“O mundo pós-pandemia é a hora do WeWork brilhar”. Com esse título, uma reportagem publicada há duas semanas pelo jornal britânico Financial Times chamou atenção para o novo momento vivido pelo WeWork, até pouco tempo, a grande estrela do segmento de escritórios compartilhados.
A companhia entrou em parafuso depois do turbilhão de problemas desencadeado por um IPO frustrado, no segundo semestre de 2019, que trouxe à tona problemas de governança, de estratégia e um histórico de resultados deficitários. Mas vem encontrando a luz no fim do túnel a partir de mudanças geradas pela Covid-19.
“Esse modelo de trabalho híbrido, que a gente vinha propondo há muito tempo, ganhou o mainstream”, afirma Lucas Mendes, diretor-geral do WeWork no Brasil, ao NeoFeed. “Está muito claro que você não precisa gastar duas horas no trânsito, mas as pessoas querem, em algum momento, ter um escritório.”
Segundo o executivo, a aceleração dessa tendência já está se refletindo na operação brasileira. “As empresas com mais de mil funcionários já representam mais de 50% dos nossos clientes”, afirma. A lista inclui companhias como a Sky, que aderiu a essa tendência e firmou contrato com a WeWork no período.
Cruzeirense fanático, Mendes, bem-humorado, coloca o clube mineiro entre os principais nomes dessa lista. Diante de uma série crise financeira, o Cruzeiro vem se desfazendo de alguns ativos que abrigam suas operações administrativas e migrando esses times para as instalações do WeWork em Belo Horizonte.
Entre aberturas e fechamentos de unidades, hoje, o WeWork tem 32 unidades no mercado brasileiro. Antes de retomar os planos de expansão, a partir do segundo semestre, a empresa quer avaliar a aderências de produtos que estão sendo testados no País e que vão ao encontro dessas tendências, como a locação de espaços por hora.
Em entrevista ao NeoFeed, Mendes fala sobre essas novas ofertas, as mudanças no mercado, os impactos do IPO frustrado na operação e sobre as perspectivas para 2021. “Esse será, de fato, o nosso ano. Até o Financial Times está dizendo isso. Não vou discordar deles”, conclui. Acompanhe a entrevista:
Como a pandemia vem impactando o mercado de escritórios compartilhados?
Para o nosso negócio, foi um ano de transformação. O que ficou muito claro nos primeiros meses é que, lógico, teríamos um grande desafio de curto prazo para nos adequarmos. Mas o trabalho no mundo pós-pandemia será flexível, e esse pós-pandemia já existe, porque não são todos os países que estão no caos que o Brasil está. Esse modelo de trabalho híbrido, de vários lugares, que a gente vinha propondo há muito tempo, ganhou o mainstream. Agora, está muito claro que você não precisa gastar duas horas no trânsito, mas talvez também não queira ficar em casa o tempo todo. Fizemos pesquisas sobre isso e 80% das pessoas querem, em algum momento, ter um escritório.
Apesar disso, o WeWork fechou unidades no Brasil. O que explica essas medidas?
Estamos constantemente reavaliando o nosso portfólio. Esses escritórios que encerramos eram questões específicas dessas unidades e não do modelo. Foram duas no Rio, que eram relativamente pequenas. E seguimos em frente. Temos 32 unidades no País. Abrimos, por exemplo, um headquarter inteiro com a Sky, em São Paulo, e unidades novas na região da Paulista. Do ponto de vista de volume é infinitamente maior do que fechamos.
Esse novo cenário já se refletiu em uma maior procura por parte das grandes empresas?
As empresas com mais de mil funcionários já representam mais de 50% dos nossos clientes. Obviamente, elas têm um tempo de decisão mais lento, mas estão nos procurando desde meados de 2020, em grande volume, e algumas delas começaram a tomar a decisão, de fato, a partir de dezembro. E para o público de empresas menores e pessoas físicas, foi um pouco a questão de não querer ficar o tempo inteiro em home office.
"As empresas com mais de mil funcionários já representam mais de 50% dos nossos clientes"
Como essas mudanças impactaram o desenvolvimento de ofertas no WeWork? O que há de novo no portfólio?
