Em uma noite no Balthazar, um dos restaurantes mais badalados de Nova York, quatro empresários de Wall Street pediram um Château Mouton Rothschild 1989, o vinho mais caro na casa, listado a US$ 2.000. Na mesa ao lado, um jovem casal escolheu o rótulo mais barato da carta, um pinot noir, vendido por US$ 18.

Os dois vinhos foram decantados e, por um erro de serviço, foram servidos trocados. Os investidores, sem saber que estavam degustando um vinho baratinho, elogiaram o “frescor” do Mouton Rothschild, um dos cincos únicos Premier Cru de Bordeaux.

Sem a influência da marca, eles não perceberam que estavam degustando um pinot noir (que é a uva tinta da Borgonha) de uma safra recente e não um vinho elaborado com cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc (as variedades desse Bordeaux) e com esperados aromas de evolução.

A história aconteceu no longínquo ano 2000, mas só foi revelada agora pelo restaurateur Keith McNally, famoso por seus restaurantes no centro de Nova York, em uma postagem recente em seu Instagram.

A história, desde então, está correndo o mundo. McNally conta que, quando o erro foi descoberto, não havia o que fazer. Sua decisão foi não cobrar pelas garrafas, o que deixou as duas mesas felizes – principalmente o casal que esperava degustar um vinho barato.

Mas será que trocar garrafas é algo comum no mundo dos restaurantes? Esse erro não é comum, mas, infelizmente, acontece nas melhores casas. “Já aconteceu comigo”, confessa Gianni Tartari, sommelier com 30 anos de atuação e duas vezes eleito o melhor sommelier do Brasil.

Quando Tartari trabalhava no Ristorantino, no bairro dos Jardins, em São Paulo, ele atendeu um cliente que trouxe um Bordeaux de primeira linha. A mesa ao lado pediu um tinto menos complexo, mas que também precisava ser decantado. Em decantares iguais, os dois vinhos foram colocados no mesmo aparador.

Normalmente, este aparador, explica Tartari, é dividido mentalmente em quatro e todos os funcionários sabem qual quadrante corresponde ao vinho de cada uma das quatro mesas da varanda do restaurante. Mas a ordem dos decantares foi mudada. Tartari só percebeu a troca quando foi repor as taças.

“Como a taça não estava 100% vazia, vi pela cor que tinha alguma coisa errada”, lembra Tartari. Sua postura foi retirar a taça, degustar os vinhos novamente, e refazer o serviço, então com o vinho correto. No fim, o cliente ganhou a sobremesa como cortesia.

O restaurante Balthazar, em Nova York

O sommelier viveu outro episódio de troca de vinhos. Mas dessa vez o erro foi diferente. Quando dava consultoria ao restaurante de um hotel cinco estrelas de São Paulo, um cliente pediu um vinho que o garçom entendeu como sendo o Château Mouton Rothschild, o mesmo que causou a gafe em Nova York.

O erro só foi percebido quando a conta chegou e o cliente questionou o seu valor. O “pobre” consumidor, na verdade, havia pedido o vinho argentino Caro, que custava na faixa de R$ 700, e comentado que era uma parceria da argentina Catena com a família Rothschild.

Na verdade, a parceria da Caro é com a Catena e com o Château Lafite Rothschild. E não com o Château Mouton Rothschild. Lafite e Mouton pertencem a ramos diferentes da família Rothschild, que migrou da Alemanha para a França. Conclusão da história: o cliente pagou pelo vinho que pediu e a diferença foi completada pelo dinheiro dos 10% do serviço.

Nomes parecidos podem ser um perigo. A sommelière Gabriele Frizon lembra de abrir um Vega Sicilia Único, um dos mais cultuados rótulos espanhóis, da região de Ribeira Del Duero, quando o cliente tinha pedido, na verdade, um Vega Sicilia Valdueña 5º Ano, elaborado pela mesma vinícola. Entre os dois rótulos, há uma diferença significativa de valores. Atualmente, a Mistral vende o Vega Sicilia Único Gran Reserva por R$ 4.997 e o Valbueña 5º Ano por R$ 2.244.

Outra história que os sommeliers contam é de um Château Petrus, que foi aberto por engano em um sofisticado restaurante de um hotel de São Paulo. O cliente pediu um Château La Fleur-Petrus (R$ 4 mil a safra de 2012 na World Wine), mas o sommelier entendeu como sendo o mítico Petrus, que custa US$ 3 mil (R$ 16,7 mil) a safra de 2017, no Wine-Searcher.

Ao ver todo o mis-en-scène para abrir o vinho, o cliente desconfiou que alguma coisa estava errada. Chamou o sommelier, mas neste momento a garrafa tinha acabado de ser aberta. O mal-entendido foi explicado e a solução foi fechar a garrafa imediatamente, para evitar que o oxigênio acelerasse a sua evolução.

O Petrus foi vendido em taça nos dias seguintes. Servido com coravin (um instrumento que permite servir doses individuais, sem comprometer a qualidade), quem provou garante que o vinho não perdeu a sua qualidade em taça.

O sommelier Manoel Beato, que em 2021 completa 30 anos no grupo Fasano, conta que diversas vezes quase serviu o vinho errado, mas não se recorda de nenhuma troca efetiva. “Já percebi que estava trocando o vinho segundos antes de servir o cliente”, conta ele. “É quando a gente chega na mesa, olha para o cliente e dá aquela voltinha, saindo de cena.”

Os momentos mais tensos são quando vários comensais chegam ao mesmo tempo no salão, com garrafas trazidas de casa. É preciso atenção para não trocar as garrafas, em geral vinhos especiais selecionados a dedo nas adegas particulares.

Vinhos caríssimos, como o Mouton Rothschild, do Balthazar, em geral são cercados de cuidados no salão. Quando não ficam na mesa do cliente, por questão de espaço, os sommeliers os colocam em mesas de apoio próximas. “Até para o cliente poder controlar a sua garrafa e não desconfiar que outras pessoas estão bebendo o seu vinho”, diz Gabriele.

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