Depois de mais de dois anos pensando diariamente em doença e finitude, e discutindo cada vez mais abertamente a saúde mental, não é surpresa que o turismo de bem-estar esteja testemunhando o maior crescimento de sua história.

E com uma diferença importante: o setor de wellness nas viagens, antes tão associado a apenas spas para massagens ou termas, hoje compreende uma proposta muito mais completa, focando em equilíbrio entre corpo e mente.

Ainda sob os impactos das mudanças de vida trazidas pela pandemia, o viajante busca se sentir bem durante e depois da viagem, o que significa comer de maneira mais saudável, ampliar o contato com a natureza, exercitar-se, divertir-se, desconectar-se e adquirir bons hábitos para levar ao dia a dia.

E a hotelaria entendeu o recado com propriedades que oferecem cada vez mais opções de atividades e experiências holísticas para atender a essa demanda. O turismo wellness é hoje responsável por mais de um bilhão de viagens individuais por ano, com gastos cerca de 130% maiores do que o viajante médio internacional, segundo dados do GWI (Global Wellness Institute).

"A pandemia ampliou muito a busca por opções em que o bem-estar fosse ainda mais valorizado", diz Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da Fecomercio de São Paulo. Ela destaca que, hoje, a oferta de serviços ligados a bem-estar e detox digital já é fator considerado decisivo para muitos viajantes, em especial no turismo de luxo.

De 2015 a 2017, o setor saltou de US$ 563 bilhões movimentados para US$ 639 bilhões, mais do dobro do crescimento do turismo em geral no mundo. Em 2020, com tantas fronteiras fechadas, caiu para cerca de US$ 436 bilhões, queda inferior a do turismo em geral e representando mais de 16% de todos os gastos da indústria turística.

Centro botânico com customização de blends de chás para cada hóspede no Joeli (Foto:Mari Campos)

E agora recuperou o fôlego: movimentou US$$ 653 bilhões no ano passado e deve chegar a US$ 920 bilhões até o fim de 2022, segundo projeção do World Travel & Tourism Council/WTTC. O relatório do GWI projeta aumento de quase 21% para o setor a cada ano até 2025, quando o nicho deve movimentar US$ 1,3 trilhão, representando cerca de 20% de todo o turismo mundial.

Hotelaria especializada em evidência

"A Ásia já estava bem avançada nesta tendência e o resto do mundo agora está tentando se equiparar", diz ao NeoFeed Simon Mayle, diretor de eventos da ILTM (International Luxury Market), Proud Experiences e WTM Latin America. "Uma grande referência internacional é a rede Six Senses, com suas propriedades tão alinhadas à filosofia do 'slow life', da sustentabilidade, valorização do local e do orgânico."

A Six Senses chegou recentemente ao Brasil, assumindo a administração do agora Six Senses Botanique, em Campos do Jordão. Localizado na confluência de três vales fluviais da Mantiqueira, com direito a sete nascentes d'água mineral diferentes na propriedade, propõe jornadas de bem-estar do menu do restaurante (que prega o "da colheita para a mesa") ao banho de floresta, das águas termais e piscinas isotônicas ao seu Alchemy Bar, onde os hóspedes podem preparar seus próprios esfoliantes e hidratantes, por exemplo, apenas com produtos orgânicos colhidos nos jardins da propriedade.

"Acreditamos que essa seja a grande transformação das viagens atuais, principalmente no turismo de luxo. Todos os principais hotéis do mundo estão pensando sobre isso agora, e todo novo hotel sabe que precisa ter uma proposta ligada a bem-estar", diz Mayle.

A transformação do setor e da própria percepção do turista sobre o que é bem-estar na última década é indiscutível. "Pressões e cobranças do dia a dia, como a necessidade de conexão constante, não existiam há dez anos. Hoje, desconectar virou um atributo importante para se sentir bem - e a gente vê cada vez mais experiências de viagem que buscam trazer o bem-estar através disso", diz Simone Scorsato, CEO da BLTA (Brazilian Luxury Travel Association).

