Você se acostumou a ouvir plim-plim na sua tevê, mas esse som estará cada vez mais presente em um grupo de startups brasileiras que estão recebendo investimentos do grupo Globo, maior conglomerado de mídia e de comunicação da América Latina, com uma receita líquida de R$ 14,7 bilhões em 2018.
Sem alarde, a empresa da família Marinho está construindo um portfólio de startups de fazer inveja a alguns dos principais fundos de venture capital presentes no mercado brasileiro. Desde 2017, o grupo de comunicação já investiu em pelo menos oito startups.
Três delas são fintechs. São elas a Órama, uma plataforma de investimentos que concorre com a XP, a Bom Pra Crédito, um marketplace de crédito, além de ter anunciado uma joint venture com a Stone, para criar uma nova empresa com o objetivo de entrar diretamente na guerra das maquininhas com o PagSeguro, do UOL.
O Grupo Globo apostou ainda no site de comércio eletrônico Enjoei e no aplicativo de logística Rappi, que se tornou um unicórnio, como são chamadas as empresas que valem mais de US$ 1 bilhão. A tech.fit, empresa que desenvolve aplicativos relacionados a bem estar, saúde e dietas, também recebeu recursos. Soma-se a esses investimentos o portal de imóveis online ZAP, que fez uma fusão com a Viva Real, em novembro de 2017.
O mais recente aporte do grupo Globo foi na Buser, uma espécie de Uber dos ônibus, realizado em conjunto com o Softbank, na segunda-feira, 7 de outubro. Sem revelar valores, a startup disse que vai investir R$ 300 milhões para expandir suas operações nos próximos 12 meses.
Em quase todos esses investimentos, o grupo Globo está usando uma estratégia conhecida como media for equity. Funciona assim: a empresa da família Marinho investe recursos na startup que se compromete a usar o dinheiro em publicidade nas mídias do grupo, que incluem jornais, revistas, canais de tevê por assinatura, sites de internet e, principalmente, a TV Globo.
Esse modelo de investir em startups aconteceu na Órama, na Bom pra Crédito, na tech.fit, na Buser e na joint venture com a Stone, segundo apurou o NeoFeed. “A nossa questão é como aproveitar um negócio existente, quando a força está na venda da publicidade tradicional”, disse Jorge Nóbrega, presidente executivo do Grupo Globo, durante o evento Lide Next, em setembro deste ano.
Observe o exemplo da joint venture com a Stone, cuja empresa será lançada no quarto trimestre de 2019. O grupo Globo deterá uma fatia de 33% da nova companhia e entrará com um investimento de R$ 461 milhões. Esses recursos voltarão aos cofres das empresas da família Marinho via publicidade ao longo dos próximos cinco anos.
“Essa nova empresa vai atender aos profissionais autônomos e a forma de chegar até eles é usando a grande mídia”, afirma Caio Fiuza, diretor de operações da Stone e presidente da nova companhia em formação com a Globo. “Temos conhecimento da operação e a Globo, da mídia.”
De certa forma, a união Stone/Globo emula a dobradinha PagSeguro/UOL. A mídia massiva da empresa da família Frias, dona dos dois negócios, foi determinante para alavancar o PagSeguro, que abriu o capital na Bosa de Nova York e hoje vale US$ 14,5 bilhões. “Posso dizer que é parecido”, diz Fiuza. “Mas a forma de executar o investimento é diferente.”
O caso da Órama ilustra também a estratégia por trás dos aportes do grupo Globo. O Valor Investe, site de investimentos lançado neste ano pelo jornal Valor Econômico, que pertence à família Marinho, exibe apenas publicidade da plataforma de investimentos (o NeoFeed navegou durante muito tempo no Valor Investe e não viu nenhum banner que não fosse os da Órama).
“Essa estratégia depende de quanto eles têm de mídia disponível, quanto estão dando de desconto na veiculação para os clientes atuais e por quanto estão conseguindo vender essa mídia para poder entrar nas rodadas de investimentos”, diz um gestor de um fundo de venture capital. “Mas, pela minha opinião, vale muito a pena para a Globo.”
Mas não é qualquer startup que pode aceitar um acordo deste tipo. Em geral, as empresas que recebem investimento da Globo atendem consumidores finais e precisam de mídia de massa para atingir um grande público. É o caso da Bom pra Crédito, fundada por Ricardo Kalichsztein, que recebeu um aporte de R$ 35 milhões, no fim de setembro deste ano.
Atualmente, a fintech conta com mais de 6 milhões de usuários e já intermediou cerca de R$ 500 milhões em empréstimos para cerca de 34 parceiros que integram a plataforma. Com a Globo, poderá chegar um número muito maior. Só na TV aberta, a emissora atinge mais de 100 milhões de pessoas.
“O negócio principal da Globo está sob ataque e corre o risco de virar uma máquina de datilografia do futuro”, diz David Kallás, professor de estratégia e coordenado do Centro de Estudo em Negócios do Insper. “Enquanto ela gera caixa e tem capacidade de investimento faz sentido apostar em startups.”
O professor de estratégia de marketing da Fundação Álvares Penteado (Faap), José Sarkis Arakelian, concorda. “É, ao que tudo indica, uma estratégia de diversificação para além do negócio principal”, diz ele.
O NeoFeed apurou que a Allen & Co, uma influente boutique de investimento americana especializada em real estate, tecnologia, mídia e entretenimento, está assessorando a Globo na formatação desses acordos e na escolha das startups nas quais investir. Novos aportes, em breve, devem ser anunciados.
A Allen & Co organiza também o Sun Valley Conference, evento anual que reúne, desde 1983, os principais executivos e empresários do mundo da mídia, finanças, entretenimento e tecnologia. Já participaram do festival que dura uma semana o megainvestidor Warren Buffett, os fundadores do Google Larry Page e Sergey Brin e o magnata da mídia Rupert Murdoch, entre muitas outras personalidades do mundo dos negócios.
Procurado, o grupo Globo não quis se manifestar para essa reportagem.