Nós lançamos nos Estados Unidos um produto que chama All Access, que funciona como um free pass de academia, que pode ser usado em qualquer unidade do WeWork. É como uma assinatura, um Netflix, que estamos dando para o usuário testar. Começamos aqui no Brasil em fevereiro, com uma base menor de clientes pessoa física. Nesse primeiro momento, ainda não temos definição de preço, mas vamos ser bem agressivos para poder mostrar o produto. E temos também o On Demand.
Como funciona essa oferta?
Temos um piloto na unidade do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, de usar o escritório por dia. Mas vamos transformar em por hora e esperamos colocar para todo o Brasil ainda nesse semestre.
Qual é a taxa de ocupação do WeWork hoje no País?
Nós não abrimos esse número por país, mas, do ponto de vista relativo, nossos números já estão próximos do que tínhamos um ano atrás.
Há planos de expansão para esse ano no Brasil?
Nesse momento, estamos mais focados em ver como esses novos produtos vão performar. Mas é algo que está no nosso radar, a partir do segundo semestre. Até lá, saberemos para onde ir e em qual velocidade. Em algumas cidades, como Belo Horizonte, onde nossos prédios estão praticamente lotados, a gente já tem que pensar em expandir. A mesma coisa em São Paulo e no Rio.
Hoje, o WeWork está mais concentrado em grandes centros, nas capitais. Há planos de mudar os critérios dessa expansão, em linha com essas novas tendências que você descreveu?
Já avaliamos no passado oportunidades em outras regiões de São Paulo e mesmo em outras capitais onde estamos. Mas ainda somos pequenos nesses locais. Temos três prédios na região da Avenida Paulista e cinco na região da Faria Lima. As oportunidades nessas áreas são muito maiores. Por isso, ainda estamos avaliando onde fará mais sentido.
Quais outras oportunidades vocês enxergam no mercado brasileiro?
Temos vários modelos aqui, como prédios em divisão de receita com os proprietários, onde compartilhamos o risco, somos literalmente sócios deles, do ponto de vista financeiro. Já é um modelo que operamos aqui faz tempo e vemos possibilidade de seguir avançando. E temos o modelo que operamos o Cubo, hub de inovação do Itaú Unibanco, de white label, onde a operação tem a cara deles e fazemos o back end. Também vemos muito potencial nesse modelo. Não há nada no curtíssimo prazo, mas estamos em algumas conversas e, em breve, teremos novidades.
Além da pandemia, o WeWork já vinha passando por uma série de problemas desde a suspensão dos planos do IPO, em 2019. Qual foi o reflexo na operação brasileira?
Empresas que crescem muito rápido, como foi o nosso caso, têm uma dinâmica própria. No Brasil, nós nunca abrimos outras unidades de negócio do WeWork. Sempre estivemos focados no nosso core business. Mas aprendemos muito. Vimos o que funciona mais, onde gastar energia, que é bom ter foco, priorizar o que faz mais sentido para poder, passo a passo, terminar um capítulo até começar outro. O meu desafio como gestor foi pensar em novos produtos e concentrar o time no que importa, porque todos esses ruídos não mudam a vida do cliente que, no final, é quem importa. Não adianta ficar remoendo sobre as coisas que não temos controle.
"O Softbank tem um papel fundamental nessa recuperação. Eles trouxeram um excelente time de executivos"
O que mudou, de fato, a partir do momento em que o Softbank assumiu as rédeas da operação?
O Softbank tem um papel fundamental nessa recuperação. Eles trouxeram um excelente time de executivos, que tem vivências diferentes e que trouxe outras ideias e inputs. A empresa é internacional, global, mas, hoje, o Marcelo Claure, nosso chairman, não conhece apenas o Brasil. Ele conhece as cidades do Brasil e aposta muito na região. São executivos experientes, que acrescentaram bastante no dia a dia.
Olhando todo esse cenário e sob a perspectiva de uma quarentena com mais restrições, qual é a perspectiva para esse ano?
As pessoas vão querer, em algum momento, estar em espaços de trabalho. E estamos prontos para receber essa demanda. Temos visto isso no mundo inteiro. Em Israel, por exemplo, onde a vacinação está mais avançada, os nossos volumes estão superando o que tínhamos antes da crise, na China, a mesma coisa. Então, 2020 foi um ano bom para a operação, mas 2021 será, de fato, o nosso ano. Até o Financial Times está dizendo isso. Não vou discordar deles.