Six Senses Botanique, em Campos de Jordão: alimentação do cultivo à mesa e integração com a natureza

Neste movimento, surgiram mais hotéis e resorts totalmente focados em bem-estar (geralmente com custos mais elevados e focados no turismo de luxo) como propriedades dos mais diversos perfis - de grandes redes internacionais como Four Seasons a pequenos hotéis independentes, como o Filha da Lua, em Pipa (RN), passaram a investir mais em criar experiências diversas (caminhadas, aulas abertas de yoga, menus saudáveis, terapias, piqueniques ao ar livre, amenidades para autocuidado) que cheguem muito além do relaxamento das massagens oferecidas no spa.

Na Índia, país onde mais de cinco milhões de postos de trabalho estão ligados ao turismo de bem-estar, surgiu um dos casos mais bem-sucedidos do mundo na hotelaria de bem-estar. O Ananda in the Himalayas, instalado no sopé dos Himalaias, nos arredores da Rishikesh, virou um destino em si.

Muitos turistas viajam à Índia exclusivamente para se hospedar ali. Sua proposta é transformar os hábitos do viajante através da medicina ayurvédica - com cardápio de refeições e menu de atividades (massagens, exercícios, palestras, yoga, meditação) customizados e personalizados para cada hóspede.

No Brasil, o Rituaali, nos arredores de Penedo (RJ) é o único no país com filosofia semelhante, totalmente focado em restaurar o equilíbrio físico e mental dos visitantes por meio da Medicina do Estilo de Vida e da alimentação natural.

A vista do Ananda com o Himalaia e o rio Ganges (foto: Mari Campos)

Até as badaladas ilhas Maldivas ganharam agora seu primeiro "wellbeing retreat", o Joali Being. Sustentável, une técnicas de medicinas tradicionais antigas (como chinesa e ayurvédica, por exemplo) com conhecimentos contemporâneos em prol do equilíbrio do que definiram como os quatro pilares de bem-estar: mente, pele, microbioma e energia.

Além da cozinha saudável oferecida pelos dois restaurantes da casa, meditação, yoga, palestras, terapia dos sons, terapia da água e até crioterapia são oferecidos. A oferta de bebidas alcoólicas é bastante limitada ali.

O grande foco dos bares do hotel são seus extensos menus de sucos, vitaminas, mocktails e chás. A arquitetura segue o conceito da biofilia, ou seja, promove a integração entre as pessoas e a natureza, seja na concepção dos espaços, seja no uso de materiais.

Desejo de cura e equilíbrio

O aumento da demanda experiências de bem-estar se soma à maior procura também por destinos associados à ideia de "cura". O México, por exemplo, tem atraído um fluxo crescente de turistas interessados no turismo "zen" desde o começo da pandemia.

Tepoztlán e Amatlán, vilarejos pitorescos a pouco mais de uma hora da capital mexicana, vivem um boom sem precedentes nas propriedades voltadas a bem-estar, como o belo Amomoxtli, localizado entre bosques, jardins e paradisíacas montanhas. O próprio ritual do temazcal, banho de vapor com ervas aromáticas herdado das culturas pré-hispânicas e conduzido por xamãs, aparece hoje em spas de hotéis de luxo em todo o país.

Para os especialistas, o entendimento de bem-estar não é uma onda passageira. "É um movimento de tomada de consciência que vai envolvendo muita gente. Gosto de imaginar a construção de uma forma de pensar baseada na busca do bem-estar individual, que naturalmente vai levar ao bem-estar coletivo", diz Mariana Aldrigui.

No Brasil, há potencial de sobra para o setor se desenvolver e criar novas experiências autênticas. "Mas o que precisamos agora é voltar a colocar o destino Brasil no imaginário e no desejo do turista estrangeiro, porque o país meio que desapareceu dessa prateleira", alerta Simone Scorsato, da BLTA.