Mountain View - "Alice já estava tão acostumada a não esperar nada senão coisas extraordinárias, que quando as coisas aconteciam de uma maneira normal, parecia chatice" – a frase que fecha o primeiro capítulo da obra clássica de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas", sempre foi uma de minhas prediletas, e reflete bem a minha experiência a bordo de um carro sem motorista da Waymo, empresa da holding Alphabet, a mesma que controla o Google.

A companhia testa pelas ruas de algumas cidades americanas um serviço de transporte de passageiros que dispensa motorista. Grosseiramente falando, é um Uber em piloto automático. Quando diante de uma tecnologia disruptiva, esperamos sensações diferentes. Seria algo realmente mind blowing, como diriam os americanos – ou "de pirar o cabeção", num português direto.

Por um lado, o Waymo é exatamente isso, porque o carro dá seta, freia, acelera, dá preferência e segue à risca as regras de trânsito sem nenhum tipo de comando humano. É como se os engenheiros tivessem sequestrado a mais cuidadosa tia da perua escolar e a colocado dentro do computador. O veículo segue até aquelas normas que já viraram quase senso-comum desrespeitar, sabe?, tipo avançar no finalzinho do farol amarelo.

E já que estamos respeitando fielmente os bons modos por aqui, vamos começar lá atrás, no nosso ponto de partida – o quartel-general da Waymo, em Mountain View, na Califórnia.

Nossa viagem estava previamente agendada. Então "pulamos" a etapa de abrir o aplicativo próprio da Waymo One, como é chamado esse serviço, e solicitar um carro. Saímos do prédio bem na hora marcada, quando o Chrysler Pacifica devidamente adesivado e com os sensores LIDAR instalados estava nos esperando.

No carro, embarcaram comigo a assessora de imprensa e o CEO da companhia, John Krafcik. No banco da frente, dois programadores, que estão ali apenas para analisar o desempenho do Chrysler Pacifica em computadores, a fim de colher informações e sugerir melhoras – mas nenhum deles, em momento algum, interfere nos comandos do carro.

Sou informada que fotos e vídeos são proibidos, porque a tela do notebook usados pelos especialistas que vão à frente contém informações confidenciais – mesmo que eu e mais da metade da população sejamos incapazes de entender os códigos e a complexidade exposta no eletrônico.

Por dentro, quase não se percebe nenhuma alteração. Ele é bastante espaçoso e confortável, que é o que se espera de uma minivan desse porte, e tem como única diferença duas telas do tamanho de um tablet fixadas na parte traseira dos bancos frontais, para que os passageiros possam "enxergar" o mundo pelos olhos do computador.

Não é exatamente uma televisão, com as imagens reais, mas uma espécie de mapa 3D, onde se acompanha em tempo real as faixas de pedestres, cruzamentos, faróis e transeuntes que compõem o ambiente. Cada um deles é representado por uma cor e um formato. Os pedestres, por exemplo, aparecem como um círculo roxinho e é possível vê-los caminhando sem precisar olhar pela janela.

A viagem foi curta, durou cerca de 10 minutos, mas o suficiente para esquecer que estava a bordo de um carro sem motorista. Como o passeio foi cheio de conversa e o tráfego do Waymo é bastante previsível, é apenas uma questão de minutos para os passageiros se sentirem confortáveis e seguros o suficiente para ignorar o fato de que ninguém aciona o volante, embreagem e pedais.

A viagem foi curta, durou cerca de 10 minutos, mas o suficiente para esquecer que estava a bordo de um carro sem motorista

Aproveitei a experiência para atravessar uma questão bem popular, que sugere que carros autônomos são programados para proteger os ocupantes, sem julgar exatamente uma situação. Isso significaria, por exemplo, que o veículo poderia agir de maneira desproporcional para manter a integridade de quem viaja ali dentro.

"Ah, todo mundo faz essa pergunta", exclamou um dos programados, olhando na direção do colega, que concordava com a cabeça. "Bem, não é bem assim, porque não existe um comando para que veículo se auto-priorize; isso é uma falácia." E completa. "Esses carros são simplesmente programados para dirigir de forma correta e evitar acidentes."

Depois de um curto espaço de tempo em silêncio, o programador conta aos ocupantes que algumas noites atrás estava indo para casa a bordo de um Waymo e achou que algo estivesse errado, porque o veículo parou numa rua escura e demorou a sair.

Ele começava a olhar o computador para entender a vagarosidade, quando viu que um homem passou praticando corrida. "Estava tão escuro que eu não o teria visto. Se estivesse pilotando meu carro, eu não teria parado para que ele atravessasse, e isso poderia resultar em uma tragédia", comenta o programador, ressaltado mais uma vantagem do sensor LIDAR e dos veículos autônomos.

A velocidade era outro tópico sensível, porque o primeiro protótipo da Waymo, o redondinho Firefly, não ultrapassava a barreira das 25 milhas/hora, mas esses novos carros já estão aptos a trafegar na velocidade da pista, sempre respeitando o limite, claro. Isso significa que, se numa rua onde é permitido trafegar a 60 km/h, mas o trânsito local anda a 40 km/h, o "piloto automático" vai acompanhar os demais carros.

Rotatórias, ciclofaixas e todos os demais desafios urbanos imagináveis já foram incorporados pelo sistema, que reconhece que, neste caso, o máximo de sofisticação é a normalidade: uma viagem sem grandes emoções é, portanto, um indicativo de enorme sucesso. E a missão, conosco a bordo, foi cumprida com louvor.

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