Em um ano marcado por crise fiscal, eleições polarizadas, guerra no Leste Europeu, alta de juros e a aproximação de uma recessão global, ficar na Bolsa não parece ser a decisão mais prudente para os investidores. 

Apesar de tantos episódios gerando turbulência, Carlos Carvalho Jr., CIO da Kínitro Capital, casa com R$ 1,3 bilhão sob gestão, acredita que é possível encontrar boas oportunidades na B3, considerando o tombo que o mercado tomou nos últimos meses - o Ibovespa recuou 20,7%, lutando para se manter na casa dos 100 mil pontos.  

“Tem muita coisa muito barata, e se for comparar ao retorno que você vai ter na renda fixa num horizonte de cinco, dez anos, não tenha dúvida de que muita empresa vai dar banho na renda fixa”, diz ele, em entrevista ao NeoFeed

Com 30 anos de experiência no mercado e passagens por Banco Icatu e pela joint venture entre o Itaú e o banco americano Bankers Trust, sempre atuando em renda variável, Carvalho fundou a Kínitro em agosto de 2021, ao lado de 11 colegas da Saga Capital, gestora em que foi executivo-chefe de investimentos por 17 anos. 

A casa tem ênfase maior no mercado de renda variável, com viés mais macroeconômico, embora tenha atuação em renda fixa. Seu fundo de ações, o Kínitro FIA, registra queda acumulada de 18,4% no ano, enquanto o multimercado Kínitro 30 FIC FIM tem alta de 6,48% no período.

Olhando para o mercado, Carvalho avalia que as boas opções estão espalhadas, mas vê alguns setores com mais oportunidades, como saúde e serviços. “Você vê empresas do setor de saúde caindo 50%, 60% dos seus picos e voltando para patamares de valuation muito mais interessantes”, afirma. 

Para ele, ainda que existam pechinchas, é preciso ir montando posição com cautela e parcimônia, uma vez que o mundo deve passar por uma dura recessão nos próximos anos. O Brasil deve sentir os efeitos da desaceleração global e lidar também com as consequências do desarranjo fiscal. 

Carlos Carvalho Jr., CIO da Kínitro

Apesar desse cenário, Carvalho acredita que o País pode acabar se recuperando antes do que muitos países avançados. 

“No Brasil, o Banco Central, no auge da Covid-19, pode ter cometido um erro ao colocar os juros muito baixos, mas percebeu rápido o erro e corrigiu ainda mais rápido. Então devemos sair antes [da recessão]”, afirma. 

Confira os principais trechos da entrevista. 

Qual a sua visão para a economia brasileira atualmente e o que podemos esperar daqui para frente?
Estamos vivendo um ano absolutamente atípico. Predominou no primeiro semestre a mudança de regime dos países desenvolvidos, que acabou influenciando o panorama econômico mundial. Essa inflação que estamos vivenciando e que vinha sendo monitorada por todos os bancos centrais, com a ideia de que era um fenômeno transitório, se assumiu que evidentemente não era. Começamos o ano com isso, com o discurso mais agressivos dos BCs, que deveriam elevar os juros, tendo repercussões em todos os emergentes. E em fevereiro você teve a grande surpresa do ano, que foi a eclosão da Guerra na Ucrânia. Isso trouxe a um ambiente já conturbado, inflacionário, um novo choque, dado o perfil das economias da Rússia e da Ucrânia, não só exportadoras de commodities agrícolas, mas também de ativos de energia. E, para facilitar, por ser brasileiro, a gente consegue ter uma pitada a mais, tem uma eleição, em que você tem um incremento natural de volatilidade. 

