VILA NOVA DE GAIA - Latinhas de portonic Taylor’s, um ready to drink que combina vinho do Porto branco, tônica e limão, acabam de chegar à rede de supermercados St. Marche, em São Paulo. Mas vão ser distribuídas para todos os estados brasileiros. Esta é a parte mais visível por aqui da renovação que o grupo Fladgate, dono de marcas centenárias de vinho do Porto, está promovendo para manter a bebida relevante para todas as gerações.
“É uma forma de rejuvenescer o vinho do Porto e possibilitar diferentes ocasiões de consumo. E acredito muito no potencial no Brasil. Tem muitos jovens e esta é uma bebida de praia”, diz Adrian Bridge, CEO do grupo, ao NeoFeed. “Além disso, para o tamanho do país a distribuição em lata é mais fácil que garrafas.”
A estratégia “simbiótica” do grupo combina inovação no vinho do Porto com turismo e museus/experiências numa verdadeira revolução na Vila Nova de Gaia, cidade a margem do Douro e de frente para a cidade do Porto. Um chacoalhão na cultura da bebida que tem no peso da história e no envelhecimento nos tonéis um de seus principais atributos.
Com a “queda de 25% das vendas de vinho do Porto de volume nos últimos 20 anos porque a as pessoas estão bebendo menos e melhor”, diz Bridge, o grupo soube se antecipar e focar seus esforços para os vinhos do Porto especiais (tawny, colheita, vintage) segmento em crescimento.
“Só em 2021, os vinhos do Porto especiais representaram 47% do valor de vendas e 23% do volume da produção do país. Este ano deve chegar a 50% em valor", diz Bridge. No ano passado, as vendas de vinho do Porto bateram 391 milhões de euros, crescimento de 15% sobre 2020 e 3% sobre 2019.
No mesmo movimento, lançou um projeto ambicioso na região em 2010, o hotel Yeatman, um cinco estrelas de lazer, dedicado ao vinho onde até a piscina tem forma de decanter, numa área que só tinha hotéis para negócios. Em 2011, o restaurante ganhou a primeira estrela Michelin. Hoje tem duas.
Em 2020, em plena pandemia inaugurou o WOW (World of Wine), um complexo cultural de 109 milhões de euros, com sete museus interativos, 14 restaurantes, bares e cafés, de diferentes estilos, escola de vinho, que ocupam galpões de armazenagem que pertenciam a companhia e estavam vazios.
O conjunto envolve o museu de vinho, o da cortiça (único no mundo), o de história do Porto, outro reúne a inacreditável coleção particular de mais de dois mil copos para celebração de Bridge, além do museu do chocolate (onde funciona a fábrica da marca própria de chocolate de origem, a 2020), o da moda e o do vinho rosé.
Ao regenerar uma área degradada com a criação do Yeatman e dez anos depois o “quarteirão cultural” (como chamam o complexo do WOW), o grupo se tornou um catalizador atraindo vários outros investimentos para a região. Os hoteis Hilton e o Lodge, por exemplo, ocupam antigos armazéns.
Mas há outros cinco empreendimentos hoteleiros a serem inaugurados em Vila Nova de Gaia, sendo que no centro histórico são da categoria luxo. A bandeira Renaissance, por exemplo, foi anunciada para o projeto de um cinco estrelas com mais de 100 quartos.
“Desde que investimos 109 milhões de euros no WOW, outros 250 milhões de euros em investimentos chegaram à região. Há outros fatores envolvidos, claro, mas temos nossa importância nesse processo”, afirma Bridge.
Em 2025, a companhia deve inaugurar mais um hotel cinco estrelas na região com um investimento de 30 milhões de euros que tem nome provisório de Bearsley (sobrenome de um dos empreendedores da Taylor’s). Vai ocupar parte de galpões da Fonseca e terá uma parte construída de forma modulos. "Como um Lego."
A companhia de 330 anos tem várias inovações em sua trajetória, como ter lançado o Chip Dry, um novo estilo de porto branco seco, em 1934, mas foi Bridge que promoveu as transformações recentes mais significativas ao ampliar as áreas de atuação do grupo e a internacionalização. Além claro, de também deixar sua marca nos produtos, ao criar o primeiro vinho do porto Rosé e ter provocado a mudança da legislação para isso, o Croft Pink, e agora o ready to drink portonic.
