Nas últimas duas décadas, Sukhinder Singh Cassidy construiu um currículo invejável. Em uma das experiências que teve, quando foi presidente do Google para operações na América Latina e na Ásia, a administradora de empresas se aproximou do mercado brasileiro. Naquele período, entre 2003 e 2009, no entanto, pouco ainda se falava sobre startups no Brasil.

Quase 20 anos se passaram desde que a executiva ingressou no Google. De lá para cá, ela acumulou trabalhos em diferentes empresas. Foi CEO da Accel Partners, gestora que já investiu em empresas como Facebook e Dropbox, presidente da plataforma de venda de ingressos Stubhub, além de ter sido CEO de duas startups e membro do conselho de empresas como Ericsson e TripAdvisor.

Sua nova empreitada, no entanto, remete aos tempos em que a Cassidy olhou com maior atenção para o mercado brasileiro. A executiva está realizando seu primeiro investimento numa startup brasileira. Trata-se da Livela, uma plataforma de video commerce fundada neste ano que aposta num conceito chamado de “compra por descoberta” através de transmissões ao vivo ou gravadas (por isso o termo video commerce e não live commerce).

O investimento de valor não revelado na companhia brasileira foi o primeiro realizado pela executiva no Brasil. Participa também da rodada pré-seed a Acrew Capital, gestora de venture capital que investe em empresas early stage e no qual Cassidy também está envolvida.

“Eu tenho observado de perto o crescimento do ecossistema brasileiro e este foi um investimento guiado pela minha crença no mercado de video commerce no Brasil”, afirma Cassidy ao NeoFeed. Sobre a escolha do negócio, ela afirma que investe em “pessoas e negócios que conhece”.

A Livela se adequava a tese de Cassidy como investidora-anjo, que consiste em apostar em startups que ainda estão em early stage e que atuam, principalmente, com e-commerce. O diferencial da Livela é que a empresa ainda atua num mercado que Cassidy já tinha familiaridade.

Pouco tempo após deixar seu cargo no Google, mais especificamente no período entre os anos de 2010 até 2017, Sukhinder fundou e comandou a Joyus, uma startup que também atuava com comércio de peças de vestuário e itens de beleza através de vídeos. A operação foi vendida para a StackCommerce por US$ 50 milhões, segundo o site TechCrunch.

A principal diferença entre a Joyus e a Livela é o fato de que a startup brasileira aposta em conteúdo ao vivo, mas não de forma exclusiva. “A experiência de compra é toda integrada na plataforma, permitindo que o consumidor possa encher o carrinho sem precisar sair do vídeo que está assistindo”, afirma Samuel Negrão, cofundador da empresa ao lado de Amanda Martins e dos israelenses Oksana Semenov e Hai Habot – este último foi o responsável por apresentar a startup para Cassidy.

O conteúdo, apresentado por influenciadoras e atrizes que firmam parcerias pontuais com a plataforma, envolve desde dicas de moda e indicação de produtos para cabelo e maquiagem. Todos os produtos sugeridos para a compra durante os vídeos são escolhidos a dedo pela Livela, que faz a curadoria de acordo com o público que pretende atingir com o conteúdo.

“São vídeos que trazem temáticas atuais e problemas da mulher moderna. Um deles, por exemplo, abordou a questão da transição capilar”, afirma Amanda, que antes da Livela trabalhou em empresas como PlayStation e Uber, onde ajudou a lançar a operação do aplicativo de transporte no Brasil.

Os live shops, como são chamadas as plataformas que apostam em conteúdo ao vivo para vender produtos, estão em alta no mercado. Uma pesquisa da consultoria americana Research and Markets estima que este setor deve movimentar US$ 600 bilhões em vendas até 2027.

No Brasil, o segmento já tem algumas empresas. Uma das concorrentes da Livela é a Mobocity, fundada neste ano por Yan Di, executivo que passou por cargos de liderança em diferentes empresas chinesas no Brasil, como Huawei, Baidu e Aliexpress. Outra startup do setor é a Mimo, fundada em 2020 e que tem entre os investidores os apresentadores Luciano Huck e Sabrina Sato.

Amanda Martins e Samuel Negrão, cofundadores da Livela

O negócio da Livela ainda está em seus primeiros meses e as transmissões ao vivo possuem apenas algumas dezenas de espectadores. O vídeo mais assistindo tem pouco mais de 4 mil visualizações. A limitação se dá principalmente porque o aplicativo ainda está disponível somente para Android. Uma versão para iPhone ainda está em fase de desenvolvimento e deve ser lançada nos próximos meses, com os recursos dessa captação.

Para o futuro, a empresa espera firmar parcerias com mais marcas para disponibilizar novos produtos no marketplace. A companhia também estuda gerar uma nova forma de receita a partir de conteúdo patrocinado. “Mas queremos ter o controle do produto porque acreditamos que qualidade é melhor do que quantidade”, afirma Amanda. “Precisamos ter autoridade para indicar os produtos.”

Já sobre os planos de Cassidy, um deles envolve seguir olhando para o Brasil, mercado no qual a executiva pode apostar em outra startup num futuro próximo. Por ora, a investidora afirma que pretende realizar até cinco investimentos por ano e já realizou entre 25 e 30 aportes nos últimos dez anos. Desses, entre 15 e 20 ainda estão ativos. Os cheques variam entre US$ 75 mil e US$ 200 mil.

Uma das apostas foi na Sounding Board, plataforma para o desenvolvimento de lideranças e coaching. O negócio já captou US$ 45 milhões ao todo. Outra empresa investida foi a Peek, que atua com um marketplace de experiências que vão desde visitas a museus até aulas de culinária. A empresa já levantou quase US$ 120 milhões em investimentos.

O que Cassidy também olha com maior atenção são os negócios fundados por mulheres tendo mais da metade das empresas que já investiu – a qual não revela o número – com mulheres entre as fundadoras. “É preciso trazer mais diversidade também para o cap table”, afirma. “Para ter mais empresas fundadas por mulheres capitalizadas, é preciso ter mais diversidade entre os investidores.”

A Livela, com a cofundadora Amanda Martins, entra nesta seleção. Cassidy, porém, deixa claro que este não foi o motivo que fez com que ela investisse na startup brasileira, até porque o negócio foi apresentado para a investidora através de um homem.

“Eu nunca disse que só invisto em negócios fundados por mulheres, mas quando olho para meu portfólio, vejo que ele tem bastante diversidade. Há uma ligação natural.”