De que forma a eleição está afetando nossa situação?
Desde o rompimento do teto de gastos, em outubro do ano passado, o presidente Bolsonaro deixou bem claro que iria antecipar o calendário eleitoral e que faria tudo que fosse necessário para se reeleger. Adotou uma política populista, algo que o mercado não esperava, não sendo por essa agenda que o presidente recebeu o apoio desse segmento. Por outro lado, você tem um candidato que tem uma postura explícita de auxílios etc. A gente já estava numa situação fiscal não tão confortável e tudo o que está sendo feito ao longo de 2022, que parece que pode vir até a ser incrementado, é ainda mais nocivo para o ambiente macroeconômico futuro do Brasil. É um momento complicado, bastante difícil que estamos passando. 

As revisões sendo feitas pelos bancos nas projeções de crescimento de 2022 não são uma sinalização positiva em relação ao estado da economia brasileira?
A gente percebe visivelmente que uma série de estímulos que estão sendo dados são no sentido de contribuir com a popularidade do presidente, para que ele consiga atingir a reeleição. Muitos desses estímulos a gente não sabe se são permanentes. Lembro que, ao longo dos últimos meses do ano passado, uma das perguntas mais frequentes que fazíamos aos nossos consultores era o que o governo pode fazer nesse sentido [gastos] para não prejudicar ainda mais as contas públicas. E eles nos passaram que, até março, não seria possível fazer nada. Mas hoje vemos que toda hora os políticos estão conseguindo descobrir uma brecha na legislação, como você vê na PEC Kamikaze, sempre com orientação eleitoral. Então é um ambiente difícil. 

A situação fiscal, no seu cenário, é o principal tema para esse ano e o próximo? Ou é a questão eleitoral?
Dentro do Brasil, vai começar a questão eleitoral. A gente tem uma preocupação com antes e depois da eleição. Quem vai ser eleito, a gente não tem tanta preocupação. O mercado tende a ter, em princípio, um viés mais favorável ao atual presidente, na esperança de que talvez num segundo mandato, sem a vontade de se eleger, talvez ele possa colocar a agenda liberal do ministro Paulo Guedes em prática. Do outro lado, você tem a preferência clara do investidor estrangeiro em relação ao ex-presidente Lula. Ele, mal ou bem, durante seis anos de seu mandato relativamente ortodoxo, manteve a política econômica implantada no governo anterior, e existem temas importantes no mundo, como ambientalismo, em que ele tem uma visão mais alinhada com o que o resto do mundo pensa. Nossa preocupação é com esse período que começa agora, de agosto até o segundo turno, de ter episódios de violência, com um lado ou outro começar a se distanciar da vitória e você ter enrijecimento de discurso, podendo gerar violência nas ruas ou ruídos institucionais. Muita gente vê isso como uma probabilidade muito pequena, nós não. 

A gente percebe que uma série de estímulos que estão sendo dados são no sentido de contribuir com a popularidade do presidente

E após a eleição?
Após a eleição, nossa preocupação é como será a negociação com o Congresso. A gente sabe que o Congresso assumiu um protagonismo muito grande ao longo desse governo. O presidente delegou muitas atribuições ao Congresso, inclusive o comando do Orçamento, e é muito difícil recuperar isso. Você precisa de uma liderança política muito hábil para isso. Nossos consultores já disseram que não vamos eleger o presidente, mas quem vai negociar com o Congresso. Isso vai ser algo bastante conturbado, não vamos ter um presidencialismo como foi até o início do governo Bolsonaro. 

Considerando o fato de o Congresso estar com o Orçamento na mão, é uma situação que preocupa do ponto de vista fiscal? Você vê alguns dos candidatos fazendo um ajuste fiscal?
A história mostra que, no Brasil, quando você dá um benefício, é difícil tirar. Lembro que foi um cataclismo a elevação do Auxílio Brasil de R$ 300 para R$ 400, foi um strike no mercado. Agora estamos passando para R$ 600. Dizem que é temporário, mas a gente sabe que é difícil tirar isso e você tem o impacto nas contas públicas. Paralelo a isso, você tem novos auxílios com viés eleitoral. Não sabemos se vamos conseguir tirar isso no próximo mandato. Temos uma carga tributária bastante elevada no Brasil, como vamos fazer? O novo governo vai retirar o que foi dado e aumentar impostos [para equilibrar as contas púbicas]? Não é algo bem encarado. O ano de 2023 promete ser conturbado e o mercado precificou esse risco, basta ver onde está o dólar hoje, completamente fora de onde deveria estar. Taxa de juros real mais de 6% num horizonte de 20, 30 anos, o Brasil não consegue pagar isso. Renda variável, com rotação para renda fixa. Me parece que o mercado já precificou grande parte desses riscos, mas existe o risco externo. 

