Existem 169 bancos centrais no mundo, mas um deles tem o poder incontestável de estabilizar ou desestabilizar moedas, bolsas de valores e de mercadorias. E, por tabela, infernizar a vida de investidores e governos: o Federal Reserve (Fed).

Guardião da moeda global, o dólar, o banco central dos EUA tem diariamente vigiadas declarações de seus dirigentes e decisões. Porém, anualmente, em agosto, a atenção da comunidade financeira se volta ao Simpósio de Política Econômica de Jakson Hole, em Kansas, no estado americano de Wyoming.

O evento, organizado pelo Fed de Kansas City há mais de quatro décadas, começará na quinta-feira, 24 de agosto, e terminará no sábado, 26. E terá relevância ampliada pelo estresse crescente no mercado financeiro global, onde o dólar se fortalece, interfere nas taxas de câmbio de todas as economias e a remuneração dos títulos da dívida americana batem recorde em mais de uma década.

Jerome Powell, presidente do Fed, faz a abertura do simpósio que reúne autoridades monetárias, banqueiros, investidores e acadêmicos. De Powell, naturalmente, se espera indicações sobre a extensão ou a conclusão do aperto monetário em curso.

Mas corte de juro está fora de questão. A ata referente à última reunião sobre taxa de juro, divulgada na quarta, 16 de agosto, abriu, inclusive, as comportas para mais aperto monetário. Indicação perturbadora para um mercado que flertava com uma distensão.

As declarações de Powell em Jackson Hole estarão em absoluta evidência num mercado ressabiado com as perspectivas para a economia chinesa e, portanto, global. As incertezas avançam em meio a riscos de desdobramentos de uma crise imobiliária no país que já respinga em fundos de investimentos.

Na terça, 15 de agosto, indicadores decepcionantes reforçaram a percepção de que o PIB pode não alcançar a meta de expansão de 5%. Ato contínuo, o BC chinês cortou taxas de juros. A principal caiu a 2,50%, no movimento mais agressivo desde 2020.

A decisão sugeriu que, até o fim de agosto, o BC chinês reduzirá a taxa de empréstimos mais longos para alimentar a atividade minada também pela venda acelerada de ativos por grandes investidores.

De Jackson Hole espera-se uma manifestação de Powell sobre a China que reforce a visão de Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, que na segunda-feira, 14 de agosto, afirmou ser a desaceleração da China “fator de risco para a economia americana”.

Juro saltou e inflação caiu

Apesar da torcida por um ponto de inflexão na taxa de juro, Powell deve reiterar que as próximas decisões dependem de novos dados e que o Fed segue determinado a levar a inflação à meta de 2%.

Um árido caminho, contudo, já foi percorrido. E, até por isso, dirigentes do Fed estão cautelosos e atentos à atividade que não descambou à recessão. Desde o último simpósio em Jackson Hole, a taxa básica americana saltou de 2,25%-2,50% a 5,25%-5,50%.

No mesmo período, a inflação ao consumidor despencou de anualizados 8,3% para 3,2%. O tombo é grande, mas 2% estão distantes. Portanto, mais juro pode estar a caminho, percepção que puxou o título do Tesouro dos EUA, de 10 anos – benchmark do mercado internacional – a 4,30%, na quinta-feira, 17 de agosto.

No último ano, o juro real americano saiu de território fortemente negativo para o positivo tornando-se mais que atrativo para investidores globais. E, por consequência, variável relevante a influenciar o fluxo de capitais no mercado internacional.

O fato de as duas maiores economias do mundo estarem no olho do furacão dão a Powell audiência global garantida. Mas a alta do juro ao patamar mais elevado em vinte anos pode fazer vítimas no sistema bancário. E os mercados também estão de olho nisso.

Depois de a Fitch ter rebaixado o rating de dez bancos norte-americanos pequenos e médios há dez dias e alertado para futuras revisões de instituições maiores, na terça, 15 de agosto, o analista Chris Wolfe, da agência, repetiu o alerta que acabou reforçado, no mesmo dia, pelo presidente do Fed de Mineápolis, Neel Kashkari.

O dirigente do Fed afirmou que, “na média, o sistema bancário (americano) está estável”, mas reconheceu que os bancos podem enfrentar mais perdas se o Fed tiver que elevar ainda mais os juros – possibilidade que o próprio Kashkari indicou em entrevista.

Não é certo que aconteça, mas o Simpósio de Jackson Hole pode atenuar preocupações que se avolumam para além das fronteiras americanas. Na atual contagem regressiva para o evento, foi notável a mobilização de dois bancos centrais, além do chinês.

Juro fora de pauta e risco no arcabouço

Na segunda-feira, 14 de agosto, o BC da Argentina desvalorizou o câmbio em 18% e elevou sua taxa básica de 97% para 118%. A instituição reagiu à turbulência do mercado que refletiu profunda inquietação com a vitória do líder de extrema direita, Javier Milei, nas parciais para a eleição presidencial de outubro.

Milei é um fator de risco a ser altamente monitorado, inclusive, porque sua eventual vitória à Casa Rosada coloca em xeque o equilíbrio da região e o Mercosul – tema caro ao presidente Lula.

Na terça-feira, 15 de agosto, o BC da Rússia subiu sua taxa básica de 8,5% para 12% para evitar os efeitos da inflação, mas sobretudo para resgatar o rublo de uma abissal desvalorização.

No Brasil, o BC teve ampla exposição com o presidente Roberto Campos Neto e o diretor de Política Monetária Gabriel Galípolo participando de diferentes eventos públicos. Com direito a bis.

A dupla não comprometeu sinalizações da instituição que iniciou, há pouco, o ciclo de corte da taxa Selic. Mas Campos Neto marcou posição e, de pronto, alertou que a alta dos combustíveis pela Petrobras a partir da quarta-feira, 16 de agosto, elevará a inflação, o que impõe maior cautela do BC com o ritmo de queda do juro.

Também de pronto, bancos e consultorias aumentaram suas projeções de IPCA para este ano acima de 5%. Entretanto, a despeito desses ajustes e da alta do dólar – que encosta em R$ 5 pressionado pelo câmbio internacional – o juro está fora de pauta.

É “fichinha” ante a expectativa de aprovação da âncora fiscal que, se não andar, poderá elevar em muito a percepção de risco no Brasil, onde a política, no momento, se sobrepõe à economia.