“Ennio”, de Giuseppe Tornatore, está cotado para figurar na lista dos 15 semifinalistas ao Oscar de melhor documentário da 94ª edição do prêmio da Academia. E a razão é simples: o filme resgata a trajetória do italiano Ennio Morricone, um dos mais influentes compositores da história do cinema.

Uma das atrações do Red Sea International Film Festival, o primeiro evento do gênero realizado na Arábia Saudita, que terminou nesta semana na cidade de Jidá, “Ennio” representa a última chance de a Academia de Hollywood homenagear o gênio por trás de melodias inesquecíveis.

Entre elas, as de “spaghetti westerns’’ dirigidos pelo também italiano Sergio Leone, como “Por um Punhado de Dólares’’ (1964), “Por Alguns Dólares a Mais’’ (1965) e “Três Homens em Conflito’’ (1966), com Clint Eastwood.

Será um belo tributo ao músico que morreu em julho do ano passado, aos 91 anos, em Roma. Se conseguir figurar na lista dos pré-candidatos, que será divulgada em 21 de dezembro, a partir de uma relação de 138 títulos elegíveis, o próximo passo para “Ennio” será ficar entre os cinco candidatos finais.

O anúncio de todas as indicações será feito em 8 de fevereiro de 2022, adiantando os concorrentes às estatuetas que serão entregues em 27 de março no Dolby Theater, em Los Angeles.

Conhecido como “Il Maestro’’, Morricone compôs cerca de 500 trilhas sonoras para cinema e televisão, incluindo clássicos. E várias de suas composições são reconhecidas pelo público, cinéfilos ou não, já nas primeiras notas.

É o caso da inconfundível canção-tema de “Três Homens em Conflito’’, com o uivo dos coiotes. A proposta aqui foi usar sons da natureza para evocar “o sentimento de nostalgia” que impregnava no filme.

Foi assim que Morricone reinventou o faroeste em termos musicais, fazendo a justaposição de sons com os uivos, com assovios melódicos, com guitarras elétricas, solo dos trompetes e vozes com um quê espiritual dos sopranos.

“A música é tudo e qualquer som que produzimos. E no cinema, ela não precisa ser, necessariamente, a realidade que vemos”, conta Morricone, em entrevista concedida para o documentário. Inicialmente, a ideia de Tornatore era lançar o longa-metragem no 90º aniversário do compositor, em 2018, mas a produção sofreu atrasos, e Morricone morreu durante a edição.

Com mais de duas horas de duração, o filme ainda sem data para estrear no Brasil revisita a trajetória do músico, que nunca se limitou a um gênero. Apesar de ser frequentemente associado a westerns, Morricone fez trilhas para histórias de amor, filmes políticos, comédias, títulos de ação, de suspense e até de terror.

É dele a canção-tema de “A Missão’’ (1986), de Roland Joffé, a trilha de “Os Intocáveis’’ (1987), de Brian De Palma, e de “Os Oito Odiados” (2015), de Quentin Tarantino. Foi por esse último trabalho que Morricone ganhou um Oscar, além de ter recebido um troféu da Academia, pelo conjunto da obra, em 2007.

Tornatore, para quem o compositor fez nove trilhas sonoras, incluindo a de “Cinema Paradiso” (1988) e de “Malena” (2000), entrevistou Morricone por mais de 40 horas para o filme. Ele mesmo conta que, desde criança, queria ser médico. Mas seu pai, músico, insistiu que ele estudasse trompete.

Além de recordar o processo de criação de algumas faixas antológicas, Morricone afirma que, para compor uma música (o que costumava fazer com rapidez), muitas vezes nem precisava tocar. Ele sequer tinha um piano em seu estúdio, por conseguir ouvir cada nota em sua cabeça.

Além de testemunhos do próprio, vários de seus colaboradores relembram a experiência de trabalhar com Morricone, um mestre em fazer a música crescer organicamente com a história. Entre eles, cineastas como Bernardo Bertolucci, Marco Bellocchio, Dario Argento, Roland Joffé, os irmãos Taviani, Oliver Stone, Clint Eastwood e Quentin Tarantino.

“Ele é meu compositor favorito. E não estou falando de compositor de cinema. Estou falando de Mozart, Beethoven, Schubert”, afirma Tarantino, em entrevista no filme. “Nunca encontrei alguém que não gostasse das músicas de Morricone”, acrescenta Clint Eastwood.

Nascido em Roma, Morricone nunca quis deixar a Itália, apesar dos insistentes convites para morar em Hollywood. E ele também nunca se deu ao trabalho de aprender inglês. Por mais que fosse contratado por diretores para atender às necessidades emocionais dos seus roteiros, o compositor sempre se orgulhou de preservar a integridade da sua arte musical.

Embora considerasse sempre as exigências do filme, ele não abria mão de colocar em prática as ideias e as inspirações que já tinha mesmo antes mesmo de ser contratado para um determinado trabalho. E isso muitas vezes incluía incorporar elementos experimentais – o som de uma máquina de escrever, por exemplo.

“Sempre quando me perguntam qual a música mais importante que fiz, não respondo”, diz Morricone, que teve muitos desentendimentos com cineastas ao longo da carreira. Principalmente por se recusar a repetir algo que havia feito em filmes anteriores.

Para Morricone, a trilha sonora é como “um amor à primeira vista”. “Sua criação muitas vezes antecede à filmagem, sendo apenas uma ideia atrelada à história”, afirma o compositor, sempre gesticulando muito. “O diálogo não é o único elemento que inspira a trilha, mas sim as imagens. E a música se encarrega justamente de representar o que não é dito.”