Por vezes me pego refletindo sobre os aprendizados e o papel dos líderes durante as crises. Não apenas refiro-me à pandemia, mas também a momentos complicados por quais já passamos e outros por quais certamente atravessaremos, seja do ponto de vista econômico, social, político ou até mesmo, novamente, de saúde pública.

Dependendo de como gerenciada, a crise pode servir como chave para destravar os times e abrir as portas para novas oportunidades. Um ponto fundamental da liderança em tempos de crise é entender bem o contexto: começar com os fatos para acalmar os ânimos, manter o foco e reduzir rumores.

Especialmente a pandemia nos mostrou o quão importante é a nossa luta contra as ‘fake news’ ou informações desencontradas. Hoje em dia, qualquer pessoa com um smartphone e acesso à Internet se torna um potencial veículo de comunicação, mas nem sempre em compromisso com a verdade - infelizmente.

Na crise, é quando o líder precisa estar ainda mais presente. Pois só assim é possível entender o ‘front’ para, em seguida, construir uma estratégia de “frente para trás” para atacar o problema. Para citar um exemplo dentro de casa, a partir deste pensamento é que coloquei em prática, logo no começo da pandemia, uma live semanal com todos os colaboradores da Telhanorte Tumelero.

Foi a maneira que encontrei de tranquilizar a equipe, aprender com eles e deixar todos a par dos acontecimentos nessa fase tão marcada por incertezas. Já ultrapassamos a 83ª semana consecutiva e desses encontros surgiram diversas trocas e novos projetos.

A presença ativa do líder somada a uma boa execução de estratégia é o que contribui para manter uma cultura forte, o que é essencial em tempos de crise. As pessoas precisam acreditar no propósito. Elas são mais inspiradas por propósitos maiores e isso faz uma grande diferença na qualidade da execução. Tanto que um estudo realizado pelas Forças Armadas Americanas mostrou que as missões com o objetivo de ‘salvar uma vida’ são melhor executadas do que as missões para ‘matar algum inimigo’.

“Um estudo realizado pelas Forças Armadas Americanas mostrou que as missões com o objetivo de ‘salvar uma vida’ são melhor executadas do que as missões para ‘matar algum inimigo’”

O contexto e o propósito são importantes. Mas como atingir essas metas? Com comunicação direta! Acredito que o bom líder deve ser capaz de comunicar, não somente transmitir.

Recentemente participei de um inspirador encontro com o Almirante Eric Olson, ex-comandante das Forças Especiais Americanas e responsável pela operação que eliminou Bin Laden. Uma das passagens que mais me marcou (ainda mais vindo de um miliar) foi quando ele disse que as transmissões que acontecem de cima para baixo, isto é, ´North to South´, são pouco eficientes e se perdem.

Segundo ele, a comunicação deve ter escuta e troca (´North to South to North´), ser colaborativa (´East to West´), mais espontânea e direta. É preciso escutar, porque cada membro da equipe tem algo único para contribuir, e ainda ajuda a engajar e tirar resistências do time. É papel do líder garantir que a comunicação aconteça desta forma.

A comunicação gera mais engajamento quando ligada a um ingrediente fundamental: a emoção. Costumo dizer que o engajamento passa pela cabeça, mas acontece mesmo no coração. Isso acontece principalmente a partir do exemplo e através de emoção.

“É preciso escutar, porque cada membro da equipe tem algo único para contribuir, e ainda ajuda a engajar e tirar resistências do time”

Não há mais espaço para a liderança do passado, que se resumiu ao “comando e controle”. Cabe ao líder atual ouvir mais, se colocar no lugar do outro e reconhecer os erros. O trabalho deve ser cada vez mais humanizado. Pesquisas mostram que líderes empáticos não apenas têm equipes mais inovadoras e produtivas, como também são mais propensos a reter talentos.

Precisamos remover de vez a cultura ultrapassada da hierarquização. Não cabe ao líder tomar todas as decisões. O papel é mostrar o caminho e ajudar as equipes a priorizar o que é realmente relevante.

O empoderamento é fator chave neste processo. Isso significa delegar autoridade e também responsabilidade. E garantir que as equipes sejam protagonistas e exerçam plenamente os poderes delegados.

“Pesquisas mostram que líderes empáticos não apenas têm equipes mais inovadoras e produtivas, como também são mais propensos a reter talentos”

Contexto, propósito, comunicação, emoção e empoderamento. Comecei o artigo dizendo que os momentos de crise nos colocam num modo de atenção e reflexão que nos faz superar as dificuldades e criar oportunidades. Mas por que é tão difícil manter essa pegada em “tempos normais”? Fica a provocação, e o desafio.

*Juliano Ohta é CEO da Telhanorte Tumelero (Grupo Saint-Gobain), Conselheiro e Líder do Comitê de Pessoas/ESG do IDV - Instituto para o Desenvolvimento do Varejo e Conselheiro Emérito do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.