O que tornou a americana Aretha Franklin (1942-2018) tão genial? Uma das possibilidades exploradas na nova temporada de “Genius”, série produzida pelo canal National Geographic, foi a coragem da “Rainha do Soul” para canalizar a sua dor em prol da música.

A dona de uma voz inconfundível, sempre carregada de emoção, conseguiu tirar vantagem dos altos e baixos que enfrentou ao longo da vida para escrever e interpretar canções libertadoras. Principalmente os hinos do feminismo e do movimento pelos direitos civis, que fizeram a artista, nascida no Tennessee e criada no Michigan, entrar para a história.

“Aretha conseguiu se tornar a mulher mais brilhante do cenário musical, mesmo vivendo em época tumultuada culturalmente e enfrentando tantas complicações na vida pessoal”, disse Brian Grazer, o produtor de “Genius”. “É o tipo de gênio que precisa ter a sua história contada”, completou ele, durante painel virtual da série organizado pelo festival South by Southwest (SXSW), que teve cobertura do NeoFeed.

Considerada a “maior cantora de todos os tempos” pela revista Rolling Stone, Aretha inspirou uma produção de oito episódios. A trajetória daquela que alcançou a marca dos 75 milhões de discos vendidos acaba de estrear no National Geographic dos EUA. O lançamento no Brasil, no entanto, ainda não foi confirmado.

Esta é a terceira temporada da série de antologias do canal – sendo a primeira que destaca uma mulher e uma pessoa negra. Antes de Aretha, que foi a primeira mulher a integrar o Rock & Roll Hall of Fame, em 1987, “Genius” já analisou a trajetória do físico alemão Albert Einstein, em 2017, e do pintor espanhol Pablo Picasso, em 2018.

“Para a terceira etapa, tínhamos uma lista com centenas de nomes. Entre eles, muitos cientistas e vencedores do prêmio Nobel. Naquele momento, nós nem cogitávamos uma figura musical”, contou Grazer, vencedor de um Oscar de melhor filme por “Uma Mente Brilhante” (2001). “Mas no dia em que Aretha morreu (16 de agosto de 2018, aos 76 anos), percebi que ela seria a escolha mais óbvia.”

A série explora tanto o impacto da artista no mundo da música quanto a sua importância na luta pelos direitos civis, nos anos 60. Filha de um pastor, Aretha começou a cantar ainda menina em cultos na igreja. Foi certamente na música gospel que ela aprendeu a cantar com tanto fervor, uma de suas marcas registradas.

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Ainda jovem, Aretha conheceu Martin Luther King, que era amigo da família, passando a cantar em comícios do líder do movimento contra o racismo nos EUA. E o modo como ela se identificou com a luta dos negros por igualdade a acompanhou durante toda a sua carreira, em mais de cinco décadas.

Com a sua música, Aretha também defendeu o direito das mulheres. “Respect”, por exemplo, se tornou um hino feminista que inspirou várias gerações. Lançada em 1967, a canção destaca em sua letra o respeito que toda mulher merece do parceiro.

Ao resgatar as maiores conquistas de Aretha, vencedora de 18 prêmios Grammy, a série também mostra os obstáculos que ela enfrentou para vencer, o que exigiu talento e determinação. Desde a infância, quando perdeu a mãe aos 10 anos, sua vida foi pontuada por turbulências. Ela sofreu maus tratos nas mãos do pai controlador (Clarence Franklin) e, posteriormente, do marido (Ted White), um homem de comportamento abusivo que a teria levado ao alcoolismo.

Ela foi considerada a “maior cantora de todos os tempos” pela revista Rolling Stone

“Ao longo de toda a série, não nos esquivamos da verdade, incluindo que Aretha teve um bebê quando tinha apenas 12 anos, algo difícil de abordar”, afirmou Suzan Lori-Parks, responsável pelo roteiro da série. “Tratamos todos os aspectos de sua vida com respeito, para não envergonhá-la. Ao contarmos sua história com honestidade, mulheres que passam por momentos difíceis sentirão que não estão sozinhas”, completou ela.

Cynthia Erivo, indicada ao Oscar por “Harriet” (2019), perdeu muitas noites de sono ao assumir a responsabilidade de personificar Aretha. E isso incluiu cantar para valer durante as filmagens, o que exigiu intensas sessões com um treinador vocal. Afinal, Aretha, que emplacou mais de 100 singles nas paradas da Billboard, transitava sem esforco pelo gospel, soul, R&B, jazz, rock, pop, disco e até pela ópera. E ela ainda conseguia segurar uma nota por longos períodos.

“Por se tratar de uma pessoa que existiu e ainda deixou uma marca no mundo, que nos beneficia até hoje, será que ela ficaria satisfeita com o que fiz?”, disse Cynthia. Embora seja uma tarefa ingrata tentar reproduzir o talento vocal de Aretha, a atriz foi elogiada pela performance no filme cantando sucessos como “Respect”, “Rock Steady” e “Chain of Fools”, entre outros.

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Os herdeiros de Aretha não aprovam a série, que também retrata as crises de depressão e de insegurança da artista. Filhos e netos protestaram nas redes sociais contra o programa, alegando que a família não foi consultada para atestar a veracidade do retrato da cantora. Eles preferem a cinebiografia “Respect”, com a qual contribuíram. O filme estrelado por Jennifer Hudson deve estrear em agosto nos EUA.

Para o time responsável por “Genius”, a decisão sobre o que mostrar na série foi tomada sempre com o objetivo de “desvendar o que estava por trás das canções”. A ideia aqui seria refletir sobre a sua música, que foi moldada por paixão e sofrimento. Até porque parte da genialidade de Aretha estava justamente em colocar alma em tudo o que cantava.