A inflação, que nos últimos tempos tem castigado as principais economias do planeta, não é um fenômeno temporário, que será controlado com medidas convencionais, como a elevação de taxa de juros.

Ela deve seguir presente por, pelo menos, mais uma década, sendo que, nos próximos 3 a 4 anos, o medo da inflação vai ser uma questão dominante para a economia global. Para domá-la, será necessária uma recessão nas grandes economias, como os Estados Unidos.

O alerta em questão foi feito por Anatole Kaletsky, presidente e economista-chefe da Gavekal, uma das consultorias mais respeitadas por grandes investidores, durante sua palestra nesta quinta-feira no CEO Forum, evento promovido pelo Bradesco BBI.

“O mundo está entrando numa era, a inflação é algo que vamos ter de conviver daqui para frente", afirmou Kaletsky. "O que está acontecendo agora, de picos inflacionários, é algo que não ocorreu nem nos anos 70".

O economista atribuiu o cenário de inflação constante a uma soma de fatores. Primeiro, o efeito da Covid-19 na economia global, que gerou queda de produção e aumento de preços. Esse período de transição, segundo ele, se estendeu em 2022, por causa das sanções contra a Rússia.

“A inflação passou a ficar embutida na economia americana, com preços de bens, serviços e produtos subindo até 8%”, disse. “Essa inflação elevada persiste por dois anos e vai durar mais 6 meses, no mínimo, e está embutida na estratégia de negócios, no mercado de trabalho e no poder de precificação.”

Para Kaletsky, achar que o pico da inflação nos Estados Unidos já foi alcançado é um erro. “A questão é essa: não se trata de pico, mas de um platô de inflação significativamente mais alto na próxima década ou em comparação com o que vimos desde os anos 1980”, explicou.

O caminho para reverter esse quadro vai exigir sacrifícios. Em sua visão, para trazer a inflação de volta a um patamar de 2%, por exemplo, será preciso ocorrer algo dramático na economia global: uma perda de crescimento e um período de atividade econômica negativa para quebrar a expectativa de preços.

“Não há sinal de que uma recessão vai ocorrer nos próximos nove meses, baseado nas condições monetárias e fiscais que vemos nos Estados Unidos, dado os altos níveis de economias pessoais", ressaltou "O aperto monetário e fiscal não é suficiente para provocar essa recessão, os juros precisariam chegar a 5,5%."

Uma recessão, segundo ele, começaria de 9 a 12 meses após o aperto monetário. “Nos próximos dois anos, os juros nos Estados Unidos têm de ser mais elevados do que hoje, a previsão da inflação não é importante para daqui a dez anos, e sim, para 12 meses”, advertiu.

Além dos Estados Unidos, Kaletsky chamou atenção para o quadro na Europa, que já está em recessão “por uma decisão de Putin”, numa referência aos efeitos da guerra.

Para ele, em 2023, haverá uma inversão: os Estados Unidos deverão estar no pior ciclo de negócios, quando terão de escolher entre inflação permanente e recessão profunda. O resto do mundo, por sua vez, estará saindo da "recessão maior”, projetou.

Para 2024, o cenário também merece atenção. “Se estamos certos, basicamente será um ano ruim para ações e renda fixa", frisou. "Mas o relacionamento entre a economia americana e Europa, Ásia e China deve mudar por causa de efeitos no mercado cambial, com o dólar mais fraco.”

A volta da China ao mercado global, após o fim dos isolamentos da Covid-19, previsto para março ou abril de 2023, também vai impactar nos países emergentes. “Para esses países, a volta da China é mais importante que o declínio de atividade econômica dos Estados Unidos”, disse.

Do ponto de vista de investimentos, os mercados estão olhando para o futuro. “Eles devem esperar as provas de que os Estados Unidos não superaram seu problema inflacionário, o que só vai ocorrer no ano que vem”, disse. “Mas o enfraquecimento do dólar frente ao euro talvez indique que os mercados estão olhando para a transição que estou mencionando."