Nem cedo, nem tarde demais: o suíço Marco Tedeschi assumiu o comando da RJ Watches na hora certa, há dois anos. Formado em engenharia de microtécnica pela Universidade de Artes e Ciências Aplicadas de Western Switzerland, o mais jovem CEO do mercado de alta relojoaria do mundo tem hoje 34 anos e viveu 11 deles na Hublot, do grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH).

Recrutado ainda no segundo ano da faculdade, depois de desenvolver e patentear um mecanismo conceito de movimento de eixo único para relógios (normalmente são dois ou três eixos, destinados a melhorar a precisão do relógio), Tedeschi ascendeu na escada hierárquica da Hublot até assumir o cargo de diretor regional, trabalhando a grife em lugares-chaves, como Oriente Médio e África.

Ele poderia ter continuado na Hublot, mas uma proposta irrecusável de poder reinventar uma marca que já existia o fez acelerar os ponteiros. Em 2017, aceitou o desafio de comandar a Romain Jerome e rebatizá-la de RJ Watches, para atingir um público mais jovem. Mas abastado: os relógios da marca custam entre US$ 6 mil e US$ 40 mil.

Fundada em 2004 como uma marca de relógios de golfe, ela é uma das poucas grifes relojoeiras suíças de luxo que não estão sob os domínios dos grandes grupos como Swatch, Richemont, Kering e LVMH. A marca ganhou projeção mundial quando lançou, em 2007, uma coleção de relógios feitos com aço do Titanic, o emblemático navio transatlântico que afundou em sua viagem de inauguração em 1912 e deu origem a clássicos do cinema.

O approach certeiro inspirou o lançamento de peças que tinham como base a mesma estratégia. A grife criou um exemplar contendo lava do vulcão islandês Eyjafjallajökull. Outro, com poeira lunar, e, mais recentemente, lançou no mercado um modelo que usa metal da espaçonave Apollo 11.

Com sede em Genebra, na Suíça, a RJ nunca perdeu sua irreverência, e a experiência e frescor de Tedeschi eram o combo que a empresa buscava para conquistar novos mercados.

De passagem por Los Angeles, antes de seguir viagem para a Ásia, seu principal mercado, Tedeschi falou com exclusividade ao NeoFeed, e mostrou que o comando de um millennial pode ser surpreendente: não apostando em influencers, reconhecendo vantagens em profissionais mais velhos e desacreditando nos smartwatches. Se a estratégia dará certo, só o tempo dirá. Acompanhe:

Como é ser o mais jovem CEO em um mercado dominado pela tradição e experiência?
Quando eu fui convidado para essa posição senti que um grande sonho estava se realizando. Sabia desde muito novo que era esse o trabalho que queria fazer: criar relógios. Investi uma década trabalhando duro neste mercado, e finalmente consegui a oportunidade tão aguardada. Esperava por isso há algum tempo, e estava preparado.

Em algum momento ou situação, sentiu preconceito por ser mais jovem que outros CEOs deste mercado?
Nunca senti preconceito, até porque agora já não sou jovem demais para ser subestimado. Além disso, antes de assumir este cargo, ocupei posições estratégicas importantes em grandes marcas. Estou seguro da minha carreira e meu histórico. Sei que sou a pessoa certa para este trabalho.

Como você, que faz parte da geração millennial, define liderança? E como podemos definir a sua liderança na RJ Watches?
Nossa empresa é pequena, e eu gosto de pensá-la sob uma ótica quase esportiva: vejo minha equipe como um time, e eu sou o capitão. Estou aqui com o claro objetivo de tentar ajudá-los a performar melhor e mais consistente. Trabalhamos num estúdio, não num escritório, e ali não há divisórias e baias, como se vê em outras marcas tradicionais. Nosso espaço é todo aberto, porque queremos verdadeiramente que as pessoas aqui também o sejam.

O modelo Arraw 6919 traz fragmentos da nave Apollo11 e custa até 31,4 mil euros

Muitas marcas tradicionais ainda têm dificuldade em trabalhar com esse mundo digital. Como você enxerga isso?
Eu gosto sempre de lembrar que demos um "reset" na marca. Começamos tudo de novo depois que me tornei CEO. Então, somos bastante jovens. Nossa filosofia é pensar exclusivamente no digital: não temos absolutamente nada impresso, nem catálogo, nem flyer, nem nada. Tampouco fazemos anúncios em revistas e jornais. Todas as nossas ações repetem o mantra do "digital first", colocando ainda mais ênfase no "mobile first". E eu acho isso uma tremenda vantagem em relação à concorrência, porque não precisamos passar por uma transição, entende? Nós já (re)nascemos digital.