Vindo de uma carreira militar na primeira divisão na guarda britâ
ncia da rainha e no mercado financeiro, no NatWest Investment, casado com Natasha, uma das herdeiras da família proprietária, ele entrou na companhia em 1994, para cuidar das vendas nos mercados do Reino Unido e EUA, e assumiu como CEO em 2000. “Quando entrei exportávamos para 46 países. Hoje estamos em 125. Acompanhei o movimento de globalização.”
O grupo hoje trabalha em quatro pilares, vinho do Porto (com as marcas Taylor's, Fonseca, Croft, Crown), hotelaria (com o Yeatman e o Vintage), distribuição de vinhos em Portugal de outros produtores como Quinta do Castro e Pera Manca, e o que ele chama de conteúdo, ou seja, os museus e restaurantes.
Com as novas frentes, Bridge acredita que no futuro o vinho do Porto representará 30% do negócio. “Hoje responde pela metade do faturamento e do lucro”, diz Bridge. As marcas do grupo detêm 30% do segmento de vinhos do Porto especiais em Portugal.
E a empresa continua investindo. Recentemente comprou de 100 hectares de variedades tintas para a produção de vinho do Porto. Em 2021, o grupo teria faturado 117 milhões de euros, sendo 20% vindo do turismo.
A seguir trechos da entrevista exclusiva concedida por Bridge ao NeoFeed, no café Suspiro, um dos pontos de encontro para os visitantes dos museus, no WOW:
Qual era sua estratégia ao entrar em novas áreas de atuação como o WOW?
Eu acredito no turismo sustentável e para tanto é preciso ter hotéis e os destinos precisam de conteúdo. A cidade do Porto sempre foi dominada pela Igreja. E antigamente os nobres não podiam ficar mais de três noites na cidade do Porto. Por isso não há casas nobres na cidade, as casas grandes pertencem as igrejas. Qual a relevância disso? Em muitas cidades do mundo as casas de nobres são reutilizadas, quando os herdeiros cedem para os museus.
Foi por isso que recuperaram os armazéns da região?
A lógica dos antigos armazéns do vinho do Porto é que são espaços fechados e com pouca luz e ideais para transformação em museus e experiências. Nesta margem do rio, tínhamos os armazéns de vinho que nos pertenciam há séculos. O quarteirão cultural WOW surge do reaproveitamento dos armazéns históricos. Essa área não é protegida pela Unesco, mas é um centro histórico. O que fizemos aqui é visível de vários pontos da cidade. Colocamos aqui 109 milhões de euros e 55 mil metros quadrados de conteúdo.
Quando vocês lançaram o Yeatman, em 2010, o WOW já estava previsto?
O projeto original que desenhamos previa um condomínio fechado e o hotel. Aí veio a crise do Lehman Brothers em setembro 2008 e decidi avançar só com o Yeatman, um hotel 5 estrelas. Na época todo mundo achou que eu era maluco, não só porque estávamos numa crise financeira. Mas em especial porque este era um destino de negócios. Muitos executivos internacionais vinham para cá e ficavam hospedados no Sheraton por 130 euros e a cidade ficava vazia em julho e agosto quando eles estavam de férias.
Por que fazer um hotel de lazer?
As pessoas não vinham mais para o destino. E na minha visão isso era importante não só pelo Porto ser uma cidade lindíssima com tradições importantes, arquitetura e comida especial, mas também pela sua relação com o vinho do Porto. Por isso construí o Yeatman um hotel 100% dedicado ao vinho, com diária na época de 260 euros. Um hotel sem uma marca tradicional, com 82 quartos, portanto sem escala, que consumiu 32 milhões de euro.
E o projeto do WOW?
