Os pets estão em todos os lugares e na vida de boa parte dos brasileiros. E cada vez mais. A população desses bichos no território nacional atingiu 139,3 milhoes de animais (cães, gatos, aves, peixes, réptes e pequenos mamíferos) em 2019, segundo dados do IBGE atualizados em 2019 pelo Instituto Pet Brasil.

Os negócios que geram essas doces criaturas colocam o Brasil entre os três maiores mercados do mundo, atrás apenas de EUA e China. Em 2020, o setor movimentou R$ 40,1 bilhões de faturamento, com crescimento de 13,5% em relação ao ano anterior, segundo projeção do Instituto Pet Brasil, com base nos dados até o terceiro trimestre daquele ano.

Mesmo com tanto interesse dos humanos pela companhia de bichos, poucos de nós fazem ideia ou param para pensar sobre até onde, de fato, esses animais são mesmo irracionais e que relações de comunicação e afetiva há entre eles.

A ligação das famílias com seus pets costuma levar a conclusões curiosas como, por exemplo, relacionar a “inteligência” de cada animal a de seu dono. Ou seja, o primeiro incorporaria a personalidade do segundo, sem considerar suas características e dotes naturais.

Se é assim, como explicar que gatos giram a fechadura do lavabo e abrem a tampa do vaso para beber água, ou sobem na pia do tanque para aproveitar aquela gota que não para de cair e saciar a sede? Por que os cães choram quando seus donos saem de casa e ficam ensandecidos quando voltam? Em outro aspecto, seriam os pets os mais inteligentes dentre os animais? De jeito nenhum.

Frans de Waal, primatólogo holandês que vive no EUA e um dos mais respeitáveis do mundo, oferece uma infinidade de exemplos sobre inteligência animal no livro Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes são os animais?, que acaba de ser lançado pela Editora Zahar.

A obra, que já virou clássico lá fora, traz reflexão sobre o tema a partir de exemplos práticos e impressionantes da “ascensão e queda da visão mecanicista dos animais”. Sobram exemplos de várias espécies que desafiam a lógica de que só os humanos são racionais.

Como o fato de polvos coletarem cascas de coco como meio de autoproteção, elefantes que fazem distinções sofisticadas de inimigos potenciais e o papagaio-cinzento africano que dá nomes a objetos com rara precisão. No Brasil, o João de Barro consegue prever se será um ano mais chuvoso e aumenta em meia volta a entrada de seu ninho. Assim, o lavrador sabe como deverá ser a colheita.

No Brasil, o João de Barro consegue prever se será um ano mais chuvoso e aumenta em meia volta a entrada de seu ninho

Bem antes dos homens, a agricultura já era feita de modo complexo por formigas cultivadoras de cogumelos e outros fungos. Na África, primatas formam alianças de poder (sentido político), propagam hábitos (sentido cultural), bem como mostram empatia e justiça (sentido moral).

Em um estudo realizado nas Montanhas Mahale, Toshisada Nishida e sua equipe de cientistas japoneses observaram um gorila macho alfa que comandava seu grupo havia mais de uma década, algo fora do comum, porque criou um meio de “subornar”, ao compartilhar alimento com os aliados e negá-los aos rivais. Com isso, atropelou a noção de que quem manda é o mais forte.

“Levou a melhor quem gastou mais tempo em busca do apoio de terceiros, investiu mais energia numa certa ‘diplomacia’”. Há casos diversos ainda com golfinhos, vespas, morcegos, baleias, chimpanzés e bonobos com atitudes que confundem a prática de subestimar seu modo de se relacionar com o mundo e sua suposta falta de inteligência.

Segundo Waal, os bichos possuem mentes mais complexas e intrincadas do que se costuma supor. Ele derruba a ideia que se aprende logo na escola de que todo animal é irracional, exceto os humanos – o único a supostamente tomar decisões baseadas em pensamentos lógicos.

O autor parte da diferença entre a mente humana e a dos animais. “De modo geral, rebatemos que é o senso de identidade, a capacidade de construir ferramentas, de projetar o futuro e compreender o passado – características que ajudaram a nos definir como a espécie mais proeminente do planeta”.