No cenário externo, teremos recessão global? Como fica a China, principal mercado de nossas exportações?
Na China, foi uma surpresa essa política de Covid zero, ela é claramente um erro. Em novembro teremos eleição presidencial e está dado que o presidente Xi deve ser reconduzido, então não devemos ter grandes mudanças nessa política, porque ele não pode admitir que errou, senão ele larga enfraquecido o próximo mandato. Mas teve uma desaceleração na China e o país está tentando retomar agora. Você teve um reflexo muito negativo em termos de crescimento. Se não me engano, será a primeira vez em décadas que a China não vai conseguir atingir a meta de crescimento pré-estipulada, de 5,5%. Em relação à recessão global, estamos bastante convictos de que vai acontecer, só não sabemos se será no fim do ano ou ao longo de 2023. O próprio Fed deixou bem claro que é de interesse dele conseguir de alguma forma reduzir as pressões inflacionárias, de alguma forma, restringindo as condições financeiras. E deixou bem claro que está atrás da curva e quer matar esse surto inflacionário que não vemos há 40 anos. A partir das próximas semanas, começa a ter a divulgação de resultados nos Estados Unidos, e não é de se surpreender que muitas empresas comecem a dar alertas sobre o que vem por aí. Algumas já anteciparam, como foi o caso da Nike. Ela já avisou que o cenário está esquisito daqui para frente. 

Nesse cenário, Bolsa é algo que, no futuro próximo, não é atrativo…
Não, a gente acha que é. Você tem a reprecificação dos múltiplos e a capitulação dos investidores, querendo sair do mercado. Quando você tem a reprecificação, os ativos vão para o preço justo. Na capitulação, ficam abaixo do preço justo, vão para preços irreais. Tem muita coisa muito barata. E se for comparar ao retorno que você vai ter na renda fixa num horizonte de cinco, dez anos, não tenha dúvida de que muita empresa vai dar banho na renda fixa. Não digo uma ou outra, mas uma série de empresas com essa característica no mercado. Agora, infelizmente o investidor tem a cultura de comprar na alta e vender na baixa. Mas neste momento, se você tem caixa, estômago, é o momento para lentamente pensar em colocar alguma posição em ações, com horizonte de longo prazo, cinco anos à frente. Agora, vai ter muita volatilidade. Já temos uma contratada, que é o cenário eleitoral, tem toda a questão sobre o que vai vir do cenário externo, vai impactar os preços aqui, então as coisas precisam ser feitas com paciência, parcimônia, nos próximos 12 a 18 meses, ir montando sua carteira de ações.

Em que setores você vê as melhores oportunidades?
Você tem oportunidades em diversos setores. Você tem o setor de saúde, que foi muito punido. Qualquer empresa que tivesse um componente de crescimento foi bastante punida nessa rodada de desvalorização que o mercado sofreu. Você vê empresas do setor de saúde caindo 50%, 60% dos seus picos e voltando para patamares de valuation muito mais interessantes. Paralelo a isso, você tem algumas empresas do setor de serviços, também com valuations bastante interessantes. Se você garimpar, tem uma margem de segurança hoje que justifica começar a, de alguma forma, se expor. Mas tem que ter parcimônia, porque vamos ter diferentes choques ao longo do caminho. 

