aprovação pelas autoridades regulatórias deve ser mais longo. Por outro lado, as três são empresas do setor, com capacidade de absorver os clientes e a operar as redes. A aprovação pode ser demorada, mas a transição seria mais suave.
A Highline teria a seu favor um caminho regulatório menos conturbado. E, ao contrário das teles, que estariam eliminando um concorrente, a empresa do Digital Colony poderia adicionar mais competição ao mercado.
Por outro lado, a empresa enfrenta a desconfiança por apostar em um modelo de rede neutra. A empresa operaria a infraestrutura e “venderia” os clientes para outras empresas, inclusive as teles. “Esse é um modelo novo, com poucas experiências ao redor do mundo”, diz Tude, da Teleco.
Uma fonte, próxima à Highline, discorda. “Na rede fixa, ninguém reclama do conceito de rede neutra. Agora, na móvel, ninguém confia. É a mesma coisa”, diz ela.
Um indicativo dessa posição pode ser observada nessa semana. A Telefônica, dona da marca Vivo, anunciou que vai montar uma empresa de fibra óptica independente, de rede neutra, para atuar no atacado. A TIM tem planos semelhantes. Ambas buscam investidores para as novas empresas.
A TIM, por exemplo, informou que já firmou acordos com 25 potenciais investidores, a maioria grupos de infraestrutura nacionais e internacionais, para fazer a cisão de sua rede de fibra óptica.
A atitude de Vivo e TIM não deixa de ser uma forma de se armar para a competição com a Infra Co, que tem uma rede de fibra óptica de quase 400 mil quilômetros e está presente com a conexão em 2,3 mil cidades.
Se conseguir avançar com seu plano de reestruturação e venda de ativos, a Oi, dessa vez, poderá estar mais bem preparada para a briga. O curioso é que pode ser seus principais concorrentes os responsáveis por isso, ao despejarem bilhões de reais em seu caixa.