O Fórum Econômico Global, em Davos, que ao longo desta semana está reunindo mais de 2.700 líderes de 130 países, tem como objetivo discutir a recessão global, as mudanças climáticas e a crise das cadeias de suprimento, afetadas pela Guerra da Ucrânia e pelos efeitos de quase três anos de pandemia.
Embora fora da agenda principal de Davos, um tema desconfortável começou a ganhar relevância nos debates: o protecionismo crescente entre as maiores economias do planeta.
Coube à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, colocar o dedo na ferida ao anunciar nesta terça-feira, 17 de janeiro, um pacote de subsídios para estimular indústrias do bloco a desenvolver energia verde, incluindo tecnologias eólica, solar, baterias e de hidrogênio.
A líder do bloco europeu disse que muitos países, incluindo os EUA e a China, estão investindo pesadamente em tecnologia limpa por meio de subsídios e a Europa teria que fazer o mesmo para permanecer competitiva.
“O objetivo será concentrar o investimento em projetos estratégicos ao longo de toda a cadeia de suprimentos”, disse von der Leyen, sem anunciar valores. “Mudança climática precisa ser abordada de forma global, mas de forma justa.”
A abertura de uma nova frente de contenciosos protecionistas não se limita ao triunvirato EUA-China-União Europeia – que somados, representam 60% do PIB mundial.
Segundo a ONU, mais de 100 países responsáveis por mais de 90% do PIB global adotaram recentemente estratégias industriais com subsídios.
A iniciativa da União Europeia é uma resposta ao pacote de subsídios de quase US$ 400 bilhões anunciado no ano passado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, para aumentar a energia limpa e reduzir a dependência da China em importantes cadeias de abastecimento, como baterias para veículos elétricos (EVs).
A China, por sua vez, vem investindo na última década mais de US$ 50 bilhões na expansão da cadeia de suprimentos para energia solar – dez vezes mais do que a Europa. Hoje, o país asiático fornece 80% dos principais componentes de painéis fotovoltaicos no mundo.
Contradição
Considerado um contrassenso desde que a globalização da economia se consolidou, pois prejudica a eficiência e o livre comércio entre as nações, o protecionismo ressurgiu com mais força como uma necessidade de muitos países em manter algum grau de autossuficiência durante a pandemia.
A ajuda inicial interna a setores produtivos dos países foi estimulada com os problemas das cadeias de suprimentos, desestruturadas com o avanço irregular da Covid-19 em diferentes partes do planeta.
A excessiva dependência tecnológica global da China – escancarada durante a pandemia – transformou o que seria um problema econômico e comercial numa questão geopolítica.
Foi quando o Ocidente se deu conta da primazia chinesa em praticamente todas as tecnologias avançadas – incluindo robôs, veículos elétricos, baterias, biotecnologia, inteligência artificial, blockchain e até supercomputação.
O avanço chinês ocorreu justamente durante a consolidação da globalização, marcado pela migração de indústrias para a Ásia para aproveitar a mão de obra barata e incentivos dos governos locais.
O economista William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue – corretora que oferece acesso ao sistema financeiro americano para investidores brasileiros –, atribui o avanço do protecionismo mais como possível efeito de um esgotamento do processo de globalização do que resultado da pandemia.
“A rigor, esse processo começou em 2018, quando então presidente americano Donald Trump decidiu combater o déficit dos EUA no comércio global, em especial com a China, com aquele slogan de voltar a tornar a América grande novamente, que na verdade consistia em estimular acordos bilaterais vantajosos para os EUA e a guerra comercial com a China, em detrimento do modelo globalizado”, diz Alves.
De fato, a virada protecionista começou antes da pandemia. Os gastos com subsídios entre os países do G7 começaram a aumentar nos últimos seis anos, de 0,6% do PIB em média em 2016 para 2% em 2020.
Alves acredita que os últimos anos apenas consolidaram o que ele chama de “tempestade perfeita”, que já estava em movimento. “Inclui a pandemia, que mostrou a dificuldade de manter uma operação global, a desestruturação da cadeia de suprimentos e a guerra da Ucrânia, que expôs a dependência europeia do gás russo”, afirma o estrategista da Avenue.
Segundo ele, Biden, na sequência, não aliviou em nada a estratégia, com a adoção de medidas para conter o avanço chinês na área de semicondutores. Uma delas é a legislação que impede a venda de equipamentos e softwares americanos de chips, produzidos em qualquer lugar do mundo, para a China.
Outra medida foi a Lei dos Chips, que fornece US$ 52 bilhões em incentivos para a indústria de semicondutores instalada nos EUA, tentativa de reverter um declínio de várias décadas da participação americana na fabricação de chips.
A estratégia americana começa a ser replicada em duas frentes por outros países. Numa delas, visando a reduzir a dependência chinesa, o Japão incluiu incentivos para realocações de indústrias instaladas na China em seu orçamento em 2020.
A Índia está tentando atrair empresas independentes em 14 setores diferentes, oferecendo até US$ 26 bilhões em incentivos vinculados à produção ao longo de cinco anos.
Na outra frente, países que possuem as matérias-primas necessárias para fabricar produtos de alta tecnologia, como baterias, estão de olho nos controles de exportação.
A Indonésia, por exemplo, proibiu as exportações de níquel. Na América do Sul, Argentina, Bolívia e Chile poderão em breve formar um cartel semelhante ao da Opep para controlar a produção de suas minas de lítio. “Podemos estar vendo nascer um novo modelo antiglobalização”, diz Alves.