Todas as nossas ações repetem o mantra do "digital first", colocando ainda mais ênfase no "mobile first"

E os influencers, vocês trabalham com eles?
Não trabalhamos e nem vamos trabalhar. Queremos ser diferentes, e eu não acredito nessa história de "embaixador de marca", como vemos por aí. Nossos clientes são os nossos embaixadores. Acho pouco provável que uma pessoa compre um relógio porque viu no pulso de influenciador que foi pago para usar a peça, e o faz sem necessariamente atrelar ao valor da marca. Nossos clientes não caíram nessa "armadilha". Queremos trabalhar com gente que realmente faz coisas inspiradoras, e que não aceitam dinheiro por isso.

Outra coisa curiosa é que a RJ Watches não está trabalhando com esportes…
Pode escrever isso: nunca trabalharemos com influencers ou esportes. Por quê? Porque somos diferentes. Tem muitas marcas por aí fazendo um trabalho excepcional com esporte – e acho que cada modalidade esportiva tem virtualmente uma marca de relógio como apoiadora, mas a RJ Watches não olha nesta direção.

Marcas tradicionais de luxo parecem "patinar" na hora de conquistar clientes millennials, o que vocês estão fazendo de diferente para não repetir os erros?
A barreira é a comunicação. Por exemplo, optamos por trabalhar a revenda de nossos relógios em lojas-conceito, porque tem mais a ver com a nossa proposta e com esse público com quem dialogamos. Não existe ali aqueles rituais tradicionais, de uma pessoa abrindo as portas para os consumidores, caminhando ao seu lado e fazendo uma verdadeira cerimônia – eu mesmo fico super desconfortável nestas situações. Não, nossos consumidores podem e querem ser atendidos por alguém que viva essa filosofia mais relaxada. A nossa comunicação e o nosso staff é declaradamente mais casual, porque acreditamos em uma nova maneira de se relacionar.

Acho pouco provável que uma pessoa compre um relógio porque viu no pulso de influenciador que foi pago para usar a peça

Qual foi a lição mais importante que recebeu ao longo de sua carreira?
Eu tive a chance de trabalhar o Jean-Claude Biver, um verdadeiro guru da alta relojoaria (Biver foi quem colocou a Hublot "no mapa", e chegou a ser presidente da divisão de relógios do grupo LVMH), e ele me ensinou duas coisas importantes: o consumidor é um rei, e você precisa tratá-lo com a majestade que merece. A segunda é dar ouvidos à sua equipe. É preciso sempre ouvir informações, críticas e sugestões dos dois lados para que tome a melhor decisão para a empresa e os funcionários.

Além de fazer a empresa lucrar, qual o seu objetivo como CEO?
Estamos trabalhando em diferentes conceitos, mas já posso te dizer que não queremos criar uma marca, mas uma comunidade. Meu objetivo é, portanto, construir um grupo de pessoas que compartilhem a mesma paixão por relógios, mas de uma maneira nova.

Seu time conta com profissionais mais jovens e mais velhos que você – quais os prós e contras disso?
Eu só vejo vantagens, sinceramente. Dois membros do nosso time estão quase na faixa dos 80 anos, e, se quisessem, eles já poderiam estar aposentados. Um deles tem 50 anos de experiência e isso nos torna muito mais fortes, como equipe e como marca, do que reunir apenas uma galera de 20 e poucos anos. Esses caras não têm medo de perder o emprego para alguém mais jovem, eles estão ali, na ativa, simplesmente para compartilhar o que aprenderam durante todos esses anos no mercado.

As últimas coleções trouxeram exemplares do Batman, do Homem-Aranha e do Coringa. Isso não vai contra o conceito de luxo? Não infantiliza a marca?
De forma alguma. Veja o Batman, por exemplo, que comemorou 80 anos em 2019 – se tornando mais velho do que nossos profissionais citados na resposta anterior, por exemplo. Esses personagens são intergeracionais: meu pai, que já passou dos 80, lembra muito bem dos gibis; e meus filhos de dois anos também já conhecem a história do homem-morcego. Esses cartoons falam com várias gerações. Além disso, não queremos ser identificados e relacionados a uma pessoa, mas a um herói, como Batman e Homem-Aranha.

E o que pensa de smartwatches?
São passageiros, como a moda. A gente foca em coisas atemporais, algo que tenha um significado, que os ponteiros não envelhecem. Nosso modelo RJ Arraw 6919 (a partir de US$ 25 mil), por exemplo, é feito com partes do foguete Apollo 11. Você leva no pulso um pedaço da história; uma ideia que foi à Lua e voltou.

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