A abordagem geral da China às ações da Rússia em suas regiões vizinhas tem sido minimizar seu envolvimento. Após Moscou ter invadido a Geórgia em 2008, Pequim se recusou a reconhecer, por exemplo, as declarações de independência da Ossétia do Sul e da Abkhazia, estados de reconhecimento limitado.

Hoje, diante de um número crescente de restrições já impostas sobre empresas chinesas pelos Estados Unidos, Pequim pode estar mais inclinada a oferecer uma tábua de salvação econômica à Rússia e aos cúmplices do presidente Putin em particular. A tendência da China tem sido criticar severamente as sanções em geral, especialmente aquelas impostas pelos EUA sobre a Rússia.

Logo após a anexação da Crimeia, Pequim ofereceu apoio político a Moscou, mas agiu com moderação quando se tratou de fornecer alívio econômico aos russos para evitar que empresas chinesas fossem alvo de sanções secundárias. Na Ucrânia tem havido sugestões de que a China possa ajudar a Rússia nos bastidores, mas ainda não está claro o quão longe Pequim irá para acudir Moscou nesse aspecto.

A relação econômica com a Ucrânia.

Embora a Ucrânia seja um importante parceiro econômico para a China e um grande fornecedor de produtos agrícolas, Pequim deve ter percebido que a existência de barreiras à sua influência sobre Kiev. Desde 2014, quando houve a Revolução Maidan (a Praça da Independência) na Ucrânia – considerada pela elite chinesa como mais um exemplo de ação patrocinada pelo Ocidente – as relações políticas entre os dois países tornaram-se mais discretas.

A Ucrânia forneceu para a China tecnologia militar que a Rússia não estava disposta a vender. No entanto, a crescente influência norte-americana sobre Kiev desacelerou a cooperação militar-tecnológica entre Ucrânia e China. Com o objetivo de impedir essa transferência tecnológica, os EUA torpedearam a venda da fabricante de motores ucraniana Motor Sich para a empresa chinesa Skyrizon Aircraft.

Após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, Pequim não reagiu, ficou muda, e absteve-se de condenar a ação de Moscou no Conselho de Segurança da Organização das Nações unidas (ONU). No entanto, a China não deu nenhum reconhecimento explícito à incorporação da Crimeia pelos russos. De fato, naquela época Pequim acusou o Ocidente de usar dois pesos e duas medidas.

O Ministério das Relações Exteriores da China demorou algum tempo para formular sua posição em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia, que ocorreu no dia 24 de fevereiro. Quando finalmente emitiu uma declaração - embora não aprovasse explicitamente as ações da Rússia - Pequim sugeriu que os EUA estavam “derramando petróleo” nas chamas do conflito e “exagerando” a perspectiva de guerra. A China disse que as duas partes deveriam aderir aos Acordos de Minsk, e pediu o descalonamento da crise.

Ao conversar por telefone com o chanceler russo Serguei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, declarou apoio geral à “soberania e integridade territorial de todos os países”, acrescentando que a “China reconhece o contexto histórico e especial da questão ucraniana”.

As palavras lembram a reação de Pequim à anexação da Crimeia, mas, no contexto atual, pode ser interpretada como o apoio indireto da China ao uso da força militar pela Rússia. O fato de Moscou não precisar se preocupar com seu flanco leste também ajudou, já que os russos poderiam mover tropas do distrito militar oriental para ajudar no acúmulo de suas forças ao redor da Ucrânia.

A China é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto e responsabilidade pela paz e segurança internacional. Cada vez mais Pequim se posiciona como “potência global responsável” e adota uma postura mais ativa nas questões internacionais, de acordo com o seu poder econômico.

Um exemplo disso é a participação chinesa em missões de paz e suas ações diplomáticas e de mediação em conflitos internacionais. Mas essa imagem pode se tornar mais difícil de ser mantida com a intensificação do conflito militar na Ucrânia.

A China vai observar cuidadosamente a resposta dos Estados Unidos. Alguns sugerem que essa reação possa indicar como Washington pode reagir a qualquer ação chinesa sobre Taiwan. No entanto, as duas situações não devem ser confundidas porque têm suas próprias dinâmicas. O compromisso dos EUA com a defesa de Taiwan é mais forte do que com a Ucrânia.

A relação EUA - China

A deterioração na relação sino-americana é o principal fator na aprovação implícita de Pequim ao ataque russo contra a Ucrânia. Lá atrás, em 2014, a China aprofundava seu engajamento politico e econômico com os EUA e com a União Europeia.

Pequim começou construindo suas próprias instituições multilaterais, como a Iniciativa Cinturão e Rota e o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura: sua esperança era gradualmente ganhar mais voz na ordem internacional.

Naquele momento parecia viável a unificação pacífica com Taiwan, governada pelo Kuomintang (partido político). Mas hoje, China e EUA travam disputas em vários campos, do Mar do Sul da China à tecnologia e ciberespaço.

Pequim reduziu seu investimento externo. Os estados europeus, por sua vez, suspeitaram das intenções chinesas: a União Europeia passou a chamar a China de “concorrente econômico” e “rival sistêmico” em alguns setores.

Enquanto isso, o partido que governa Taiwan desde 2016 (Partido Democrático Progressista) está determinado em manter sua independência de facto, principalmente após a repressão de Pequim sobre Hong Kong ter demonstrado o vazio do princípio “um país, dois sistemas”, defendido pela China.

Em fevereiro, Putin e Xi reuniram-se na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim. Há quem aposte que Putin estava apenas esperando o fim dos jogos para dar o pontapé inicial na invasão da Ucrânia. Mas é discutível a possibilidade de as Olimpíadas de Inverno terem sido mesmo um fator nessa questão.

No entanto, o ataque militar da Rússia à Ucrânia criou uma distração útil e desviou a atenção dos EUA sobre a China poucos dias após Washington publicar sua nova estratégia do Indo-Pacífico.

No geral, a China tem menos a perder ao apoiar a política externa agressiva da Rússia do que há uma década.

Natasha Kuhrt Professora em Paz e Segurança Internacional, King's College London

Marcin Kaczmarski Professor em Estudos de Segurança, Universidade de Glasgow

Esse artigo foi originalmente publicado em inglês no The Conversation.