Durante a crise tínhamos comprado mais uma área fora da cidade para armazenamento e engarrafamento de vinho, então em 2013 tínhamos esta área vaga no centro histórico. Mas não voltei para a ideia de condomínio fechado. Porque para construir um negócio de turismo sustentável era preciso construir o conteúdo. Queríamos criar experiencias mais que um museu tradicional, estático. Queríamos estimular os sentidos. Naquela altura havia 17 centros de vinho aqui no Porto para visitação, mas ninguém que falasse sobre vinho em si.
Por que agregar outros temas nos museus?
Não existe nenhum museu-experiência no mundo que fala sobre cortiça porque ela é famosa em Portugal. E aí pensamos por que também não ter um espaço para minha coleção pessoal de vasilhas de bebidas? Mas também porque não temos um museu para contar a história do Porto, sobre o destino? E mais tarde veio o projeto do museu do chocolate porque o chocolate encaixa bem com vinho do porto. E os mais recentes da moda e do vinho rosé.
Qual era o objetivo do WOW para o resultado do grupo?
Objetivamente era fazer um negócio com uma escala suficiente, que funcionasse também como um catalizador para esta zona. Porque lembrando que quando começamos a construção aqui, mais de 50% dos armazéns aqui eram abandonados. Hoje, o Hilton e do hotel da Kopke, por exemplo, ocupam armazéns. Esse projeto funciona muito bem para estimular a regeneração desta zona. Nosso investimento de 109 milhões de euros estimularam investimentos adicionais e 250 milhões de euros aqui até agora. E também o valor do metro quadrado cresceu 4 a 5 vezes mais, o que beneficiou nossas outras propriedades.
Qual a previsão para recuperar o investimento no WOW?
O sucesso deste projeto será quando o WOW estiver no bucket list dos brasileiros e dos chineses. E fizemos os museus para ser referências mundiais de experiência. Agora somos o único wine experience do mundo. Mas sei que há outros em construção. Só que nosso conceito é diferente. Nosso storytelling ajuda as pessoas a abrirem o olhar e conseguir respostas que as vezes ele tem vergonha de perguntar, como por exemplo, qual a diferença de uma uva de mesa e a usada para fazer vinho.
O WOW já alcançou a meta de visitação?
Temos 22 meses de soft opening e 6 meses de abertura total. Só em abril tiramos a máscara. O mais importante é que o crescimento se dá em todas as partes do WOW, nas lojas, nas experiencias, nos restaurantes, no número de alunos nas escolas de vinho. O que começou a fazer diferença a partir de setembro são os eventos porque antes não eram possíveis. Nosso objetivo é vender um milhão de entradas por ano. Hoje devemos chegar a 600 mil.
Qual é o impacto do WOW no pilar do vinho do Porto?
A ligação entre nossos negócios é muito simbiótica. A marca Taylor’s traz para o destino, a pessoa fica no Yeatman, visita as experiências e conta para outras. E vamos ganhando mais clientes. O WOW é um negócio que se tiver 500 mil ou um milhão de pessoas custa o mesmo. E um modelo de negócio como esse tem muita capacidade de faturar, muito cash flow. O investimento é no início, depois é custo operacional.
No plano do grupo, vinho do Porto ainda deve ser o principal negócio?
Quando olhamos para o vinho do Porto pensamos na venda do vinho em garrafa. Mas no WOW a venda de taças faz com que a margem seja muito maior por garrafa. A mesma garrafa em sua vida dá mais lucro nos restaurantes e salas de prova do que no fornecimento no varejo. Depois quem prova o Taylor´s aqui, passa pelas experiências, volta para casa e continua comprando o vinho do Brasil, por exemplo. Então esta é uma maneira de construir uma relação simbiótica. Acredito que o vinho do Porto vai continuar a crescer e no futuro representar 30% do negócio. Hoje é 50%. E o WOW vai ultrapassar o Yeatman por causa da escala.
A expectativa com o ready to drink é ser uma fonte importante para o negócio?
Por que não? O mundo do vinho precisa de inovação. Foi o que fizemos com o Croft Pink, o primeiro vinho do Porto rosé. Criamos uma categoria. A bebida em lata é fácil de levar para praia, rejuvenesce o vinho do Porto e cria novas possibilidades de consumo. Assim, como nossas experiências acompanham este movimento.