A ofensiva dos últimos dias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a política de juros do Banco Central, que foi gradativamente subindo de tom até atingir o presidente do órgão, Roberto Campos Neto - a quem Lula chegou a se referir como “esse cidadão” -, acabou realimentando o debate sobre a importância de o BC ser independente.

Coube ao próprio Campos Neto falar, a Campos Neto avisar (lembram da música Luís Inácio (300 picaretas), do Paralamas do Sucesso?) e a responder indiretamente a Lula nesta terça-feira, 7 de fevereiro, ao ser abordado sobre o tema durante palestra no evento Milken South Florida Dialogues de 2023, em Miami, nos Estados Unidos.

“A independência do BC é importante porque ajuda a desconectar a política monetária do ciclo político, ambos com interesses distintos”, disse Campos Neto, que abordou na palestra as inovações digitais do BC, como o PIX, e só tocou na questão da autonomia do banco ao responder a uma pergunta da plateia.

“Quanto maior a independência do BC, mais eficaz para o País, que fica menos exposto em termos de custo de ineficiência da política monetária", acrescentou, mudando de assunto na sequência.

Lula passou a questionar diariamente a autonomia do BC a partir da semana passada, quando o Copom (Comitê de Política Monetária) – órgão do BC encarregado de estabelecer as diretrizes da política monetária e definir a taxa de juros –, em sua primeira reunião do ano, decidiu manter os juros básicos da economia em 13,75% ao ano e sinalizou que manterá um período mais prolongado de juros altos.

Irritado, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passaram a reclamar que a manutenção dos juros elevados impedia a recuperação econômica do país.

A rigor, a discussão sobre a independência do BC é inócua - a autonomia do órgão é assegurada pela Lei Complementar 179, aprovada pelo Congresso Nacional, que entrou em vigor em 25 de fevereiro de 2021.

A lei determina a adoção de mandatos de quatro anos para presidente e diretores da autarquia federal – ou seja, o atual presidente da República não tem poder de trocar agora o presidente do órgão. Roberto Campos Neto já comandava o BC antes da aprovação da lei, indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Desde que o governo centrou ataques à autonomia do BC, a reação de economistas e ex-presidentes do órgão tem sido de apoio à independência da autoridade monetária.

“O objetivo maior do BC é o de atuar de forma técnica, sem pressões políticas indevidas que acabem condicionando suas decisões, pois geralmente ceder a essas pressões acaba tendo efeito inverso ao pretendido”, afirma o economista Mauro Rochlin, coordenador dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Segundo ele, esse discurso de colocar em xeque a autonomia do BC é contraproducente. “Enquanto o governo por um lado tenta ‘forçar’ uma queda de juros; por outro, está criando tensão entre a equipe econômica do governo e o próprio BC, aumentando a aversão aos riscos dos agentes econômicos e empurrando a taxa de juros para cima”, acrescenta Rochlin, qualificando essa estratégia de “tiro no pé”.

Na véspera, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles – que foi presidente do BC durante os governos petistas, entre 2003 e 2011 – já havia defendido a autonomia do órgão, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo.

“Caso atendesse a vontades de governantes, o BC deixaria de ser autoridade diante dos agentes e colocaria em risco toda a economia brasileira”, escreveu Meirelles, citando como exemplo o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, que, nos anos 1970,  fez as vontades do presidente Richard Nixon e manteve os juros baixos artificialmente.

“A inflação americana atingiu patamares inaceitáveis, e foi necessário que outro chairman do Fed, Paul Volker, levasse os juros à casa dos 20% e gerasse uma recessão na década de 1980 para domar a inflação e reequilibrar a economia”, acrescentou.

Ata do Copom

A polêmica entre governo e Banco Central ganhou mais um capítulo com a divulgação, nesta terça-feira, 7 de fevereiro, da íntegra da ata do Copom referente à reunião da semana passada do órgão.

O documento ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco, entre eles a “ainda elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos”.

Tatiana Nogueira, economista da XP, chama a atenção para um trecho da ata no qual o comitê do Copom entende que os acontecimentos recentes (principalmente do lado fiscal) podem atuar no sentido de elevar a taxa de juros neutra, o que exigiria uma elevação nominal da Selic ao longo do tempo.

“A ata sugere que os riscos de inflação estão assimétricos para cima e, portanto, o Copom vê pouco espaço (se houver) para flexibilizar a política monetária até o início do ano que vem”, afirma a economista.

Para Mauro Rochlin, da FGV-RJ, a ata do Copom reforça a ideia de que, sem política fiscal responsável, fica difícil esperar uma política monetária mais flexível. Neste sentido, segundo ele, a expectativa para os próximos passos vai se fiar no arcabouço fiscal que o governo está preparando.

“O peso desse novo desenho fiscal deve repousar sobre as receitas, incluindo a reforma tributária que aumente impostos, acabando com isenção sobre dividendos, lucros, herança, e ser mais flexível em relação a gastos”, diz Rochlin. “Essa variável é o que vai dar o tom do que vai ocorrer no segundo semestre.”