Você poderia abrir alguns nomes que a Kínitro tem na carteira?
No setor de saúde, temos uma posição em Rede D’Or. Na parte de renováveis, temos um pouco de Orizon na carteira. A gente tem uma coisinha de Petz, na parte de e-commerce. Ela é uma das empresas dominantes no subsegmento dela, é a maior do setor. Na parte de energia, esse ruído todo feito em cima de Petrobras atrapalhou um pouco, mas temos alguma coisa de PetroRio, Petrorecôncavo, são empresas atuais frente às expectativas que temos com a questão dos preços de energia apresentam retorno esperado excelente. E também estamos olhando para o mercado externo, empresas de biotecnologia. Temos também um pouco de Google, Microsoft, empresas de tecnologia, mas de qualidade, menos impactadas por ambientes mais desafiadores. Elas tendem a se beneficiar desse momento, porque tendem a ocupar o lugar daquelas que vão desaparecendo. É o core do nosso book

Se você garimpar, tem uma margem de segurança hoje que justifica começar a, de alguma forma, se expor em ações

Quando você imagina que a situação vai começar a melhorar para o investidor?
Por experiência, pelo que vi em outras situações, primeiro, vamos ter uma recessão muito mais parecida com aquelas vistas no passado. As últimas duas recessões fortes que a gente viveu, 2020 e 2008, foram recessões em que você tinha os bancos centrais ao seu lado, injetando estímulos para não deixar as economias colapsarem. Neste momento, estamos vendo o contrário, eles estão retirando estímulos e só vão parar no momento em que perceberem que mataram esse surto inflacionário. No Brasil, o BC, no auge da Covid-19, pode ter cometido um erro ao colocar os juros muito baixos, mas percebeu rápido o erro e corrigiu ainda mais rápido. Foi talvez o BC que se posicionou mais rapidamente para o que estamos vivenciando agora. Então, devemos sair antes [da recessão]. Foi assim em 2002, uma recessão clássica depois do estouro de uma bolha de liquidez na Nasdaq. Foi assim em 2008, apesar de ter tido estímulo. Normalmente, tendemos a fazer um fundo antes. Quando vai ser isso, eu não sei, porque a economia americana ainda nem entrou em recessão. 

Voltando ao Brasil, você imagina que a inflação permanece em patamares elevados neste ano e no próximo? E para a Selic?
Sem dúvida nenhuma, estamos com problemas por conta de todo esse desarranjo que está sendo feito para diminuir o preço dos combustíveis e isso dificulta muito o trabalho do BC. Talvez seja a pergunta mais difícil de fazer, qual a nossa projeção para inflação, porque não tem como saber. Alguns dos Estados não estão aderindo à redução do ICMS, então você tem um impacto sobre a projeção da inflação. É um exercício de chutômetro danado. Mas a nossa projeção para a Selic neste ano é de 13,75%, com risco para cima. Achamos que deveria ir até 14,25%, mas não sabemos se o BC fará isso. Inflação, para este ano temos 8,2%, para 2023 é 5,5%, também com viés de alta. Obviamente, depende de como vai ser o desenrolar da inflação mundial. O petróleo há uma semana estava 20% mais caro e é um componente importante de inflação. Com o componente mais importante para projetar inflação oscilando 10% num dia [quarta-feira, 5 de julho], você vê como o negócio está disfuncional. 

E para o PIB?
Em relação a crescimento, nós temos 2,2% para este ano e para 2023 próximo de zero. Novamente, talvez sejam os dois anos mais difíceis para se fazer projeção econômica, porque tem uma infinidade de variáveis e você nem sabe qual a política fiscal do próximo governo. É um exercício total de chutômetro. 

E o câmbio?
Essa eu vou passar, essa é maldade [risos]. Se você me perguntar em quanto vai estar o câmbio no final do ano, com todas essas variáveis, eu não tenho a menor ideia.