Nas últimas décadas, explica ele, tal singularidade passou a ser posta à prova por uma revolução nos estudos da cognição animal. Para ele, a ciência superou o behaviorismo (comportamento como forma funcional e reacional dos organismos vivos ) e revelou o quanto os bichos são mesmo inteligentes.

Por maior que seja a diferença mental entre o homem e os animais superiores, certamente é de grau, não de tipo. E mostra que os macacos são capazes até de perceber e se antecipar a mudanças climáticas de modo mais eficiente que os humanos.

Como o caso da chimpanzé que, mesmo em temperatura ambiente, juntou palha para se proteger de um frio que não estava sentindo, de modo preventivo. A explicação mais racional, escreve ele, era que, a partir da experiência da véspera, quando tremera de frio, ela se preparava para o clima esperado para aquele dia. “Seja como for, ela ficou bem aquecida com Fons, seu filho, no ninho de palha que tinha construído.”

Waal sempre se perguntou em que nível mental os animais operam, “mesmo sabendo sem sombra de dúvida que uma única história não basta para tirarmos conclusões”. Mas esses casos, afirma ele, inspiram observações e experimentos que ajudam a distinguir o que está acontecendo. A questão que se destaca está em ser longo o processo necessário de observação.

Waal sempre se perguntou em que nível mental os animais operam, “mesmo sabendo sem sombra de dúvida que uma única história não basta para tirarmos conclusões”

“Como resultado, somos bastante lentos para aceitar conclusões e divergências nos aguardam em cada canto. Mesmo que a observação inicial seja simples (um chimpanzé junta um monte de palha), as repercussões desse gesto podem ser enormes”.

Se animais fazem ou não planos para o futuro, diz ele, como a chimpanzé parecia fazer, tornou-se uma questão com a qual a ciência atualmente está preocupada. “Especialistas falam de viagem no tempo mental, cronestesia e autonoese, mas vou evitar essa terminologia obscura e tentar traduzir seus progressos em linguagem comum”. Nesse sentido, o uso cotidiano da inteligência animal oferece evidências efetivas dela a partir de experimentos controlados.

“As histórias dizem a que propósito servem as capacidades cognitivas, enquanto os experimentos ajudam a descartar explicações alternativas. Pensemos se os animais se despedem e cumprimentam. Esta última hipótese não é difícil de verificar. A saudação é uma reação ao aparecimento de um indivíduo familiar depois de uma ausência, como a de seu cachorro pulando em você assim que você entra pela porta”.

O cientista faz uma série de questionamentos que responde no decorrer de 450 páginas do livro. “Será essa uma suposição racional ou eles não veem do que os animais são capazes? Por que a humanidade é tão propensa a minimizar a inteligência animal? Nós, rotineiramente, lhes negamos aptidões que damos por certas em nós mesmos. O que há por trás disso?”

Ele explica que, na maior parte do século passado a ciência foi extremamente cautelosa e cética quanto à inteligência animal. Atribuir intenções e emoções aos bichos, nesse contexto, era tido como uma forma de ingenuidade “leiga” ou algo sem sentido. Quem estudava o comportamento animal ou não considerava a possibilidade de cognição, ou se opunha ativamente à ideia como um todo, afirma. “A maioria não queria nem chegar perto do assunto. Felizmente havia exceções”.

Em seu estudo, Waal optou por pinçar entre descobertas, espécies e cientistas para expressar toda a excitação dos últimos vinte anos nesse campo de estudo. “Minha especialidade trata do comportamento e da cognição de primatas, um campo que afetou fortemente outros, por ter estado na vanguarda das descobertas”. Ele atua na área desde 1970 e conheceu muitos de seus atores — tanto humanos como animais —, o que permitiu acrescentar um toque pessoal.

“Há muitas histórias nas quais se basear. O crescimento desse campo tem sido uma aventura, mas continua a ser fascinante, já que o comportamento, de acordo com o etólogo (especialista em comportamento animal) austríaco Konrad Lorenz, é o aspecto mais vivo de tudo o que vive”.

Serviço
Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes são os animais?

Por Frans de Waal
Editora: Zahar; 1ª edição (17 janeiro 2022)
Idioma: Português
Capa comum: 456 páginas
Preço: 99,90