As empresas familiares sempre foram os patinhos feios do mundo da gestão de negócios. Ou porque os executivos profissionais ganharam status de excelência, impulsionados pelas grifes das escolas de administração mundo afora. Ou ainda porque alguns herdeiros sem a mesma vocação de seus pais e avós botaram realmente a perder os negócios da família.

No entanto, esse cenário mudou muito nos últimos 15 anos. Afinal, nem os executivos profissionais se mostraram assim tão espetaculares, nem os herdeiros tão ineptos. Ainda mais porque há ótimas linhas de formação em escolas de negócios voltadas especificamente para os herdeiros de negócios familiares.

O que me chamou a atenção nos últimos meses é que muitos dos melhores casos de evolução de companhias brasileiras na integração dos conceitos de sustentabilidade aos negócios têm acontecido em empresas familiares. Essa constatação me fez refletir. E estou falando de empresas grandes, algumas líderes em seus setores, como Gerdau, Vedacit e Wickbold, destaques da última conferência Sustainable Brands São Paulo, realizada nos dias 6 e 7 de novembro.

A Gerdau, por exemplo, colhe os frutos de um intenso processo de transformação cultural, que nasceu inclusive a partir de uma reflexão dos herdeiros sobre como honrar a trajetória de empreendedorismo dos fundadores. Hoje, a companhia explora maneiras de incorporar os conceitos de Economia Circular aos seus negócios e se aproxima do movimento das Empresas B, que busca aliar o lucro à geração de impacto positivo social e ambiental.

Já a Vedacit, empresa de produtos para a construção civil do Grupo Baumgart, trilha um caminho semelhante de fomento interno da inovação, alimentando um ecossistema de construtechs, incentivando o intraempreendedorismo dos funcionários e apoiando o desenvolvimento de conhecimento para atender aos desafios da construção no Brasil.

Por sua vez, a Wickbold utiliza a sua grande capacidade de compra de castanhas e outras sementes para apoiar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades da Amazônia e, assim, fortalecer a chamada economia da floresta em pé.

Todas essas companhias possuem executivos profissionais, mas que estão muito claramente guiados por interesses das famílias que fundaram esses negócios

Todas essas companhias possuem executivos profissionais, mas que estão muito claramente guiados por interesses das famílias que fundaram esses negócios. Mas por que não estão simplesmente focados em vender mais aço, hipermeabilizante ou pão? Porque empresas familiares conseguem mais facilmente entender o valor da visão de longo prazo. Porque vivenciam a passagem dos negócios de uma geração para a outra. Compreendem melhor o significado de legado e de propósito.

Seus executivos profissionais seguramente têm metas de curto prazo, mas sabem que precisam conciliá-las com a construção dos caminhos para a perpetuação dos negócios. Sofrem menos com a síndrome da divulgação de resultados trimestrais, que afeta às companhias excessivamente preocupadas em responder ao “curto-prazismo” do mercado de capitais.

Muitas outras empresas poderiam ser somadas a esses exemplos, a começar pela Natura, estrela da sustentabilidade nacional, cujos fundadores seguem próximos aos negócios, passando por Boticário, Mercur, Patrus Transportes, Beraca, Native, Klabin, entre outros. Esse fenômeno também acontece no âmbito global, onde muitas das marcas reconhecidas seguem a filosofia dos fundadores preocupados com a sustentabilidade – caso de Patagônia, Interface, Ikea, SC Johnson, entre outras.

Há casos de herdeiros que decidem exercer essa influência fora do âmbito dos negócios da família. No entanto, seria ótimo que mais e mais famílias controladoras de negócios de todos os portes despertassem para a óbvia (e necessária) relação entre sustentabilidade e a continuidade da prosperidade iniciada por seus antepassados.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).